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Foto do escritorChristian Lo Iacono

A unidade do Espírito na diversidade dos dons

Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo.

E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo.

E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.

A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando um fim proveitoso.

Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento.

A um é dada, no mesmo Espírito, a fé; a outro, no mesmo Espírito, dons de curar;

a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos. A um é dada a variedade de línguas e a outro, capacidade para interpretá-las.

Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas essas coisas, distribuindo-as a cada um, individualmente, conforme ele quer.

Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, constituem um só corpo, assim também é com respeito a Cristo.

Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.

Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.


Paulo refere que a diversidade que existe na igreja cristã tem seus raízes no Deus triúno (vv. 4-6), cujas diversas atividades são expressas por meio de três diferentes substantivos verbais: a diversidades dos dons (charismata) é atribuída ao mesmo Espírito (pneuma; v. 4); a diversidade dos serviços (diakoniai), ao mesmo Senhor (kyrios; v. 5); e a diversidade de realizações (energemata), ao mesmo Deus (theos; v. 6). Deus, por sua vez, concedeu, pelo Espírito, diversas manifestações a pessoas diferentes para o bem comum da comunidade (v. 7). Essa ideia é ilustrada nos vv. 8-10, ao passo que o v. 11 conclui reforçando os temas anteriores. vv. 4-6 Esses versículos destacam o tema da diversidade e caracterizam a atividade de cada uma das pessoas da Trindade. A repetição de “mesmo” para cada pessoa divina parece enfatizar que o único Espírito/Senhor/Deus se manifesta em uma grande variedade de dons e ministérios. Assim, a unidade de Deus não implica uniformidade de dons; em vez disso, o único e incomparável Deus é responsável pela variedade em si. Provavelmente, não se deva dar importância demasiada ao fato de diferentes palavras serem usadas para descrever as atividades individuais das pessoas divinas: “dons”, “ministérios” ou “serviços”, “realizações” (Bruce). O mais provável é que sejam simplesmente três maneiras diferentes de olhar para aquilo que Paulo chama de “manifestação” do Espírito “para o bem comum” (v. 7). Isso é respaldado pelo fato de que tanto “dons” quanto “realizações” voltam a ocorrer na própria lista dos vv. 9-10 (“dons de curar” e “operações de milagres”). Além disso, “Deus” e “um só e o mesmo Espírito” são sujeitos do mesmo verbo (“realizar”) no final de cada respectivo parágrafo (vv. 6 e 11). De todo modo, é provável que a palavra charisma seja demasiadamente limitada para abranger a grande variedade de atividades divinas mencionadas nesse argumento. Apóstolos e profetas, por exemplo, seriam mais bem descritos como “ministérios”, ao passo que “profecia” em si é um charisma. Mas todas essas distinções são de nosso interesse, e não de Paulo, para quem a ênfase recai simultaneamente na grande variedade e na origem divina dos dons. Ao mesmo tempo, no entanto, é provável que os três substantivos – dons, serviços e realizações – reflitam aquilo que para Paulo seria um aspecto básico das três pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito. Assim, ainda que em outras passagens a palavra charisma não seja costumeiramente associada ao Espírito (na maioria das vezes é a Deus – 1Co 1.5-7; 7.7; Rm 6.23; 11.29; 2Tm 1.6), a intenção central aqui é com o Espírito e com as maneiras pelas quais o Espírito está “operando” no povo de Deus e entre ele. Da mesma forma, a correlação de “os tipos de serviço” (ou “ministérios”) com “o mesmo Senhor” é apropriada, visto que esse grupo de palavras é usado por todo o NT para descrever o “ministério” de servo tanto de Cristo quanto de seus “ministros”. A tríade chega ao clímax com a frase sobre Deus Pai. É provável que com o substantivo Paulo não tenha em mente tanto os “dons” ou “manifestações” individuais, mas o fato de que todas as coisas feitas na igreja são produto da poderosa operação de Deus (v. 6b). Com essa frase final, Paulo faz com que a atenção seja redirecionada das declarações sobre Deus para as diversas maneiras, e as muitas e diferentes pessoas, que Deus usa para ministrar na igreja, o que será exposto nos vv. 7-11. Há quem diga que a fórmula trinitária aqui – o mais antigo desses textos no NT – é mais impressionante porque parece natural, e não intencional (Barret). Mas o interesse de Paulo não está na unidade das pessoas da divindade, embora passagens como essas são a matéria-prima a partir da qual corretamente se desenvolvem as construções teológicas posteriores. v. 7 Paulo passa a expor como a diversidade da divindade funciona na vida da igreja, fato que ele ilustrará nos vv. 8-10. “Cada um” é a maneira de Paulo destacar a diversidade. Com isso, ele não pretende enfatizar que cada uma das pessoas da comunidade tem seu próprio dom, mas os muitos que constituem a comunidade com um todo. Em segundo lugar, o que “cada um” recebe não é um “dom”, mas uma “manifestação do Espírito”. Ou seja, a ênfase está sobre o Espírito divino, e não sobre os “dons” em si. Sua urgência não é que cada crente tem um dom, mas que o Espírito se manifesta em uma grande variedade de formas: a cada um é dada a manifestação do Espírito. “Visando um fim proveitoso” (1Co 6.12; 7.35; 10.23, 33): os diferentes tipos de dons são para a edificação da comunidade como um todo, e não primeiramente para o benefício do crente enquanto indivíduo por meio de quem o charisma se expressa (embora 14.4), o que lamentavelmente e com demasiada frequência se torna a ênfase ou o interesse de uma época posterior. Agora, Paulo começa a ilustrar a sua tese nos vv. 8-10 (não abordaremos agora). v. 11 A diversidade é o produto de um único Deus, que, pelo Espírito, “realiza” (mesmo verbo do “opera” no v. 6) “todas essas coisas”, uma referência à lista de manifestações acima. “Distribuindo-as a cada um” indica a variedade e a operação ativa do Espírito na repartição dessas muitas manifestações. A novidade é: “conforme ele quer”. A ênfase não está tanto na decisão de agir, mas na soberania do Espírito na distribuição dos dons ou talvez na manifestação divina em si. Os dons, ainda que sejam dados a cada pessoa, são expressões da ação soberana do Espírito na vida do crente e da comunidade como um todo. O crente não tem um poder próprio (Conzelmann). Essa é a versão paulina de “o vento sopra onde quer” (Jo 3.8). Assim, do início ao fim, a ênfase única do parágrafo está na grande diversidade de dons que o único Deus distribui/manifesta por meio do único Espírito para o bem da comunidade cristã. O que se diz aqui não deixa imediatamente clara a razão de tal ênfase; mas, antes que Paulo termine, os coríntios não deverão ter nenhuma dúvida sobre a intenção de Paulo e a natureza corretiva do seu argumento. Com exceção do movimento pentecostal tradicional, a igreja em geral demonstrou pouquíssimo interesse nesse parágrafo até a eclosão, no final da década de 1950, de alguns fenômenos tanto na Igreja Católica Romana quanto em círculos protestantes tradicionais. Isso resultou em um volume considerável de livros e artigos, tanto acadêmicos quanto populares, sobre os dons enumerados nos vv. 8-10. A maioria desses textos pressupunha que esses dons estavam disponíveis a cristãos de todas as épocas da igreja. Embora alguns não vissem os fenômenos com bons olhos, a maioria era moderadamente cautelosa, sugerindo uma abertura àquilo que o Espírito poderia fazer, mas geralmente também apresentando corretivos ou diretrizes. No entanto, também houve uma enxurrada de textos que tinham o objetivo urgente e específico de restringir esses dons à igreja do primeiro século. É apropriado dizer a respeito da maioria desses textos que seus autores encontraram o que procuravam e, com isso, continuaram a rejeitar tais manifestações na igreja. Também pode-se dizer com justiça que tal rejeição não têm base exegética, mas em todos os casos é resultado de um prévio compromisso hermenêutico e teológico (Gordon Fee). Talvez a maior tragédia para a igreja seja que em sua existência ininterrupta ela tenha perdido esse tipo de contato com o Espírito de Deus, de modo que se conformou com o que é trivial e, com isso, sentiu a necessidade premente de se justificar dessa maneira. É claro que a esperança se encontra naquilo que é dito no final, a saber, que o “um só e o mesmo Espírito” fará conforme lhe agrada, apesar das cercas protetoras criadas por aqueles em ambos os lados dessa questão. Introdução vv. 12-14 Para ressaltar o que Paulo apresentou anteriormente – ou seja, a necessidade de diversidade na unidade em contraste com a uniformidade (vv. 4-6) –, Paulo adota aqui uma analogia comum na Antiguidade. É preciso ter cuidado com a interpretação de analogias, pois elas não devem ser entendidas e aplicadas de forma livre. É importante considerar o que Paulo podia ter em mente quando lidava com os problemas de seus destinatários e, para tanto, como ele usava analogias. Nesse trecho inicial, o apóstolo vai ressaltar que o corpo é um só, mas tem muitas partes. Ou seja, o debate sobre Paulo aqui estar se referindo, ou não, a alguma verdade mística acerca da igreja como um organismo vivo é irrelevante, porque ele não está tratando dessa metáfora da natureza da igreja em si, mas da necessidade dela experimentar sua correta diversidade na unidade. É claro que isso vai contra a grande maioria dos intérpretes católico romanos. v. 12 O “porque” visa oferecer aqui mais explicações sobre uma ideia que já foi apresentada. A ilustração é da igreja como “corpo de Cristo”, utilizada pela primeira vez no contexto da Ceia do Senhor (10.17; 11.29). Sendo uma ilustração comum no mundo antigo (ex. Josefo, estoicos), era muito provável que fosse bem conhecida dos coríntios. Na primeira ocorrência (10.17), Paulo queria passar a ideia de que os muitos são um único corpo, com base no fato de os muitos deles comerem do pão único à mesa do Senhor. Na passagem que estamos trabalhando, a ênfase passa a ser os muitos que compõem o corpo único: o corpo é um só, embora tenha muitos membros. O erro coríntio era pensar que a uniformidade tinha valor ou que representava espiritualidade verdadeira. A preocupação de Paulo é com a unidade deles; mas não existe algo como unidade verdadeira sem a pressuposição da diversidade. Ao dizer “assim também é com respeito a Cristo”, Paulo está provavelmente usando metonímia. Ou seja, “Cristo” aqui é uma forma abreviada de se referir à igreja como o “corpo de Cristo” (vv. 27-28). v. 13 Esse versículo explica ainda mais a pressuposição “o corpo é um só”. No entendimento de Paulo, o que faz com que os coríntios sejam um não é apenas o artigo de fé que eles têm em comum, mas especialmente a experiência comum que eles têm do Espírito, o mesmíssimo Espírito responsável pela grande diversidade que acabou de ser apresentada diante deles e que foi nela manifesto (vv. 4-11). Para Paulo, o recebimento do Espírito é a condição insubstituível da vida cristã. O Espírito é o que essencialmente distingue o crente do não crente (2.10-14); o Espírito é o que marca o início da vida cristã (Gl 3.2-3); acima de tudo, o Espírito é o que torna alguém um filho de Deus (Rm 8.14-17). Assim, para Paulo é natural referir-se à unidade deles no corpo em relação ao Espírito. A intenção de Paulo aqui não é descrever em detalhes como alguém se torna crente, mas explicar como os crentes de Corinto, embora muitos, são um único corpo. Resposta: Pelo Espírito, que todos receberam igualmente e em quem todos foram igualmente batizados. Para isso, Paulo usa expressões paralelas para se referir ao recebimento em comum do Espírito no início da vida cristã deles: “em um só Espírito, todos nós fomos batizados” e “a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (v. 13). A primeira frase ainda é qualificada pela expressão “em um só corpo”. É preciso acrescentar que essas metáforas “batizado no Espírito” e “beber do Espírito” deixam implícito um recebimento do Espírito que é muito mais experiencial e visivelmente manifesto do que muitos tenderam a experimentar na história subsequente da igreja. Talvez seja por isso que um bom número de estudiosos da Bíblia fica pouco à vontade com o Paulo dessa passagem. O objetivo da imersão comum deles no mesmo Espírito é que sejam colocados “em um só corpo”. Ou seja, a finalidade da nossa experiência comum do Espírito é que todos os crentes sejam constituídos em um único corpo. Daí que “em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um só corpo”. A base da unidade dos coríntios ainda é a unidade do próprio Deus, aqui expressa como “um só Espírito” (vv. 9 e 11). Portanto, a pergunta que pode ser feita é a seguinte: Como eles, sendo muitos, se tornaram todos um único corpo? Pela sua experiência comum e abundante do Espírito! Para enfatizar que o “todos nós” se tornaram um somente por meio do Espírito, Paulo acrescenta “quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres” (v. 13). Assim como anteriormente (7.17-24; Gl 3.28), esses termos expressam as duas distinções básicas que separavam as pessoas naquela cultura – raça/religião e posição social. Em Cristo, essas antigas distinções foram destruídas, não no sentido de que a pessoa não é mais judia ou grega etc, mas no sentido de isso não ter importância, evitando-se dar ênfase àquilo que faz com que as pessoas sejam diferentes umas das outras. E, é claro, ter importância é o que dá a elas valor como diferenciais. De modo que, na prática, sua vida comum no Espírito tinha acabado com a importância das antigas distinções, e por esse motivo haviam se tornado um único corpo. v. 14 Ainda que sejam um único corpo, o que aconteceu mediante a experiência comum deles do Espírito (v. 13), o próprio corpo, apesar de ser um só, não é constituído de uma única parte, mas de muitas. Aqui, o contraste é negativo: “o corpo não é um só membro”. Provavelmente, essa frase tenha sido adicionada para frear a empolgação peculiar dos coríntios com o falar em línguas. É fácil entender como posteriormente na igreja a ênfase desse texto mudou da preocupação de Paulo com a diversidade para a preocupação com a unidade. Deve-se observar que é claro que nossa preocupação posterior está ali, em especial no detalhamento (v. 13). Mas o que é desconcertante é que aquilo que para Paulo é a base da unidade, a saber, a vida que eles têm em comum no Espírito, em períodos posteriores se tornou o motivo de tanta tensão. Se a obra do Espírito parece ser a causa da desunião entre alguns, com certeza isso não é culpa do Espírito. Infelizmente a condição que temos em comum de seres decaídos com frequência faz com que tanto orgulho quanto suspeita ou desconfiança prevaleçam quando se trata da obra do Espírito. Mesmo assim, a unidade é o resultado de nossa vida em comum no Espírito, e não de nossas maquinações humanas. Será que é nossa carência do Espírito que nos tem impelido a buscar uma unidade baseada em outras coisas? Paulo entendia o Espírito como a chave para tudo na vida cristã. Parece indispensável que isso volte a predominar para que haja um cristianismo sadio em nossos dias. Mas que aquele que diz isso não imponha à igreja sua própria marca de “unidade espiritual” como simplesmente mais uma maquinação humana. Nossa necessidade gritante com certeza é de uma obra soberana em que o Espírito faça no meio de nós aquilo que toda nossa “unidade planejada” não consegue fazer.

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