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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Contentamento


Portanto, meus amados irmãos, de quem tenho muita saudade, vocês que são a minha alegria e coroa, sim, meus amados, permaneçam, deste modo, firmes no Senhor.

Peço a Evódia e peço a Síntique que, no Senhor, tenham o mesmo modo de pensar.

E peço também a você, fiel companheiro de jugo, que auxilie essas mulheres, pois juntas se esforçaram comigo no evangelho, juntamente com Clemente e com os demais cooperadores meus, cujos nomes se encontram no Livro da Vida.

Alegrem-se sempre no Senhor; outra vez digo: alegrem-se!

Que a moderação de vocês seja conhecida por todos. Perto está o Senhor.

Não fiquem preocupados com coisa alguma, mas, em tudo, sejam conhecidos diante de Deus os pedidos de vocês, pela oração e pela súplica, com ações de graças.

E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus.



Para alguns críticos, uma postura de “contentamento” não traria benefícios à vida humana, pois a palavra passaria a ideia de “acomodação” e “complacência”. Quem é complacente não se perturba diante das desigualdades sociais tão evidentes em nosso tempo, não se comove com a violência, não reage à corrupção, ou seja, não se importa. Mas a palavra “contentamento” tem sua raiz nos termos “contém” e “contido” e quer indicar uma vida “cheia” de satisfação, que “contém” todos os elementos que, de fato, devem “preencher” a vida do ser humano. Contentamento também é fruto de energia bem usada, de decisões acertadas, porque tomadas sob a direção de Deus. Como Paulo escreveu, “grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1Tm 6.6).


Um dos termos importantes em Filipenses é a “alegria”, que aparece na carta 14 vezes, na forma nominal ou verbal. Da sua injusta prisão Paulo expressa seu contentamento em primeiro lugar pela sua família em Cristo, que ele chama de “irmãos”. Mesmo estando preso, e enfrentando a possibilidade de morte violenta, o apóstolo pensa nos seus filhos “amados” duas vezes nesse primeiro versículo. Paulo usa aqui o mesmo termo grego que o utilizado para se declarar que Jesus era o filho “amado” de Deus Pai (Lc 3.22). O amor pelos irmãos que faziam parte da igreja de Filipos encheu o coração daquele que investiu suor e sangue para que fossem salvos. Por isso, também, Paulo sentia contentamento. A expressão “muita saudade” (v. 1) passa a ideia de muita emoção e profundo desejo, e aparece somente 4 vezes no NT (duas em Filipenses; 1.8). Em 1Pe 2.2, a palavra comunica o ardente “desejo” que um bebê tem do leite, e que o recém convertido deve ter da Palavra de Deus. “Saudade” descreve o impulso forte e natural que leva os pais a estarem juntos com os filhos, ou o marido e a esposa a afastarem a distância que os separa.


Querer estar junto surge da imensa apreciação e amor, como se vê no caso do jovem que fugiu de casa revoltado. Passados anos da separação, repletos de variadas atividades repugnantes aos ideais paternos sem ter-se comunicado com os pais, o jovem chegou ao desespero. Idealizou um plano em função do fato de que, naquele tempo, a estrada de ferro passava nos fundos da casa de seus pais. Então, ele mandou um bilhete aos pais sugerindo que pendurassem uma tira de pano branco que fosse visível do trem, por onde ele passaria. Esse sinal indicaria o desejo dos pais de que o pródigo voltasse para casa. No dia marcado, o jovem, desesperado e ansioso, viajava rumo a sua cidade temendo a ausência de qualquer sinal de convite para voltar a seu antigo lar. Porém, grande foi a sua emoção ao contemplar, não uma tira de pano branco, mas vinte ou trinta tiras amarradas em ramos, arbustos e galhos! O jovem então percebeu a profundidade da saudade imerecida que os pais guardavam para com o filho rebelde. Paulo tinha “saudade”.


A igreja era a “alegria” de Paulo (v. 1). Os filipenses deram ao sofrido pastor-evangelista a alegria da satisfação. Como um tesouro preciosíssimo, os filipenses provocaram uma fonte de gozo a jorrar no coração de Paulo. Não somente durante esta vida apenas, mas para todo o sempre. O contentamento com o fruto do seu trabalho na primeira igreja implantada por Paulo no solo europeu o acompanharia (At 16.11-40). A palavra “coroa” acrescenta a ideia de festa e celebração. O stephanos (“grinalda” ou “coroa”) não era feito de ouro e pedras preciosas, porque não sinalizava autoridade de rei ou imperador, mas comunicava heroísmo, como no caso de um atleta que ganhava uma competição (1Co 9.24-25). Assim era a honra outorgada a um casal na festa de casamento. Uma coroa composta de folhas e flores, posta na cabeça, marcava quem recebia o reconhecimento dos hóspedes. Paulo lembra, portanto, aos filipenses que eles tornaram sua prisão uma espécie de salão de festas e ocasião de celebração constante. Forneciam-lhe o sentimento de um herói coroado. E quem é para nós, hoje, tal motivo de celebração? Quem agora, ou futuramente na eternidade, será para nós o sinal do prêmio ganho? O missionário Davi Brainerd, que morreu aos 29 anos após rigoroso desgaste na evangelização dos índios norte-americanos, disse: “eu não teria gasto a minha vida de outro modo por causa alguma no mundo”. Aí está a expressão de contentamento num dos grandes momentos da vida.


Aos que contribuíram para o seu contentamento, Paulo pede “firmeza no Senhor”. A palavra “firmes”, que no original quer dizer “ficar em pé” – o contrário de “abalado” ou “derrotado” – se destaca em Efésios 6.11-14. Toda igreja é alvo de ataques inimigos, forças satânicas e tentações carnais. Por causa de sua vulnerabilidade, Paulo manda que os filipenses se mantenham firmes. Nesse momento, possivelmente veio à mente de Paulo uma das brechas que favorecem o abalo da igreja, que é a falta de entendimento. Evódia e Síntique (v. 2), valiosas cooperadoras do apóstolo no início e depois com Clemente e outros, haviam ajudado no avanço do evangelho. Mas um desentendimento rachou a comunhão entre elas, e não houve suficiente espiritualidade para consertá-la. É de grande vantagem, numa hora dessas, ter um “fiel companheiro de jugo”, capaz de auxiliar as mulheres aqui na reconciliação de suas diferenças. Literalmente, elas devem pensar a mesma coisa (Fp 2.2). Sobressai nesses versículos a importância de cooperadores. Paulo não valorizou o trabalho solitário. Timóteo e Epafrodito irão para Filipos para representar o apóstolo (2.20-22, 25-28). Novamente, vemos a importância de Evódia e Síntique, do “fiel companheiro” (pastor?), de Clemente e os demais “cooperadores” (sunergoi, “trabalhadores juntos”). Paulo não se orgulhou em trabalhar isoladamente, mas em equipe. Seus nomes também estão inscritos no rol celestial dos salvos, chamado o “Livro da Vida” (v. 3). Foram homens e mulheres que levantavam a sustentavam as mãos do líder como Arão e Hur fizeram com Moisés (Êx 17.12). Quando Jesus enviou seus auxiliares, os 12 discípulos, e em seguida os 70 missionários, voltaram jubilosos por causa do poder pelo qual foram capazes de lutar contra o inimigo. Jesus, porém, lhes advertiu: “alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, e sim porque o nome de cada um de vocês está registrado no céu” (Lc 10.20). Nosso contentamento não deve se fixar nos sucessos desta vida, mas no relacionamento infindável com o nosso Senhor.


Nada fica mais claro do que a necessidade dos filhos de Deus terem seu contentamento no Senhor e não nas circunstâncias variáveis do dia a dia. Em Cristo, Senhor de todos os acontecimentos que atingem nossas vidas, temos a possibilidade de manter a esperança tranquilamente. Fora da soberana vontade do Senhor, onde se descobririam bases para a satisfação quando as crises e os problemas nos apertassem? Quando a injustiça nos atinge, e os insultos falsos nos degradam, o contentamento muito frequentemente se transforma em murmuração e insatisfação. Quando a situação nos decepciona até o ponto de querermos agredir alguém, como é possível se alegrar no Senhor? Permitir surgir em nós aquele espírito de amargura mortífera nos destruirá. “Alegrem-se sempre no Senhor” (v. 4) repete a exortação feita por Paulo em Fp 3.1. Somente Deus pode transformar nossa atitude de depressão e amargura em contentamento e alegria. A. W. Tozer observou que “quem tem Deus e mais tudo o que há no mundo não está melhor colocado na vida do que o homem que tem somente a Deus”. Foi semelhante verdade profunda que Paulo desejava expressar com sua exortação repetida “alegrem-se sempre no Senhor”. Isaías predisse, 700 anos antes de Cristo, que os redimidos tirariam “com alegria” “água das fontes da salvação” (Is 12.3). Apesar desta e outras promessas encorajadoras, muitos crentes revelam profunda insatisfação. As circunstâncias que Deus às vezes destinou para a disciplina do seu povo produziram ressentimentos e amargura. Nesses casos, as fontes da salvação não jorram águas alegres, louvor e gratidão, mas azedas reclamações. Aqui, Davi nos oferece outro caminho: “Como a corça suspira pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma... Por que você está abatida, ó minha alma? Por que se perturba dentro de mim? Espere em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu...” (Sl 42.1, 5). O mais famoso filósofo dinamarquês do século XIX, Soren Kierkegaard, procurou durante sua vida o segredo da paz e do contentamento. Era religioso, mas no luteranismo do seu dia a dia a hipocrisia reinava. Encontrou muito pouco relacionamento pessoal com o Senhor vivo e ressurreto. No seu contexto, a religião formal e nominal abundava. Kierkgaard escreveu o livro Temor e Tremor, no qual imaginava Abraão preparando-se e viajando até o Monte Moriá. Mesmo nessa crise mais dura da sua vida, descobrimos Abraão, por causa de sua fé em Deus, quase alegre. Assim foi também com o nosso Salvador, que nas horas precedendo sua traição e crucificação, ofereceu a seus discípulos sua alegria e paz (Jo 14.26-27; 15.11). Kierkgaard externou um profundo cinismo com respeito à igreja europeia. Tinha anseio insaciável por uma fé que não ficasse prostrada pelo confronto com a dureza da vida. Paulo exorta aqui que seus leitores se alegrem no Senhor.


Além da constante alegria no Senhor, o crente é orientado a ter “moderação” (v. 5). Epieikes comunica uma atitude de consideração e grandeza de coração, capaz de perdoar e desprezar os próprios direitos justos. Contrasta-se com a brutalidade, o excesso de rigor na aplicação da lei em detrimento do réu. No AT, esse vocábulo expressa a graciosa gentiliza do governo de Deus (1Sm 12.22; Sl 86.5). No NT, aponta para a personalidade mansa de Jesus, que convidou os fracos, necessitados e cansados a gozarem do seu alívio (Mt 11.28-30). A mansidão e benignidade de Jesus Cristo (2Co 10.1) formam uma base para a exortação de Paulo aos coríntios que tão obviamente careciam dessa qualidade. Mas a igreja de Cristo deve ser conhecida pela benignidade e gentileza que a caracterizam. Demonstrar serenidade é uma das qualidades mais aparentes no contentamento. O cristão que reivindica para si o direto de julgar o próximo (Tg 4.11-12), condenando-o sem brandura ou mansidão, toma o lugar do amoroso juiz, Jesus, apontado para julgar os seres humanos. Fica evidente que à medida que a igreja perde sua benignidade “diante dos homens”, perde também sua qualidade de povo convidativo e contente. Paulo lembra que o Senhor está perto (v. 5). Quer dizer que Cristo logo julgará a todos com perfeita equidade. Não é necessário tentar se vingar dos que cometeram injustiça. O povo de Deus aqui mostra o seu contentamento. A segunda vinda de Cristo marcará a implantação de um governo perfeito e justo. Não é de nossa competência impor à sociedade uma justiça humana, mas anunciar a solução presente e vindoura porque “perto está o Senhor”.


Uma das orientações menos observadas por todos nós é o de não permitir que a ansiedade tome conta dos nossos corações. Nosso descontentamento se externa com murmurações e queixas constantes. Ao mesmo tempo, reprimir o descontentamento pode levar a um momento de explosão emocional e física com consequências incalculáveis. Como o óleo que “excede” o prejuízo da alta temperatura do motor de um veículo, e ao mesmo tempo lubrifica todos os pontos de pressão e atrito, assim acontece com a paz divina. Ela emana segurança absoluta, de que todas as circunstâncias que surgem na vida, especialmente as que estão fora do nosso controle, estão sob os cuidados do nosso Deus, nosso Pai onipotente, onisciente e amoroso. A promessa da paz que excede e que guardará nossos corações e mentes em Cristo (v. 7) é para todos nós. Se a paz que excede o entendimento estivesse à venda, muitos se prontificariam a pagar muito caro por esse benefício. Por outro lado, se os seguidores de Cristo não podem ajudar muito nesse sentido, porque vivem ansiosos, como se espera que os descrentes acreditem nessa promessa de paz?


Paulo não sugere que a paz celestial dominará o coração de todo crente como as águas cobrem o mar. Se o desfrute dessa paz fosse automático, não haveria no texto a exortação aos crentes: “não fiquem preocupados” (v. 6). Mas a segunda parte do verso orienta: “em tudo, sejam conhecidos diante de Deus os pedidos de vocês, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (v. 6). O antídoto para a ansiedade e o descontentamento não se encontra senão na oração a Deus em fé, com ações de graças. A palavra “mas” indica contraste, de modo que devemos colocar a nossa vida toda diante de Deus, e não somente quando nos deparamos com as crises. Isso implica também em saber ouviu um “não” na oração, mas é um “não” com Deus. “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifícios de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb 13.15). O termo “guardará” (v. 7) literalmente sugere uma proteção interna: “O governador nomeado pelo rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender, mas, num grande cesto, me desceram por uma janela da muralha” (2Co 11.32). Com a oração nesses termos, são colocadas sentinelas às entradas da mente e do coração para impedir a penetração de pensamentos oriundos do tentador. Satanás deseja ardentemente expulsar a paz de Deus do íntimo do cristão, sabendo que desse modo estará colocando em dúvida a nossa fé.


O direito do filho de Deus é o contentamento. A insatisfação é o sintoma de que algo não está bem e precisa ser considerado. Paulo apontou para a sua satisfação com a comunidade dos filipenses e seus auxiliadores que labutavam no ministério pastoral. Ficou descontente, sem dúvida, com o desentendimento que tornou as cooperadoras Evódia e Síntique inimigas, mas contava com um fiel companheiro junto a Clemente e outros obreiros para resolver a questão. Os fatores elementares do contentamento para Paulo são: 1) alegria no Senhor, e não nas circunstâncias sujeitas a tão bruscas mudanças; 2) um espírito tolerante e misericordioso que se afasta da obrigação de cobrar todos os direitos, ou vingar-se de todas as injustiças; 3) Paulo apresenta a ansiedade como pecado, indicando o caminho da oração e da gratidão. Por meio da petição e confiança no Senhor, podemos usufruir da sua paz interna, não importando as circunstâncias ameaçadoras. Afinal, “grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1Tm 6.6).


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