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Foto do escritorChristian Lo Iacono

A Maturidade na Comunhão dos Irmãos (parte I)

Portanto, deixemos de julgar uns aos outros. Pelo contrário, tomem a decisão de não pôr tropeço ou escândalo diante do irmão.

Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus, de que nada é impuro em si mesmo, a não ser para aquele que pensa que alguma coisa é impura; para esse é impura.

Se o seu irmão fica triste por causa do que você come, você já não anda segundo o amor. Não faça perecer, por causa daquilo que você come, aquele por quem Cristo morreu.

Não seja, pois, difamado aquilo que vocês consideram bom.

Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

Aquele que deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelas pessoas.

Assim, pois, sigamos as coisas que contribuem para a paz e também as que são para a edificação mútua.

Não destrua a obra de Deus por causa da comida. Todas as coisas, na verdade, são puras, mas não é bom quando alguém come algo que causa escândalo.

É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa que leve um irmão a tropeçar.

A fé que você tem, guarde-a para você mesmo diante de Deus. Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova.

Mas aquele que tem dúvidas é condenado se comer, pois o que ele faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado.



Introdução


Quatro verdades teológicas justificaram a admoestação de Paulo nos versículos 1 a 12 de Romanos 14 com respeito aos “fracos”, a fim de que não sejam desprezados nem condenados (14.13). Primeiro, Deus os acolheu (14.3); segundo, Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor, tanto deles como dos “fortes” (14.9); terceiro, eles são nossos irmãos e irmãs e, portanto, nós somos membros da mesma família (14.10a); e quarto, todos nós compareceremos diante do Tribunal de Deus (14.10b). Qualquer uma dessas verdades já deveria ser o suficiente para santificar nossos relacionamentos; juntas, as quatro nos deixam sem desculpa alguma. Mas ainda há duas verdades teológicas importantes a serem apresentadas por Paulo.


v. 13

A ênfase dessa seção está na responsabilidade do “forte” para com o “fraco”. Já vimos nesse capítulo 14 que os fracos seriam, em sua maioria, crentes judeus, cuja “fraqueza” consistiria no fato de permanecerem, de sã consciência, comprometidos com as regras judaicas concernentes a dietas e dias religiosos. Quanto à dieta, eles continuavam observando as normas alimentares do AT, comendo apenas coisas “limpas” (14.14, 20). Além disso, ou se certificavam de que a carne a ser consumida obedecia às exigências do ritual judaico (isto é, que os animais tivessem sido mortos da maneira prescrita) ou, dada a dificuldade de garantir isso, simplesmente optavam por abster-se completamente de comer carne. Quanto aos dias especiais, observavam tanto o sábado como os festivais judaicos.


A argumentação de Paulo no versículo 13 vai de como os “fortes” deveriam considerar os “fracos” até como eles deveriam tratá-los, isto é, vai das atitudes (não desprezar ou condenar) para as ações (não levar a tropeçar nem destruir). Em vez de julgar os outros, v. 13: “tomem a decisão de não pôr tropeço ou escândalo diante do irmão”. No original grego aqui há um jogo de palavras que contém um duplo uso do verbo krinein, “julgar”. O que devemos fazer em termos de juízo ou “decisão” é evitar colocar empecilhos (proskomma) ou escândalo (skandalon) no caminho de nosso irmão, levando-o, assim, a tropeçar e cair. Mas por quê? Paulo apresenta dois fundamentos teológicos para essa exortação, além das quatro verdades já desenvolvidas:


1. Acolha-o porque ele é seu irmão por quem Cristo morreu (vv. 14-16). Antes de desenvolver o argumento segundo o qual ninguém deve prejudicar a irmã ou o irmão mais fraco, Paulo, porém, explica em termos bem pessoais o dilema enfrentado pelos fortes. Ele é causado por duas verdades que conflitam. Primeiro, v. 14a: “eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus – igual a todos os cristãos fortes quando têm uma boa doutrina da criação (1Tm 4.1s.) –, de que nada é impuro em si mesmo”. Quando Paulo se refere ao Senhor Jesus, isso provavelmente não quer dizer que ele esteja citando a Jesus, embora seja verdade que ele tem pleno conhecimento da controvérsia de Jesus com os fariseus acerca do que é puro e o que é impuro (Mc 7.14-23**), bem como da palavra que o Senhor ressurreto disse a Pedro, exortando-o a não chamar de impuro aquilo que Deus purificou (At 10.15, 28). A referência parece ser mais geral. Paulo está afirmando que ele vive em união íntima e pessoal com Cristo como discípulo seu e especialmente como seu apóstolo. Qualquer que seja a forma como ele chegou a essa convicção, o fato é que ela se resume na certeza de que nenhum alimento é em si mesmo impuro. 14b: “A não ser” – e esta é a segunda parte do dilema – “para aquele que pensa que alguma coisa é impura [porque a sua consciência assim o diz]; para esse é impura”, por isso é melhor ele não comer. É evidente que o versículo 14 é uma alusão a questões cerimoniais ou culturais (não morais), pois Paulo deixa bem explícito que alguns dos nossos pensamentos, palavras e ações são intrinsicamente maus.


O paradoxo é que certos alimentos são, ao mesmo tempo, puros e impuros. Por um lado, os fortes estão convictos de que todos os alimentos são puros. Por outro lado, os fracos têm plena convicção de que estes não o são. Como é que os fortes devem agir quando duas consciências entram em colisão? A resposta de Paulo é ambígua. Embora os fortes estejam certos (e ele compartilha dessa sua convicção, já que o Senhor a endossou), eles não podem atropelar os escrúpulos dos fracos, impondo-lhes seu ponto de vista. Pelo contrário, em deferência à consciência do irmão mais fraco (mesmo que esteja equivocada), devem condescender e não violentá-la ou levá-lo a violar a própria consciência. E esta é a razão, v. 15a: “Se o seu irmão fica triste por causa do que você come – não apenas porque ele o vê fazendo alguma coisa que ele desaprova, mas porque é induzido a seguir o seu exemplo contra a sua própria consciência –, você já não anda segundo o amor”. Porque o amor nunca desconsidera as consciências fracas! O amor limita sua própria liberdade a partir do respeito por elas (1Co 8.9-13*). Pois ferir a consciência de um irmão mais fraco é mais do que entristecê-lo: é destruí-lo; e isso é totalmente incompatível com o amor. V. 15b: “Não faça perecer, por causa daquilo que você come, aquele por quem Cristo morreu”.


Já por duas vezes Paulo referiu-se ao cristão mais fraco como “irmão” (v. 10); agora ele repete o termo mais quatro vezes (v. 13, 15, 21), e adiciona a comovente descrição “por quem Cristo morreu” (v. 15b). Se Cristo o amou a ponto de morrer por ele, por que não podemos amá-lo o suficiente para controlar-nos, evitando magoar a sua consciência? Se Cristo se sacrificou por seu bem-estar, que direito nós temos de prejudicá-los? Se Cristo morreu para salvá-lo, não nos importa se vamos fazê-lo perecer?


Mas em que tipo de “perecimento” Paulo está pensando? Apollymi tem um amplo espectro de sentidos, que vão desde “matar” até “estragar”. Aqui o contrário de “destruir” é “edificar” (v. 19s.; 15.2). A advertência de Paulo, portanto, é que os fortes que desencaminham os fracos, levando-os a contrariarem a própria consciência, estarão danificando seriamente o discipulado cristão destes. Ele insta com os fortes para que não causem tal prejuízo aos fracos. V. 16: “Não seja, pois, difamado aquilo que vocês consideram bom – isto é, a liberdade que encontraram em Cristo”. “Não deem motivo para os outros falarem mal daquilo que vocês acham bom” (NTLH). John Stott: “Não fiquem se exibindo por aí em detrimento dos fracos”.


2. Acolha-o porque o reino de Deus é mais importante do que comida (vv. 17-21). Se a primeira verdade teológica que suporta o apelo de Paulo para que os fortes se controlem é a cruz de Cristo, a segunda é o reino de Deus, isto é, o domínio gracioso de Deus através de Cristo e pelo Espírito na vida do seu povo, proporcionando-lhes uma livre salvação e levando-os a uma vida de obediência. Embora no ensino de Paulo o reino de Deus não seja uma doutrina tão explícita como foi nos ensinos de Jesus, ele ocupa um lugar destacado (At 14.22; 17.7; 19.8; 20.25; 28.23, 31; 1Co 6.10; Ef 5.5; Cl 1.13). O que Paulo argumenta agora é que, sempre que o forte insiste em usar a sua liberdade para comer o que quiser, nem que seja às expensas do bem-estar do fraco, ele está incorrendo em uma falha muito grave de desproporção. Ele está superestimando a importância da comida (coisa que é trivial) e subestimando a importância do Reino (que é central). V. 17: “Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”.


Às vezes se pensa que justiça, paz e alegria inspiradas pelo Espírito são condições subjetivas para que se seja justo, pacífico e alegre. Entretanto, no contexto mais amplo de Romanos, é mais natural tomá-las como estados objetivos; elas se expressam em justificação através de Cristo, paz com Deus e em alegrar-se na esperança da glória de Deus (Rm 5.1s.), coisas das quais o próprio Espírito Santo é o penhor e as primícias (8. 23). E a razão para a maior significância do reino é que, conforme o v. 18, “aquele que deste modo serve a Cristo – que busca primeiro o Reino de Deus (Mt 6.33), reconhecendo que comida e bebida são questões secundárias – é agradável a Deus e aprovado pelas pessoas”.


Os versículos 19 a 21 repetem, reforçam e aplicam o mesmo ensino com respeito a proporção ou equilíbrio. Eles contêm três exortações. A primeira é (v. 19): “assim, pois, sigamos as coisas que contribuem para a paz e também as que são para a edificação mútua”. “Paz” aqui parece ser o “shalom” que se experimenta no seio da comunidade cristã, enquanto que “edificação” seria edificar um ou outro em Cristo. É esse o alvo positivo que todos deveriam buscar e que os fortes estavam negligenciando ao tratarem com insensibilidade os fracos.


A segunda é (v. 20a): “Não destrua a obra de Deus por causa da comida”. “A obra de Deus” poderia ser uma alusão ao irmão mais fraco como indivíduo, mas no contexto parece referir-se à comunidade cristã. “Destruir” parte de um verbo diferente daquele que Paulo usou no versículo 15. Katalyo significa “rasgar” ou “demolir”, principalmente em se tratando de construções. Parece ser usado deliberadamente para contrastar com o versículo anterior. A responsabilidade que nos cabe é procurar edificar a comunhão (v. 19), não destrui-la (v. 20). E, em especial, não se deve destrui-la por causa de comida. Paulo já apelou três vezes para uma leve ironia a fim de demonstrar o descabimento de se valorizar a comida mais do que a paz, o nosso estômago acima da saúde da comunidade; esta é a quarta. Você, que é forte, será que está mesmo disposto a entristecer um irmão “por causa do que você come” (v. 15a), prejudicá-lo espiritualmente (v. 15b), dar mais valor ao seu “comer e beber” (v. 17) do que ao reino de Deus e, finalmente, conforme o versículo 20, pronto a demolir ou “destruir a obra de Deus por causa da comida” (1Co 8.8)? É bem provável que quando leram esta carta de Paulo na assembleia tenham aparecido algumas faces ruborizadas entre os fortes da comunidade. Eles teriam de reavaliar seus valores, desistir de teimar em usar da liberdade que tinham às custas do bem-estar dos outros, e colocar a cruz e o Reino em primeiro lugar.


A terceira exortação de Paulo expressa um contraste entre dois tipos de comportamento que ele declara serem respectivamente “errado” e “certo”, kakos (v. 20b) e kalos (v. 21). V. 20b: “Todas as coisas, na verdade, são puras” – uma verdade já afirmada no versículo 14 e repetida aqui, só que agora o adjetivo é katharos (“puro”) e não koinos (“comum”); “mas não é bom (kakos) quando alguém come algo que causa escândalo”. Sendo assim (v. 21), “é bom (kalos) não comer carne, nem beber vinho (que aqui se menciona pela primeira vez), nem fazer qualquer outra coisa que leve um irmão a tropeçar”. Pelo visto, a afirmação de que “todo alimento é puro” é a bandeira dos fortes. E Paulo até concorda com eles. Foi essa a verdade teológica que lhes deu a liberdade de comer qualquer coisa que lhes agradasse. Mas havia outros fatores a considerar, segundo os quais eles teriam de limitar o exercício de sua liberdade. Havia principalmente o irmão mais fraco ou a irmã mais fraca, de consciência hipersensível e cheio de escrúpulos, que estava convencido de que nem todos os alimentos eram puros. Assim, seria errado da parte dos fortes usarem a sua liberdade para prejudicar os fracos. Por outro lado, seria melhor que eles não comessem carne alguma nem bebessem vinho algum e se tornassem vegetarianos e completos abstêmios, partindo para qualquer outro extremo em termos de renúncia, se isso fosse necessário para beneficiar os fracos.


Paulo conclui (vv. 22-23) esboçando uma distinção entre o crer e o agir, isto é, entre a convicção pessoal e a conduta pública. Assim, v. 22a: “a fé que você tem, guarde-a para você”, ou seja, “seja qual for o seu modo de crer a respeito dessas coisas, quer você seja forte e creia que pode comer qualquer coisa, ou seja fraco e ache que não pode comer, que isso permaneça entre você e Deus”. Não há necessidade alguma de exibir seus pontos de vista ou de impô-los a outras pessoas. O cristão forte é abençoado porque sua consciência aprova o comer de tudo, de maneira que ele é livre para seguir a sua consciência sem qualquer sentimento de culpa. V. 22b: “Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova”. V. 23: “Mas aquele que tem dúvida – isto é, o cristão fraco que vive atormentado e apreensivo diante dos sinais vacilantes de sua consciência – é condenado se comer (por sua consciência, e não por Deus), pois o que ele faz não provêm de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado”. Embora nossa consciência não seja infalível, no entanto ela é sacrossanta, de forma que ir contra ela (agir não por fé) é pecar. NEB: “Porque a sua ação não provém da sua convicção”. Nesse sentido, Paulo escreve aos coríntios: “A mim pouco importa ser julgado por vocês ou por um tribunal humano; nem eu julgo a mim mesmo. Porque a consciência não me acusa de nada. Mas nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga é o Senhor” (1Co 4.3-4).


Portanto, para Paulo, um cristão podia, em muitos aspectos, ter uma fé fraca, imatura e carente de instrução. Mas ele devia ser bem recebido pelo mais forte, com acolhida calorosa, e não ser logo desafiado a debater questões sobre aquelas áreas da vida em que ele não era emancipado ainda. Um cristão não deve julgar o outro nesse sentido. “Não deve o ser humano pôr a mão na boca antes de criticar os seus irmãos? Quando lançamos julgamentos apressados, mal informados, sem amor e generosidade, por certo esquecemos que, se falamos mal dos outros, ao mesmo tempo falamos mal do Senhor cujo nome eles levam” (H. St. John).


Segundo Lutero, “o cristão é o mais livre senhor de todos, não sujeito a ninguém. O cristão é o mais dócil servo de todos, sujeito a todos”. Paulo também escreveu: “Sendo livre de todos, fiz-me escrevo de todos, a fim de ganhar o maior número possível” (1Co 9.19). Com toda a emancipação de Paulo, ele estava pronto para restringir a sua liberdade sem limites se seu irmão mais fraco recebesse alguma ajuda com isso. A comida é um meio para um fim, não um fim em si mesma. Seria uma pena fazer atrofiar-se uma alma em crescimento, atrofiar-se o desenvolvimento da obra de Deus, por uma coisa tão sem importância como um tipo particular de comida. Não é de comida e bebida que o reino de Deus se ocupa, mas de justiça, paz e alegria no Espírito. É bom ser forte na fé; é bom ser emancipado de consciência. Mas os cristãos não são indivíduos isolados, cada qual vivendo para si; são membros de uma comunidade, e é responsabilidade de todos – mormente dos membros mais fortes e mais maduros – promover o bem-estar da comunidade.


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