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Foto do escritorChristian Lo Iacono

A provocação e a inveja - Parte VIII| Série - A igreja


25 Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito.26 Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.

Gálatas 5.25


10 Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé.

Gálatas 6.10


Hoje começo com uma pergunta: afinal, que diferença o evangelho faz em seus relacionamentos? De que maneira ele afeta o modo como você se vê em relação àqueles que o cercam? E como você vê os outros em relação a si mesmo?


O texto de Gálatas 5.26 é uma passagem muito curta, mas cheia de princípios práticos para o relacionamento com outras pessoas. O evangelho de Cristo cria uma autoimagem inteiramente nova, que não se baseia em comparações com os outros. Isso é um tremendo desafio no mundo instantâneo das redes sociais. Só o evangelho faz com que não nos sintamos nem autoconfiantes demais nem inferiorizados, e ao mesmo tempo ousados e humildes. Isso funciona em relacionamentos com todo mundo. Em vez de nos compararmos com aqueles que estão "acima" ou "abaixo", como costumamos pensar, olhamos apenas para nossa própria responsabilidade de tomar o que temos e somos, e oferecer tudo isso a Deus em um sacrifício de gratidão pelo que Cristo fez.


Fome de honra


Paulo acaba de encorajar os colegas cristãos a andar "sob a direção do Espírito" (5.25). Isso envolve uma crucificação interna e diária dos nossos super desejos pecaminosos (v. 24) e a adoração sincera de Cristo todos os dias, de modo que o fruto do Espírito cresça em nosso caráter.


Agora Paulo quer mostrar de que modo o fato de acompanhar o ritmo do Espírito transformará nossos relacionamentos. No fundo, isso significa "Não nos deixemos possuir [ou, em alguns casos, deixemos de ter] de vanglória" (v. 26), orgulho.


A palavra grega traduzida aqui como "vanglória" é kenodoxoi, que significa literalmente "vangloriosos" ou "vazios de honra". Portanto, o orgulho é uma insegurança profunda, uma percepção de ausência de honra e glória, levando à necessidade de provar nosso valor para nós mesmos e para as demais pessoas. Isso, por sua vez, fixa nossa mente em nos compararmos com os outros. Quando parecemos melhor do que alguém em algum aspecto, nossa "fome de honra" se infla e faz com que nos sintamos ótimos. Quando parecemos inferiores a alguém, nos sentimos desolados, pela mesma razão. Além disso, a "fome de honra" pode nos tornar muito competitivos. Isso descreve o estado natural do nosso coração sem o evangelho de Cristo.


Se formos orgulhosos, estaremos "provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros" (v. 26). "Provocar" – prokaleo – é sinal de competitividade, tendo o sentido de desafiar alguém para uma disputa. "Inveja" significa querer algo que pertence por direito a outra pessoa ou querer que essa pessoa não tenha tal coisa.


É possível que Paulo esteja, com as palavras “provocando” e “tendo inveja”, apenas descrevendo quem é hostil (provocador) àqueles que inveja. O mais provável, no entanto, é que ele esteja falando de duas maneiras diferentes de se relacionar com os outros (John Stott). "Provocativa" é a postura de alguém que está certo de sua superioridade e menospreza alguém que ele entende que é mais fraco. "Invejosa" é a postura de quem tem consciência da própria inferioridade e se sente olhando "para cima", para alguém que, na sua opinião, ocupa posição superior à sua.


Assim, Paulo está dizendo que tanto a superioridade quanto a inferioridade são uma forma de orgulho. Isso é impressionante e profundo. Tanto a pessoa que se sente superior quanto a que se sente inferior estão absortas em si mesmas. Em ambos os casos, você concentra todas as suas forças em como o outro faz com que você se sinta ou pareça, em vez de em como você faz com que o outro se pareça ou sinta.


Outra maneira de explicar isso é em termos de justiça pelas obras, o que estabelece uma ponte entre o versículo 26 e o tema subjacente da carta: a necessidade de viver em conformidade com o evangelho e não retroceder à vida pelas obras. Tanto a pessoa "superior" quanto a "inferior" estão tentando adquirir valor por meio da competição, às custas dos outros. Ambas querem adquirir uma identidade pela derrota e superação de outros. Ambas querem ser orgulhosas e superiores.


A única diferença entre a pessoa arrogante e aquela dotada de baixa autoestima é que a pessoa “inferior” perdeu no jogo, se desespera e inveja os que vê como "vencedores". A pessoa superior, por outro lado, sente como se tivesse vencido momentaneamente e se compara sem parar com os outros para se certificar de que continua vencendo. Claro, grande parte do tempo estamos tanto provocando em uma área da nossa vida quanto invejando em outra.


Portanto, embora a provocação e a inveja pareçam opostos exatos, são duas formas de orgulho. Como C. S. Lewis bem salientou, humildade não é pensar menos de si mesmo: é pensar em si mesmo cada vez menos. A autoflagelação e a baixa autoestima não são marcas da humildade do evangelho. São apenas uma rejeição do evangelho, tanto quanto o orgulho e a confiança no próprio eu!


Ou seja, tanto o complexo de superioridade quanto o de inferioridade são, na raiz, frutos da insegurança e da inferioridade. Não passam de dois resultados diferentes do nosso desejo de conquistar glória para nós mesmos, de sentir que valemos a pena como pessoas. O versículo 26 está dizendo, basicamente: Não permita que sua fome de honra o leve nem a desprezar nem a invejar as pessoas.


Provocativo ou invejoso?


Ainda que possamos muito bem ter uma mistura das duas posturas, a maioria de nós tende naturalmente ou a provocar ou a invejar, como resultado do nosso orgulho. Como analisar em qual dos dois me enquadro? Perguntando:


Tenho a tendência de me expandir ou de me fechar feito um caramujo?

Tenho a tendência de iniciar discussões com as pessoas ou evito totalmente o confronto?

Tenho a tendência de me dar muito bem com indivíduos e grupos, ou na maioria das vezes fico constrangido e intimidado perto de determinadas classes de pessoas?

Quando criticado, fico muito bravo e crítico e simplesmente revido o ataque? Ou me sinto bastante desencorajado e na defensiva, dou várias desculpas ou desisto da conversa?

Costumo pensar “Nunca, jamais faria o que essa pessoa fez”? Ou costumo olhar para a pessoa e dizer: “Nunca, jamais atingirei o nível de realização dessa pessoa”?


Uma autoimagem baseada no evangelho


O Espírito Santo opera em nós para aplicar o evangelho à nossa autopercepção e visão dos outros. Ele cria uma autoimagem toda nova, que não se baseia em comparações com as demais pessoas.


Só o evangelho faz com que não nos sintamos nem autoconfiantes demais nem inferiorizados, e tão ousados quanto humildes. Isso funciona em relacionamentos com todo mundo. O evangelho é a única coisa que trata do orgulho, da vanglória. A intensidade com que ainda me esforço para garantir funcionalmente meu valor por meio do desempenho (i.e., ainda operando na justificação pelas obras) é a mesma intensidade com que demonstrarei superioridade ou inferioridade. Por quê?


Porque, se sou salvo por minhas obras, posso ou ser confiante, mas não humilde (superior, por ainda sentir que estou "vencendo"), ou humilde, mas não confiante (inferior e invejoso, por sentir que estou perdendo). Separado do evangelho, serei forçado a ser superior ou inferior, ou a oscilar entre uma coisa e outra, ou a ser de um jeito com algumas pessoas e de outro jeito com outras. Estou o tempo todo preso entre esses dois modos de ser devido à natureza de minha autoimagem.


Mas o evangelho cria uma nova autoimagem. Ele me humilha diante de todo o mundo, dizendo-me que sou um pecador salvo só pela graça. Mas também me encoraja diante de todo o mundo, dizendo-me que sou amado e honrado pelos únicos olhos do universo que de fato contam. Portanto, o evangelho me dá uma ousadia e uma humildade capazes de coexistir e de crescer juntas.


Falando em termos práticos, você tem de usar o evangelho pregando-o a si mesmo bem no meio das situações em que esteja tentando agir em novidade de vida. Por exemplo, caso você se posicione sempre na defensiva para com as pessoas, deve usar o evangelho nesse exato momento, dizendo a si mesmo: O que você pensa de mim não é o que importa. A aprovação de Jesus Cristo, não a sua, é minha justiça, minha identidade, meu valor. Caso, porém, perceba que está menosprezando alguém, você precisa se lembrar do evangelho: O que eu penso a meu respeito não importa. Sou só um pecador, tanto quanto essa pessoa, e, como ela, não mereço o amor de Cristo por mim.


Quando nos sentimos orgulhosos — superiores ou inferiores —, precisamos fincar as raízes de nossa glória, de nosso senso de valor naquilo que somos em Cristo e por intermédio dele. Temos de meditar e pedir ao Espírito que nos ajude a aplicar às nossas emoções a verdade de 3.26: “Pois todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus”. Sou um filho de Deus — portanto, posso me sentir seguro — pela fé em Cristo Jesus – portanto, sou humilde.


O orgulho nos relacionamentos


No capítulo 5 de Gálatas, Paulo expôs dois erros, ambos os quais se opõem ao evangelho: perder a liberdade buscando a salvação por meio do cumprimento das regras (moralismo; Gl 5.1-4) e abusar da liberdade pela rejeição absoluta das regras (hedonismo; Gl 5.13).


Quando se trata de relacionamentos, o orgulho do moralista se revela na necessidade que ele tem da aprovação alheia ou de que os outros confiem nele. Ele precisa da aprovação ou da confiança alheia para mostrar que está se saindo suficientemente bem. Mas isso significa que seu papel nos relacionamentos é essencialmente egoísta — os outros existem para validá-lo, para provar-lhe a justiça.


O orgulho hedonista, porém, se mostra na falta de compromisso. Ele precisa dos outros apenas pelo prazer ou satisfação que lhe oferecem; assim que o relacionamento implica maior sacrifício, o hedonista cai fora. Os relacionamentos dele são para servir a si próprio.


Por exemplo, quando o assunto é o relacionamento com os pais, o moralista ou fica tão preocupado em agradá-los que não consegue viver sem pensar neles o tempo todo, ou fica tão bravo com eles por controlarem ou negligenciarem sua vida que não consegue tampouco viver sem pensar neles. Se você é hedonista, isso significa que você não se relaciona com eles em absoluto, exceto quando lhe interessa.


Meus irmãos, o evangelho nos liberta da necessidade moralista de encontrar salvação no fato de agradar ou rejeitar nossos pais; ele nos diz que temos um Pai perfeito. E desafia a recusa do hedonista em pensar nos pais, porque somos obrigados a amá-los.


Vejamos outro exemplo, nos relacionamentos sexuais. O moralista tende a ver o sexo como algo sujo, ou pelo menos como um impulso perigoso, que o tempo todo leva a pecar. A consciência apreensiva do moralista o levará ou a evitar por completo a experiência sexual ou a desenvolver uma necessidade mal direcionada e impetuosa de vivenciá-la. Ambas as possibilidades provêm de um vácuo de glória interior, capaz de fazer do sexo um modo de preencher o vazio.


Já o hedonista enxerga o sexo como mero apetite biológico e físico. É provável que tenha uma relação menos COMPLICADA e problemática com o sexo; no entanto, ele também desiste do profundo anseio do seu coração de se unir pelo sexo com alguém que seja completa, incondicional e permanentemente verdadeiro com ele. Assim, a satisfação profunda sempre lhe será ilusória.


Mas o evangelho nos mostra que o sexo faz parte da boa criação de Deus. E a sexualidade deve refletir o auto sacrifício de Cristo. Ele se entregou por inteiro. Logo, não devemos buscar intimidade sexual para depois retornar ao controle de nossa vida. Se nos entregarmos pelo sexo, devemos nos entregar legal, social e pessoalmente — por inteiro. O sexo só deve acontecer no relacionamento do compromisso absoluto e permanente do casamento. Por meio da transformação de Cristo em nós, esse ideal é algo alcançável, embora nossos casamentos sempre incluam dois pecadores.


Perguntas para reflexão

Você diria que tem a tendência de ser provocativo ou invejoso?

Como seu orgulho se revela em seus relacionamentos?

Como o fato de ter uma autoimagem baseada no evangelho pode mudar sua maneira de ver a si mesmo e aos outros? Quando você mais necessita pregar o evangelho para si próprio?


Ajudando nossos irmãos


"Orgulhar-se" — buscar nossa própria glória nos relacionamentos — quer dizer que, por mais perto que estejamos de alguém, a maneira de tratarmos tal pessoa será sempre marcada pelo egoísmo. O evangelho destrói isso, capacitando-nos a viver como "irmãos" (6.1).


Irmãos (e irmãs) conseguem se encorajar na vida cristã. "Se alguém for surpreendido em alguma falta" (v. 1), a superioridade orgulhosa nos levará a menosprezar essa pessoa, a nos alegrarmos por não sermos como ela e a nos sentirmos justos em nós mesmos. Apontar para o pecado alheio nada mais será que sublinhar como parecemos bons em comparação. A inferioridade orgulhosa fará ou que invejemos a vida que o outro está levando, por mais pecaminosa que seja, ou a ansiar tanto por sua aprovação que não correremos nem o risco de apontar para o seu fracasso em viver em conformidade com o evangelho.


Assista o Sermão completo no Youtube:










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