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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Como lidar com o sofrimento | Parte II

Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós.

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus.

Pois a criação está sujeita à vaidade, não por sua própria vontade, mas por causa daquele que a sujeitou,

na esperança de que a própria criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora.

E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.

Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança. Pois quem espera o que está vendo?

Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.



Negar a realidade do sofrimento é “não levar a vida a sério” (Ernest Becker) ou não admitir o “contexto da verdade em que se vive” (Denial os death). Infelizmente, “vivemos nos protegendo da mortalidade” (Scared senseless). Porém, não há dinheiro, poder nem planejamento capazes de impedir que o luto, uma doença terrível ou outros problemas invadam nossa vida.


Quando Adão e Eva pecaram, parte da maldição foi que “espinhos e ervas daninhas” (Gn 3.18) passaram a crescer na terra, assim como flores e alimentos. Isso mostra que o ideal perfeito de vida que Deus criou não foi totalmente erradicado, mas está longe da intenção original. Por isso, pode ser dito que as pessoas que sofrem mais não são necessariamente piores do que as que sofrem menos. O mundo está caído e destruído demais para ser dividido entre pessoas boas que vivem bem e pessoas ruins que vivem mal.


Para muitos, a tarefa de Deus é criar um mundo que nos beneficie, que recompense os bons e puna os maus. Mas se existe mesmo um Deus infinitamente glorioso, por que o universo giraria ao nosso redor e não ao redor dele? Se observarmos o histórico da humanidade no que se refere ao pecado, descobriremos que o verdadeiro enigma do mal não é porque Deus pune os bons, mas: “Por que, à luz do nosso comportamento pecaminoso como raça humana, Deus permite tanta felicidade”.


A doutrina bíblica do Dia do Julgamento final também nos ajuda a viver com esperança e graça. Se a aceitamos, temos a esperança e o incentivo para lutar a favor da justiça, porque, mesmo obtendo poucos resultados, sabemos que a justiça será estabelecida, completa e perfeitamente. Todos os erros – que chamamos de mal moral – serão reparados. Essa doutrina também nos leva a ser generosos, a perdoar e a abrir mão da vingança e da violência.


Será que Deus não permite a existência do mal porque ele resulta em muito mais glória e alegria do que teríamos de outra forma? Sem o pecado e o mal, jamais conheceríamos a coragem de Deus ou a extensão impressionante do seu amor, ou a glória de uma divindade que deixa seu trono e vai para a cruz.


As duas últimas doutrinas que ajudam nosso coração a lidar com o sofrimento são as da encarnação e da expiação. Embora seja sociólogo, e não teólogo, Peter Berger entende que todas as culturas devem fornecer a seus membros um meio de dar sentido ao sofrimento. Segundo Berger, a Bíblia faz isso de duas maneiras básicas. No livro de Jó, encontramos a verdade mais difícil e rigorosa a respeito do sofrimento: no fim das contas, não podemos questionar Deus. Jó pede que Deus explique por que tantos sofrimentos e pesares desabaram sobre ele. Mas, em resposta, “o questionador é radicalmente desafiado quanto a seu direito de até mesmo fazer a pergunta” (Sacred canopy). Deus confronta Jó com sua limitação humana, sua incapacidade de entender os conselhos e propósitos do Senhor ainda que lhe fossem revelados, e também com sua condição de pecador, que não está em posição de exigir uma vida de conforto. Embora reconheça que essa visão das coisas tenha muita lógica, Berger entende que ela, por si só é, “para a maioria das pessoas, difícil de ser sustentada [...] possível somente para alguns religiosos ‘virtuosos’”. Felizmente para nós, não é essa a palavra final da Bíblia em relação ao sofrimento.


Berger afirma que a “tensão insuportável desse problema, gerada [...] pelo AT”, é satisfeita com “a solução cristã essencial do problema”. E essa solução está no fato de que “o Deus encarnado é um Deus que sofre. Sem esse sofrimento, sem a agonia da cruz, a encarnação não proveria a solução para o problema [do sofrimento], ao qual, insistimos, ela deve seu imenso poder”. Berger, então, cita Albert Camus: “Apenas o sacrifício de um deus inocente justificaria a tortura definitiva e universal da inocência. Apenas o sofrimento mais miserável de Deus poderia aliviar a angústia do ser humano”.


Berger enxerga o brilhantismo da solução. Ele escreve: “Por meio de Cristo, a terrível alteridade do Yahweh [Deus] das tempestades [em Jó] é abrandada. Ao mesmo tempo, porque a contemplação do sofrimento de Cristo aprofunda a convicção da indignidade humana, permite-se que a antiga rendição [penitente] se repita de modo mais refinado [...] [Pois] o sofrimento de Cristo não justifica Deus, mas o homem”.


O livro de Jó aponta de modo correto a finitude e a indignidade do ser humano e exige rendição total à soberania de Deus. Mas, por si só, a exigência talvez seja um fardo pesado demais para o sofredor. Então, surge o NT, repleto de inimaginável consolo àqueles que confiam na soberania de Deus. O próprio Deus soberano desceu e viveu na escuridão do mundo. Ele mesmo bebeu do cálice do sofrimento até a última gota. E não fez isso para sua justificação, mas para a nossa, ou seja, para suportar o sofrimento, a morte e a maldição dos pecados que nós cometemos. Ele toma sobre si o castigo de modo que, um dia, retorne para dar um fim a todo o mal sem ter que nos condenar e punir.


O Novo Testamento ensina que Jesus era o Deus encarnado: “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade’ (Cl 2.9). Ele era Deus, mas sofreu. Experimentou fraqueza, uma vida cheia de “grande clamor e lágrimas” (Hb 5.7). Ele sofreu na carne rejeição e traição, pobreza e injúria, decepção e desespero, privação, tortura e morte. Assim, ele pode se “compadecer das nossas fraquezas”, pois “à nossa semelhança foi tentado em todas as coisas, porém sem pecado” (Hb 4.15). Na cruz, ele foi além do pior sofrimento humano, experimentou rejeição cósmica, e uma dor que excede nossas dores tão infinitamente quanto seu conhecimento e poder excedem os nossos. Não existe angústia interior mais profunda do que a perda de um relacionamento baseado no amor. No entanto, nem sequer podemos imaginar como seria perder não somente um relacionamento humano de muitos anos, mas o amor infinito do Pai, amor que Jesus conhecia desde a eternidade. A separação seria algo profundamente insuportável. Na cruz, Jesus estava sofrendo o abandono de Deus ao exclamar: “Deus meu, Deus meu, por que me desemparaste?”


Nisso testemunhamos o poder supremo: um Deus que é forte o bastante para, voluntariamente, tornar-se fraco e mergulhar na vulnerabilidade e trevas por amor a todos nós. E nisso testemunhamos também a maior glória possível: a disposição de Deus de abrir mão de toda a sua glória por amor a nós.


Isso é algo que outras as religiões nem mesmo conseguem imaginar. Certa vez, ao discursar em uma universidade de Sydney, na Austrália, John Dickson, pastor cristão, falou sobre as feridas de Deus. Na hora das perguntas, um muçulmano se colocou em pé e disse que “era um absurdo afirmar que o Criador do universo tenha se sujeitado às forças de sua própria criação; que ele tenha se alimentado, dormido e ido ao banheiro e, pior ainda, morrido numa cruz”. Dickson respondeu que as considerações feitas pelo jovem eram inteligentes, persuasivas e ponderadas. O rapaz prosseguiu, afirmando ser ilógico que Deus, a “causa das causas”, se sujeitasse a sofrer por seres tão indignos. Percebendo que não tinha nenhum argumento contundente, nenhuma resposta espirituosa, Dickson simplesmente agradeceu ao rapaz por esclarecer tão vividamente a singularidade daquilo que o cristianismo professa. “O que o muçulmano denuncia como blasfêmia é precioso ao cristão: Deus tem feridas” (If I were God I’d end all de pain: struggling with evil, suffering, and faith).


Portanto, Peter Berger tem razão. A resposta do livro de Jó – “Deus sabe o que está fazendo, portanto, descanse e confie nele” – é correta, mas talvez insuficiente. É inadequada porque, sozinha, é uma resposta fria, insensível, e porque o NT nos oferece mais recursos para enfrentar os terrores da vida. Nós nos afastamos de Deus, porém Deus não nos abandonou. Somente o cristianismo, entre todas as religiões mais importantes do mundo, ensina que, em Jesus, Deus veio ao mundo e sujeitou-se ao sofrimento e até mesmo à morte.


Você entende o que isso significa? É verdade que não sabemos por que Deus permite que o mal e o sofrimento continuem a existir, ou por que são tão “aleatórios”, mas pelo menos agora sabemos qual não é o motivo. Não é porque ele não nos ama. Não é porque ele não se importa conosco. Deus está de tal forma comprometido com nossa felicidade suprema que se dispôs a mergulhar nas profundezas mais terríveis do sofrimento. Ele nos entende, ele sabe como nos sentimos e nos garante que tem um plano para acabar com todas as lágrimas. Alguém talvez argumente: “Mas isso só responde parte do ‘Por quê?’”. Verdade, contudo é a parte de que precisamos.


Se Deus explicasse todos os motivos para deixar que as coisas aconteçam como acontecem, as informações ultrapassariam os limites do nosso cérebro. Pense nos relacionamentos das crianças com seus pais. Crianças de três anos de idade quase nunca entendem os motivos de seus pais deixarem, ou não, que façam isso ou aquilo. No entanto, apesar de não entenderem os motivos dos pais, elas são capazes de compreender o amor dos pais e, então, são capazes de confiar neles e viver em segurança. Isso é tudo do que elas precisam de verdade. Agora, a diferença entre Deus e os seres humanos é infinitamente maior do que a diferença entre um pai de trinta anos e seu filho de três anos. Portanto, não devemos sequer imaginar que somos capazes de entender todos os propósitos de Deus; todavia, por meio da cruz e do evangelho de Jesus Cristo, podemos conhecer seu amor. E essa é a nossa maior necessidade.


Em seu libro Mil dádivas, Ann Voskamp descreve sua jornada em busca de entender a morte absurda de sua irmã, que, aos dois anos de idade, foi esmagada por um caminhão. No final, ela conclui que a questão principal está no fato de confiarmos, ou não, no caráter de Deus. Ele é amoroso de verdade? Ele é mesmo justo? A conclusão de Voskamp foi: “[Deus] nos enviou Jesus [...] Se Deus não nos recusou seu próprio Filho, será que ele nos recusará qualquer coisa de que necessitarmos? Se a confiança tem de ser conquistada, será que Deus, de maneira inequívoca, não conquistou nossa confiança com as escoriações de suas feridas abertas, os espinhos lhe rasgando a testa, e nosso nome escapando dos lábios rachados? Como não nos daria graciosamente todas as coisas que ele mesmo considera melhores e boas? Deus já nos deu o incompreensível”.


Em Isaías 9.2 e Mateus 4.16, lemos que, quando Jesus nasceu, “o povo que vivia em trevas viu uma grande luz; sim, uma luz raiou para os que viviam na região da sombra da morte”. Mas talvez você se pergunte: Se Jesus é a luz do mundo, por que, então, quando viveu aqui na terra, ele não fez algo com relação ao sofrimento e à escuridão? Crianças continuam morrendo de forma prematura e horrível. Os pobres continuam na penúria. Pais jovens continuam morrendo em acidentes, deixando viúvas e filhos pequenos para se virarem sozinhos. Guerra e rumores de guerras continuam. Por que Jesus não acabou com tudo isso?


E se Jesus tivesse vindo ao mundo não para morrer jovem, mas para dar fim à injustiça e ao mal? O que teria ocorrido? Recordemos a máxima de Tolkien: “após uma derrota e uma trégua [...] o mal sempre assume outra forma e cresce novamente”. Tolkien está certo. Consideremos os avanços científicos e tecnológicos que resultaram em benefícios sem precedentes nas áreas da saúde e da comunicação. Até mesmo o fim da Cortina de Ferro e o término da Guerra Fria foram atribuídos à revolução dos meios de comunicação. No entanto, muitas pessoas bem-informadas temem que terroristas usem essa tecnologia para derrubar setores inteiros da rede eletrônica e, assim, façam desaparecer trilhões de dólares em riqueza e levem o mundo a depressão. A energia nuclear também é uma grande fonte de poder quando bem aproveitada, porém estamos cientes da possibilidade de proliferação nuclear e do terrorismo nuclear. Quando uma nova descoberta afasta uma forma de mal, ele sempre descobre um jeito de usar essa descoberta para se revelar a nós em novos formatos e aspectos diferentes.


Por quê? Porque, em grande parte, o mal e as trevas deste mundo nascem dentro de nós. Lutero ensinou que a natureza humana é “curvada sobre si mesma”. Somos mais instintiva e profundamente narcisistas do que jamais acreditamos ser. E essa curvatura ou inclinação egoísta é fonte do vasto sofrimento e dos males que experimentamos, desde genocídios e violência divulgados nos jornais e na TV até a razão de seu casamento ser tão doloroso. O filósofo John Gray é ateu, mas nessa questão ele concorda com o livro de Gênesis:


“Em comparação com o mito de Gênesis, o mito moderno de que a humanidade caminha rumo a um futuro melhor não passa de superstição. Como a história de Gênesis ensina, o conhecimento não pode nos salvar de nós mesmos. Se sabemos mais do que antes, significa apenas que temos um palco maior para encenar nossas fantasias [...] A mensagem de Gênesis é que nas áreas mais cruciais da vida humana não pode haver progresso, somente uma luta eterna com nossa própria natureza” (John Gray, The silence of animals: on progress and other modern myths).


O que teria acontecido na primeira vinda de Jesus ao mundo, caso ele viesse empunhando uma espada e com poder para destruir todas as fontes de sofrimento e de mal? Não teria sobrado uma única pessoa por aqui. Se você acha que isso não é justo, eu diria que você não conhece sua própria capacidade, seu próprio coração, mau. No entanto, em sua primeira vinda ao mundo, o propósito de Jesus não foi trazer justiça, mas sim suportá-la. Ele não veio de espada em punho, e sim com pregos nas mãos. Através dos séculos, este foi o ensino cristão: Jesus morreu na cruz em nosso lugar, recebendo o castigo que nossos pecados merecem, para retornar um dia e destruir o mal sem destruir a nós todos.


Jesus não veio ao mundo com uma agenda política que desse fim à opressão romana, por mais benéfico que isso fosse. Ele não tinha interesse em simplesmente fazer o que o ser humano pode (e deve) fazer – opor-se ao mal dos dias em que vive, impedindo que avance. Não, Jesus tinha um plano mais radical. Ele nasceu entre os seres humanos, morreu numa cruz e ressuscitou de entre os mortos para dar início a esse plano. Sua morte e ressurreição fizeram nascer um povo que agora tem capacidade e poder únicos para deter o avanço do mal em seus corações, e que também recebeu a ordem de combater o mal que encontrar em suas comunidades e na sociedade, bem como resistir a ele – sem nunca desanimar. E tudo isso porque o Filho de Deus se dispôs a sofrer como homem para, assim, desestabilizar o mal e, um dia, acabar para sempre com a maldade, o pecado, o sofrimento e a morte.


A Bíblia diz que Jesus é a luz do mundo. Se você sabe que está seguro no amor de Jesus, que nada pode arrancá-lo das mãos do Senhor, e que ele vai levá-lo à casa de Deus e ao futuro com Deus, então ele será uma luz para você nos lugares mais escuros, quando todas as outras luzes se apagarem. O amor de Jesus por você agora e essa confiança infalível para o futuro são verdadeiramente uma luz nas trevas, por meio da qual podemos encontrar nosso caminho.


Assista o Sermão completo no Youtube



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