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Foto do escritorChristian Lo Iacono

As obras da Carne e o Fruto do Espírito - Série Gálatas (Parte XV)



Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne. Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.

Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.



A grande ênfase da segunda parte da carta aos gálatas é a liberdade que os crentes recebem por meio de Cristo. Mas à medida que Paulo vai escrevendo, seu receio é que os seus leitores estejam entendendo mal essa liberdade. Alguns estão voltando à escravidão (5.1); outros transformaram a liberdade em licenciosidade. Nos versículos anteriores a esse trecho, vimos que a liberdade cristã também se expressa no autocontrole, no serviço amoroso ao próximo e na obediência à lei de Deus. O que Paulo vai fazer agora é mostrar como tudo é possível. E a resposta que ele vai dar é: por meio do poder do Espírito Santo.

Somente o Espírito pode nos manter verdadeiramente livres. O Espírito Santo é mencionado 7 vezes nessa seção. Ele é apresentado como o nosso santificador, como o único que pode se opor à nossa natureza pecaminosa e subjugá-la (vv. 16-17). É Cristo quem nos liberta, mas sem a obra contínua do Espírito, a nossa liberdade tende a degenerar em licenciosidade. Viver no Espírito aqui implica tanto o direcionamento como o fortalecimento dele; ou seja, significa tomar decisões e fazer escolhas de acordo com a sua vontade bem como agir no poder que o Espírito fornece. Ser “guiados pelo Espírito” (v. 18) não significa uma ação coercitiva, mas um direcionamento gentil e amável que nos leva à compreensão, como quando uma criança dá sua mão para o pai que a ama e em quem ela confia.

Nos versículos 16 e 17, vemos um conflito entre a carne e o Espírito. A carne é a nossa natureza humana caída e representa aqui o que somos naturalmente. Já o Espírito representa o que nos tornamos pelo novo nascimento. Agora, existe uma constante luta entre os dois. Há quem sustente, porém, que o cristão não tem mais nenhum conflito interior, pois sua carne teria sido erradicada no novo nascimento. Ora, esse entendimento é contestável por várias evidências e ele contraria o texto que estamos examinando. É verdade que à medida que aprendemos a andar no Espírito a carne vai ficando mais subjugada. Mas a carne e o Espírito permanecem em seus lugares, e o conflito entre eles é feroz e incessante. Na verdade, podemos dizer que esse é um tipo de conflito especificamente cristão, que tem por característica ser irreconciliável.

Para Paulo, as obras da carne são evidentes (v. 19). Embora a natureza humana seja secreta e invisível, suas obras são públicas e conhecidas. A lista de Paulo, é bom dizer, não é exaustiva, até porque ele acrescenta ao final “e coisas semelhantes a estas” (v. 21). Mas o que Paulo descreve é suficiente para abranger as quatro seguintes áreas: sexo, religião, sociedade e alimentação. No entanto, obras da carne não podem se confundir com o uso adequado da vida material e imaterial que Deus nos deu, já que fomos criados à sua imagem e semelhança, inclusive com o nosso corpo. É bom lembrar que naquele dia seremos ressuscitados corporalmente, e que as obras da carne, portanto, representam um uso inadequado, distorcido, da vida e dos dons que Deus nos deu. O cristão não pode ser um dualista platônico.

No primeiro grupo, “imoralidade sexual” (v. 19) pode estar relacionada à fornicação, que configura a relação sexual entre pessoas solteiras, mas pode também referir-se a qualquer tipo de comportamento sexual em desacordo com a Palavra de Deus. “Impureza” pode incluir algum tipo de comportamento “anormal” (Cole) e “libertinagem” pode ter a ver com indecência ou algum tipo de desprezo público e atrevido pelo decoro (Lighfoot). As três expressões são suficientes para mostrar que todas as ofensas sexuais, sejam elas públicas ou particulares, naturais ou “anormais”, entre pessoas casadas ou solteiras, devem ser consideradas como obras da carne.

No segundo grupo, encontramos a idolatria e as feitiçarias. A idolatria é tão obra da carne quanto a imoralidade. Timothy Keller escreveu que todos nós, cristãos, adoramos outras coisas e não conseguimos ter nossa satisfação somente em Deus, assim como a Trindade encontra essa realização em si mesma. O pecado não é apenas fazer coisas más ou deixar de fazer o que é certo, mas é também transformar coisas boas em primordiais. As feitiçarias, nesse caso, são o intercâmbio secreto com os poderes do mal (Lighfoot). Não deixam de ser um caminho próprio, inventado pelo ser humano, para chegar em Deus, mas à parte de sua Revelação.

No terceiro grupo, está a área social. Paulo nos dá 8 exemplos de colapso dos relacionamentos pessoais, que a NTLH descreve assim: “as inimizades, as brigas, as ciumeiras, os acessos de raiva, a ambição egoísta, a desunião, as divisões, as invejas” (vv. 20-21). Ou seja, dos 15 pecados listados por Paulo, 8 são comportamentos que rompem com a comunidade cristã. Temos a tendência de, na prática, deixar de confiar em Deus e, assim, voltar-nos para nós mesmos. No quarto grupo, encontramos a área da alimentação. Ou seja, considerando que o reino de Deus é um reino de piedade, retidão e autocontrole, aqueles que satisfazem a carne como prática habitual são excluídos dele (1Co 6.9-10; Ef 5.5). E parece que Paulo já tinha prevenido os gálatas (v. 21). “Os que andam segundo a carne não retêm nem a fé nem a justiça” (Apologia IV, 348).

E o fruto do Espírito? É o produto natural que aparece na vida dos cristãos dirigidos pelo Espírito. Por isso, Paulo escreve que “contra estas coisas não há lei” (v. 23), pois a função da lei é controlar, restringir, impedir, e aqui não há necessidade de limitações. “Amor, alegria, paz” (v. 22) é uma tríade de virtudes cristãs universais, aparentemente mais voltadas para a relação do crente com Deus. “Longanimidade, benignidade, bondade” já são virtudes sociais, voltadas para os outros. “Longanimidade” é paciência para com aqueles que nos irritam ou perseguem. “Benignidade” é uma questão de disposição, enquanto que “bondade” refere-se a palavras e atos. A terceira tríade é “fidelidade, mansidão, domínio próprio”. “Fidelidade” parece descrever a certeza de se poder confiar em uma pessoa cristã. “Mansidão” é aquela atitude humilde que Cristo demonstrou (Mt 11.29; 2Co 10.1). Ambas são aspectos do autocontrole ou “domínio próprio”, que encerra a lista.

Pelas listas, fica fácil concluir que a carne e o Espírito estão em oposição. O resultado desse conflito é “para que vocês não façam o que querem” (v. 17). Ou, como escreveu Paulo em Romanos, “segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, sou escravo da lei do pecado” (Rm 7.22-25). Por isso, Paulo vai escrever que se vivermos no Espírito, não satisfaremos “os desejos da carne” (5.16).

Mas como faremos isso? Paulo vai responder que devemos crucificar a carne e andar no Espírito (vv. 24-25). Apesar de termos sido crucificados com Cristo pela fé (Gl 2.20; Rm 6.6), o que é um fato consumado, Paulo nos conclama a fazermos valer isso em nosso dia a dia. Lutero: “O velho homem em nós, por contrição e arrependimentos diários, deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus desejos”. Paulo está tomando emprestada a imagem da crucificação de Cristo, que disse: “se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8.34). Nesse sentido, tomar a cruz significa renunciar o nosso eu voluntarioso e volúvel, que deve ser mortificado, em sinal de arrependimento.

John Stott, a respeito do uso da palavra “crucificaram” (v. 25), que ele entende intencional, descreve assim a atitude do cristão: “a rejeição que o cristão faz de sua velha natureza tem de ser impiedosa. A crucificação no mundo greco-romano não era uma forma agradável de execução... era reservada para os piores criminosos... [Assim] está claro que a carne não é algo respeitável que deva ser tratado com cortesia e deferência, mas uma coisa tão maligna que nada mais merece a não ser a crucificação. Segundo, a nossa rejeição da velha natureza deve ser dolorosa. A crucificação era uma forma de execução acompanhada de intensas dores (Grimm-Thayer). E quem de nós não conhece o profundo sofrimento de um conflito íntimo quando os ‘prazeres transitórios do pecado’ (Hb 11.25) são renunciados? Terceiro, a rejeição de nossa velha natureza tem de ser decisiva. A morte pela crucificação, embora fosse lenta, era uma morte certa... John Brown apresenta-nos o significado desse fato: ‘A crucificação... produzia morte não súbita mas gradual... Os verdadeiros cristãos... não conseguem destruí-la (isto é, a carne) completamente enquanto se encontram aqui embaixo; mas eles a fixaram na cruz, e estão determinados a mantê-la ali até que expire’”.

“E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos” (v. 24). O verbo grego está no aoristo, indicando que é algo que nós fizemos na conversão, quando nos arrependemos. Paulo diz, no entanto, que se crucificamos a nossa carne, devemos abandoná-la na cruz para que ela morra. Ou, como disse Jesus: “Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). Às vezes agimos como se, tendo pregado a nossa velha natureza na cruz, voltássemos ao local da execução para acariciar aquele corpo ou para desejar a sua libertação. Assim ocorre muitas vezes com os nossos maus pensamentos, que acabamos nutrindo ao invés de repelir. É fatal se começarmos a examiná-los considerando se vamos aceitá-los, ou não. John Piper fala da luta contra o pecado como se fosse uma verdadeira guerra, sem tréguas. “Porque na luta contra o pecado vocês ainda não tiveram de combater até à morte” (Hb 12.4, NTLH). A carne já foi crucificada; não é mais possível retirar os pregos.

E sobre o andar no Espírito? Paulo diz que devemos ser guiados pelo Espírito (v. 18) e que devemos andar nele (v. 25). Segundo o texto grego, é o Espírito quem guia, mas é o crente quem anda. Quanto ao guiar, o verbo é usado para o pastor que conduz as ovelhas. Também foi usado para destacar a condução de Cristo pelo Espírito nas tentações do deserto (Lc 4.1-2). Paulo ainda escreveu aos romanos: “todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (8.14). Quanto ao andar, o verbo é stoicheo e se refere a pessoas que estão sendo “colocadas na fila”. Por isso, significa “andar na linha” ou “estar alinhado com”. É usado para com os crentes que “andam nas pisadas da fé que teve Abraão” (Rm 4.12). Também descreve os crentes que andam “de acordo com o que já” alcançaram (Fp 3.16) ou que andam “em conformidade com essa regra” (Gl 6.16). Assim, andar no Espírito é andar deliberadamente ao longo do caminho ou de acordo com a linha que o Espírito estabelece.

O Espírito nos guia, mas nós precisamos andar no Espírito. Além de repudiar o pecado, precisamos caminhar no Espírito. Nós abandonamos o que é mau a fim de nos ocuparmos com o que é bom. As Escrituras nos dizem que devemos cogitar das coisas do Espírito (Rm 8.5-6) e buscar as coisas lá do alto, pensando nelas (Cl 3.1-2; Fp 4.8). Isso envolve todo o lazer que buscamos, os livros que lemos e as amizades que fazemos etc. Além disso, devemos dar atenção à leitura das Escrituras e à oração, ao culto público e à Ceia do Senhor, além de valorizarmos a comunhão com os nossos irmãos e o testemunho de nossa fé em Cristo, juntamente com uma prática diligente de boas obras. Não basta ficar passivo ao controle do Espírito. Também devemos andar ativamente no caminho do Espírito, que gerará seu fruto em cada um de nós.

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