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Foto do escritorChristian Lo Iacono

A Questão do Adultério

— Vocês ouviram o que foi dito: "Não cometa adultério."

Eu, porém, lhes digo: todo o que olhar para uma mulher com intenção impura, já cometeu adultério com ela no seu coração.

— Se o seu olhodireito leva você a tropeçar, arranque-o e jogue-o fora. Pois é preferível você perder uma parte do seu corpo do que ter o corpo inteiro lançado no inferno.

E, se a sua mãodireita leva você a tropeçar, corte-a e jogue-a fora. Pois é preferível você perder uma parte do seu corpo do que o corpo inteiro ir para o inferno.

— Também foi dito: "Aquele que repudiar a sua mulher deve dar-lhe uma carta de divórcio."

Eu, porém, lhes digo: quem repudiar a sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a se tornar adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério.



Os contemporâneos de Jesus tinham ouvido o que fora dito: “Não cometa adultério”. Trata-se, claro, de uma referência ao sétimo mandamento (Êx 20.14). Nossa sociedade afastou-se muito dessa regra. Muitos pensadores modernos inclusive defendem a legitimidade do adultério – se houver “amor”. Até o cristianismo é invocado para santificar esse ponto de vista. Afinal de contas, dizem eles, o ponto central do evangelho não é o amor? De fato, como veremos, essa leitura distorce a perspectiva bíblica tanto do amor quanto do casamento. “Na religião, que erro pode ser abominável se alguma fronte austera o defende e aprova com a citação de um texto encobrindo com bonito fraseado a deformidade?” (O mercador de Veneza, ato II, cena 2).


Enquanto nossa sociedade se afasta do sétimo mandamento, Jesus caminha em outra direção. Ele não se contenta com o mero cumprimento formal do mandamento, nem o está interpretando com rigor. Em vez disso, com sua própria autoridade, ele está ressaltando a pureza para a qual a lei aponta: “Eu, porém, lhes digo: todo o que olhar para uma mulher com intenção impura, já cometeu adultério com ela no seu coração” (v. 28). De fato, ao colocar na concupiscência o rótulo de adultério, Jesus aprofundou o sétimo mandamento em relação ao décimo, que proíbe a cobiça.


A questão não é proibir a atração normal que existe entre homem e mulher, mas a cobiça, ou lascívia, com raízes profundas que consome e devora, ataca e viola o pensamento, que contempla mentalmente e comete o adultério. Se nossa sociedade está minimizando a proibição do adultério, em grau muito maior está alimentando nossa luxúria. A publicidade vende produtos usando o apelo do sexo. As livrarias enchem as prateleiras com tudo o que é obsceno e pervertido. A ampla maioria das canções populares realça as relações homem/mulher, em geral com referência à satisfação sexual, ao desejo físico, à infidelidade e coisas semelhantes. A essa sociedade, Jesus transmite sua mensagem contundente: “todo o que olhar para uma mulher com intenção impura, já cometeu adultério com ela no seu coração”.


De acordo com o texto, quem de nós não é culpado de adultério? Sinceridade diante de Deus nesse assunto pode produzir em nós a pobreza de espírito que nossos triunfos jamais trarão. Essa sinceridade pode nos fazer chorar junto com o autor do hino: “Uma coisa eu do Senhor almejo – pois todo o meu caminhar tem sido de trevas – seja por terremoto, vento ou fogo, Senhor, purifica-me. Senhor, purifica-me!” (Walter Chalmers Smith – 1824-1908). Precisamos da atitude mencionada por Jesus em 5.29-30: “— Se o seu olho direito leva você a tropeçar, arranque-o e jogue-o fora. Pois é preferível você perder uma parte do seu corpo do que ter o corpo inteiro lançado no inferno. 30 E, se a sua mão direita leva você a tropeçar, corte-a e jogue-a fora. Pois é preferível você perder uma parte do seu corpo do que o corpo inteiro ir para o inferno.


Alguns interpretam essas palavras literalmente. Orígenes (c. 195-254) castrou-se para não ser tentado. Ora, essa atitude erra o alvo do argumento de Jesus e o caráter absoluto da pregação dele que acabamos de observar, pois, se eu arranco meu olho direito porque ele olhou e cobiçou, meu olho esquerdo não pode fazer o mesmo? E, se eu me cegar, será que não posso cobiçar da mesma maneira e contemplar mentalmente coisas proibidas?


O que Jesus quer dizer, então? Temos de lidar com o pecado radicalmente. Não devemos acariciá-lo, flertar com ele nem fazer concessões de vez em quando. Temos de odiar o pecado, esmagá-lo, extirpá-lo. “Portanto, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena: imoralidade sexual, impureza, paixões, maus desejos e a avareza, que é idolatria; 6 por causa destas coisas é que vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. 7 Vocês também andaram nessas mesmas coisas, no passado, quando viviam nelas. 8 Agora, porém, abandonem igualmente todas estas coisas: ira, indignação, maldade, blasfêmia, linguagem obscena no falar” (Cl 3.5-8). Ora, Jesus ameaça com o inferno todos aqueles que não lidam com o pecado seriamente.


Vejamos o que Paulo escreveu aos tessalonicenses: “Pois a vontade de Deus é a santificação de vocês: que se abstenham da imoralidade sexual; 4 que cada um de vocês saiba controlar o seu próprio corpo em santificação e honra, 5 não com desejos imorais, como os gentios que não conhecem a Deus. 6 E que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude o seu irmão. Porque, contra todas estas coisas, como antes já avisamos e testificamos, o Senhor é o vingador. 7 Pois Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação. 8 Portanto, quem rejeita estas coisas não rejeita uma pessoa, mas rejeita Deus, que também dá o seu Espírito Santo a vocês” (1Ts 4.3-8). Aqui, inclusive, temos um alerta para os jovens cristãos quanto às relações que eles estabelecem entre si. Deixar de viver em pureza e de praticar a disciplina cristã, o cuidado, a prudência, o controle, subestimando, assim, o pecado, certamente levará à queda ali na frente. É comum o jovem ser presunçoso, confiante em si mesmo, e avesso a regras, limites e horários. Geralmente esses são os primeiros a tropeçar. “A pessoa sensata vê o perigo e se esconde; mas a insensata vai em frente e acaba mal” (Pv 22.3, NTLH). O problema é que além de pecarem, eles acabam carregando consigo a outros para esse lugar de morte, defraudando seus irmãos (“que ninguém prejudique o seu irmão, nem desrespeite os seus direitos!”, NTLH). Nesse sentido, nenhum pecado é do âmbito privado. Todo pecado é um pecado contra Cristo e contra o seu corpo, que é a igreja. Depois que o dano é causado, só resta chorar e lamentar. A advertência aqui é para que sejamos prudentes agora, fugindo de toda aparência do mal: “evitem todo tipo de mal” (1Ts 5.22, NTLH).


Nossa geração tem uma atitude condescendente em relação ao pecado. O pecado na nossa sociedade é visto mais como anormalidade ou doença. Precisa de tratamento, não de condenação ou arrependimento; e não deve ser reprimido, porque isso pode causar dano psicológico. Sabemos muito bem como o pecado seduz, envolve e produz vítimas patéticas, mas as vítimas não são sujeitos passivos. No ensino de Jesus, o pecado leva para o inferno, e esse é o principal motivo aqui porque ele deve ser levado a sério.


Além disso, a discussão sobre adultério e pureza leva naturalmente à questão do divórcio. Os judeus da época de Jesus tinham ouvido que o homem que quisesse se divorciar de sua mulher tinha de lhe dar um documento de divórcio. Na verdade, o que eles tinham ouvido não era totalmente verdadeiro. A passagem do AT a que se recorria era Dt 24.1-4. A essência dessa passagem é: se um homem descobre alguma impureza em sua mulher e se divorcia dela, dando-lhe um documento de divórcio, e ela depois se casa com outro homem que também acaba se divorciando dela, então o primeiro marido não pode se casar de novo com ela.


Na época de Jesus, esse princípio havia sido posto de lado com o intuito de concentrar a atenção na “impureza” que tornaria legítimo o primeiro divórcio. A expressão empregada nesse caso para “impureza” só é usada mais uma vez no AT. Não está claro a que impureza sexual Dt 24.1 se refere. De qualquer forma, trata-se, mesmo na perspectiva mosaica, de algo excepcional. Nos dias de Jesus, porém, alguns até ensinavam que a causa do divórcio podia ser alguma imperfeição da esposa de caráter absolutamente trivial, como servir ao marido comida acidentalmente queimada.


Jesus, porém, não permite sofismas. Aqui, assim como em Mateus 19, ele volta aos primeiros princípios. No começo, Deus fez um homem e uma mulher, e eles foram unidos. Inicialmente, todo divórcio era inconcebível; quando Deus criou homens e mulheres, não deu nenhuma permissão para isso. O Criador disse: “Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne”. Jesus acrescenta: “Assim, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe” (Mt 19.5-6). Deus, de fato, odeia o divórcio (Ml 2.16). Dentro dessa estrutura, portanto, é óbvio que, se Moisés permitiu o divórcio por alguma impureza repulsiva, isso foi uma exceção que tem sua origem no coração duro e pecaminoso do ser humano.


Em Mateus 5.31-32, Jesus esclarece as ideias erradas e mostra para qual direção o AT aponta. Qualquer um que se divorcie de sua mulher está errado, porque está fazendo com que ela cometa adultério caso venha a se casar com outro, já que o primeiro vínculo não está rompido. Segue-se, portanto, que o homem que se casa com uma divorciada também está cometendo adultério. Diante de Deus, ele está de fato se casando com a mulher de outro homem (5.32). A única exceção que Jesus faz é a “fornicação”. Cristãos de diferentes vertentes têm dito que essa palavra se refere a todo tipo de pecados específicos; mas, até onde sabemos, esse é um termo inclusivo que se refere a toda irregularidade sexual. Para um casal casado, envolve infidelidade sexual. Mesmo nesse caso, o homem não é obrigado a se divorciar de sua mulher, mas teria permissão de fazê-lo como uma concessão. A mesma condição de exclusão aparece em Mateus 19 e se refere tanto ao divórcio quanto ao novo casamento (v. 9).


Isso não é tudo o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto, e precisamos ter muito cuidado ao juntar todos os pedaços. Aliás, esse assunto precisa ser visto caso a caso, e pastoralmente, de acordo com os princípios do evangelho de Cristo. No entanto, o cerne da questão aqui é que nossa geração precisa ser confrontada com tais exigências. Antigamente, o divórcio era um problema raramente encontrado nos círculos evangélicos. Para nossa vergonha isso mudou. Nossa sociedade, incluindo muitos cristãos professos, rejeitou o conceito bíblico de amor e casamento. O amor passou a ser uma mistura de desejo físico e sentimentalismo vago; o casamento tornou-se uma união sexual provisória que dura até o momento em que esse amor nanico acaba.


Como é diferente a perspectiva bíblica! Na Palavra de Deus, casamento e amor são para os fortes. Casamento é compromisso, e, em vez de roerem a corda quando as coisas ficam difíceis, os cônjuges devem resolver seus problemas à luz das Escrituras. Devem persistir, esforçando-se para melhorar o relacionamento, exatamente porque prometeram, diante de Deus e dos seres humanos, viver juntos e amar um ao outro na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separe. Amor é o compromisso determinado de procurar o bem do outro, tratar com carinho, proteger, cuidar, edificar e ser paciente. Esse compromisso, posto em prática por causa da profunda obediência Deus, também traz consigo os aspectos emocionais e sentimentais do amor.


Jesus pressupõe esse conceito elevado de casamento quando, com apenas uma exceção, proíbe terminantemente o divórcio. E é esse conceito elevado do casamento que sublinha as palavras incisivas de Jesus a respeito da cobiça (5.27-30) e dá unidade a esse bloco temático (5.27-32). Casamento não é algo sujo, e sexo não é imundície. Os dois são maravilhosos dons do Criador, mas são prostituídos pela luxúria e desonrados pelo divórcio. A Lei e os Profetas, pela autoridade do próprio Jesus, indicam a necessidade de absoluta pureza, que não deve ser trivializada por sofismas que buscam excluí-la. Que Deus tenha misericórdia de nós!


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