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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Deixem-se encher do Espírito|Série: O Espírito Santo na Igreja -Parte IV

¹⁸ E não se embriaguem com vinho, pois isso leva à devassidão, mas deixem-se encher do Espírito,

¹⁹ falando entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando com o coração ao Senhor,

²⁰ dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.

²¹ Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo.

Efésios 5:18-21

 

A plenitude do Espírito

 

Nos sermões anteriores nos concentramos no significado da expressão "dom" ou "batismo" do Espírito. Tentei resumir a forte evidência bíblica de que ambos são a mesma coisa, e que descrevem uma bênção inicial (recebida no início da vida cristã), não subsequente (recebida algum tempo depois), e que, portanto, é uma bênção universal (concedida a todos os cristãos), não esotérica (secreta, experimentada somente por alguns).

 

Pode parecer a algumas pessoas que essa abordagem é negativa e inútil, uma posição estéril, pois, aparentemente, ela se limita a uma experiência passada e que não traz nenhuma perspectiva atraente para a vida cristã futura. Mas isso não é verdade. Ao transferirmos agora a nossa atenção do "batismo" para a "plenitude" do Espírito, estamos passando de um dom inicial que Deus deu a todos os seus filhos e que jamais tirará deles, para uma condição que Deus quer que seja contínua, mas que, na prática, pode não ser constante. Quando falamos do batismo do Espírito estamos nos referindo a uma concessão definitiva; quando falamos da plenitude do Espírito estamos reconhecendo que é preciso se apropriar contínua e crescentemente desse dom.

 

A diferença entre "batismo" e "plenitude"

 

O que aconteceu no dia de Pentecoste foi que Jesus "derramou" o Espírito do céu e, assim, "batizou" com o Espírito, primeiro os 120 e depois os 3 mil. A consequência desse batismo do Espírito foi que "todos ficaram cheios do Espírito Santo" (At 2.4). Portanto, a plenitude do Espírito foi a consequência do batismo do Espírito. O batismo é o que Jesus fez (ao derramar seu Espírito do céu); a plenitude foi o que eles receberam.

 

O batismo foi uma experiência inicial única; a plenitude, porém, Deus queria que fosse contínua, o resultado permanente, a norma. Como acontecimento inicial, o batismo não pode ser repetido nem pode ser perdido, mas o ato de ser enchido pode ser repetido e, no mínimo, precisa ser mantido. Quando a plenitude não é mantida, ela se perde. Se foi perdida, pode ser recuperada. O Espírito Santo é "entristecido" pelo pecado (Ef 4.30) e deixa de empoderar o pecador. Nesse caso, o único meio de recuperar a plenitude é o arrependimento. Mesmo em casos em que não há indícios de que a plenitude foi perdida por causa de algum pecado, lemos que algumas pessoas foram novamente preenchidas, mostrando que uma crise ou um desafio diferente podem requerer um novo revestimento de poder do Espírito.

 

Uma comparação dos diversos textos do Novo Testamento que falam de pessoas que são "enchidas" ou "cheias" do Espírito Santo leva a crer que eles podem ser divididos em três grupos principais. Primeiro fica implícito que ser "cheio" ou "enchido" era uma característica normal de cada cristão dedicado. Por isso, os sete homens que foram escolhidos para cuidar das viúvas na igreja de Jerusalém deveriam ser "cheios do Espírito", assim como deveriam ser "de boa reputação", "cheios de sabedoria" e "cheios de fé" (At 6.3, 5).

 

Creio que a "sabedoria" e a "fé" poderiam ser consideradas dons espirituais especiais. Porém, uma boa reputação dificilmente poderia ser algo fora do comum para os cristãos. Tampouco, penso eu, o fato de serem cheios do Espírito. De maneira semelhante, Barnabé é descrito como um "homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé" (At 11.24), e os recém-convertidos discípulos de Antioquia da Pisídia "transbordavam de alegria e do Espírito Santo" (At 13.52). Esses versículos parecem descrever o estado normal do cristão, ou, pelo menos, como Deus gostaria que ele fosse: uma vida cheia do Espírito!

 

Em segundo lugar, a expressão indica uma capacitação para um ministério ou cargo especial. Assim, João Batista seria "cheio do Espírito Santo, já do ventre materno", aparentemente como preparo para seu ministério profético (Lc 1.15-17). Da mesma forma, as palavras de Ananias a Saulo de Tarso, de que ele seria "cheio do Espírito Santo", parecem se referir à sua indicação como apóstolo (At 9.17; v. 22.12-15 e 26.16-23).

 

Em terceiro lugar, há ocasiões em que a plenitude do Espírito foi concedida para equipar não tanto um cargo vitalício (como apóstolo ou profeta, por exemplo), mas para uma tarefa imediata, especialmente numa emergência. Zacarias foi preenchido antes de profetizar (mesmo seu ofício sendo de sacerdote e não de profeta. Veja também sua esposa Isabel, Lc 1.5-8,41,67). A mesma coisa aconteceu com Pedro, antes de falar ao Sinédrio; com o grupo de cristãos em Jerusalém, antes de continuarem com seu ministério da palavra mesmo em face da perseguição emergente; com Estevão, antes de ser martirizado; e com Paulo, antes de repreender o mágico Elimas. Lemos que todos esses ficaram "cheios do Espírito Santo", provavelmente para capacitá-los a enfrentarem a situação com que se defrontavam (At 4.8, 31, 7.55, 13.9).

 

Resta a interessante referência quádrupla de Lucas ao Espírito Santo, no quarto capítulo do seu Evangelho, em conexão com o início do ministério público do nosso Senhor. Isso parece colocar sua experiência da plenitude do Espírito Santo em todas as três categorias. Lemos que Jesus retornou do Jordão "cheio do Espírito", e é natural concluirmos que esse era seu estado espiritual inalterável. Igualmente, a afirmação segue imediatamente seu batismo, no qual o Espírito desceu sobre ele (3.22) para "ungi-lo" e equipá-lo para seu ministério como Messias (4.14, 18). Em terceiro lugar, já que a história da tentação é iniciada e encerrada com referências ao Espírito Santo (4.1: "Foi guiado pelo Espírito, no deserto", e 4.14: "no poder do Espírito, voltou para a Galileia"), parece que o Senhor foi fortalecido de maneira especial pelo Espírito para essa emergência.

 

Junto com essas diversas descrições de pessoas cheias com o Espírito, seja como experiência constante, seja com um propósito específico, Efésios 5.18 contém a bem conhecida ordem a todos os cristãos para serem cheios, ou melhor, a estarem sempre enchendo-se (é um imperativo afirmativo) com o Espírito.

 

Não há, porém, afirmações ou mandamentos semelhantes no Novo Testamento em relação ao batismo do Espírito. A razão para isso, como já afirmei, é que ele é uma experiência inicial. Nenhum sermão ou carta dos apóstolos contém um apelo para que as pessoas se deixem batizar com o Espírito. Na verdade, todas as sete referências ao batismo com o Espírito no Novo Testamento estão no indicativo, estejam no aoristo, no presente ou no futuro; nenhuma delas é uma exortação, no imperativo. Porém, o fato de que há essas referências à plenitude do Espírito, descrevendo como alguns cristãos foram novamente preenchidos e ordenando a todos os crentes que se deixem encher sempre de novo, mostra que infelizmente é possível que cristãos, que foram batizados com o Espírito, deixem de ser cheios do Espírito.

 

Os cristãos de Corinto constituem uma advertência solene para nós nesse assunto. Na primeira carta que Paulo lhes escreve, transparece que todos eles tenham sido batizados com o Espírito Santo (12.13). Também tinham sido enriquecidos com todos os dons espirituais (1.4-7). Mesmo assim o apóstolo os chama de pessoas não espirituais, ou seja, que não estão cheias do Espírito. Ele deixa claro que a evidência da plenitude do Espírito não é a prática dos seus dons (eles tinham muitos), mas a produção de seu fruto, e isso lhes faltava. Paulo escreve que não podia chamá-los de pneumatikoi, cristãos "espirituais", mas somente de sarkinoi ou sarkikoi, cristãos "carnais", talvez bebês em Cristo.

 

Sua carnalidade ou imaturidade era tanto intelectual como moral. Ela se revelava em sua compreensão infantil, por um lado, e em sua inveja e competição, por outro (1Co 3.1-4). Eles tinham sido batizados com o Espírito, ricamente dotados pelo Espírito, mas não estavam cheios com o Espírito (pelo menos não na época em que ele os visitou e lhes escreveu). Você percebe que o apóstolo não faz diferença entre os que receberam o batismo do Espírito e os que não o receberam, mas entre cristãos "espirituais" e cristãos "carnais", ou seja, cristãos cheios do Espírito e cristãos dominados por sua natureza humana? Será que a condição dos cristãos de Corinto não é a mesma de muitos de nós hoje? Não podemos negar que, de acordo com a Escritura, fomos batizados com o Espírito por termos nos arrependido e crido, e nosso batismo de água significou e selou nosso batismo com o Espírito. Mas será que estamos cheios do Espírito? Essa é a questão.

 

Muitas pessoas não conseguiriam responder a essa pergunta. Não sabem nem se são cheias do Espírito, nem como é possível saber. E quando se deparam com o ensino de que o "dom de línguas" é o sinal indispensável de ter recebido o Espírito, concluem que nunca o receberam, ou, pelo menos, não em sua plenitude. Entretanto, a partir da Escritura não se pode provar que "línguas" sempre acompanham o recebimento do Espírito. De todos os grupos descritos em Atos que receberam o Espírito, somente três "falaram em línguas" (2.1-4, 10.44-46, 19.1-6). Dos outros grupos que receberam o Espírito não se diz isso, portanto seria especulação dizer que falaram.

 

Além disso, o apóstolo ensina categoricamente em 1 Coríntios que o dom de "línguas" é somente um entre muitos dons, que pode não ser concedido a todos os cristãos. Parece que não há bases sólidas para a distinção, que algumas pessoas tentaram fazer, entre as referências a "línguas" em Atos e em 1Coríntios 12 e 14, no sentido de que a primeira se refira ao "sinal" de línguas, que todos devem apresentar, e as outras o "dom" de línguas, recebido somente por alguns. Na verdade, alguns líderes de igrejas pentecostais e do movimento carismático têm aceito que "línguas" não são um sinal indispensável do dom do Espírito.

 

Então, qual é a evidência da plenitude do Espírito? Como é possível conseguir essa plenitude? Para podermos responder a essas perguntas, veremos primeiro duas passagens cruciais do Novo Testamento, para em seguida comentar dois problemas contemporâneos relacionados com esse ensino no Novo Testamento.

 

Apropriação contínua

 

A primeira passagem crucial enfatiza que, para continuarmos sendo cheios com o Espírito Santo, precisamos continuar indo ao Senhor Jesus. Estou me referindo às próprias palavras marcantes de Jesus, registradas em João 7.37-39, e que foram, e continuam sendo, de grande ajuda para nós: "No último dia, o grande dia da festa, Jesus se levantou e disse em voz alta: — Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva". João comenta essa afirmação. “Isso ele disse a respeito do Espírito que os que nele cressem haviam de receber; pois o Espírito até aquele momento não tinha sido dado, porque Jesus ainda não havia sido glorificado." O bispo J. C. Ryle escreveu: "Dizem que na Escritura há algumas passagens que merecem ser impressas em letras de ouro. Os versículos à nossa frente são um desses casos".

 

Foi no último dia da Festa dos Tabernáculos (Jo 7.2), o clímax dos sete dias da festa. Um dos rituais coloridos da festividade era que a cada manhã uma procissão solene, guiada por um sacerdote que levava um jarro de ouro, dirigia-se ao tanque de Siloé para buscar água, que depois era derramada como libação no lado esquerdo do altar. Parece que a compreensão geral era que essa cerimônia comemorava a providência miraculosa de Deus no deserto e simbolizava o futuro derramamento do Espírito, prometido pelo profeta Joel. Jesus usou esse ritual como seu texto. Ele ficou em pé com dramaticidade em algum lugar de destaque (geralmente ele sentava para ensinar, como os rabinos), e proclamou em voz alta que ele mesmo daria, a quem viesse, água em abundância para se beber.

 

O que será que ele quis dizer? Ele conjugou dois quadros. O primeiro é o de um viajante cansado e sedento, em paragens quentes. O sol arde impiedosamente sobre ele. Seu suprimento de água acabou. Sua boca está seca, seus lábios rachados, sua face incandescente e todo o seu corpo desidratado. Ele clama por água para matar sua sede. Este representa toda pessoa que está separada de Cristo, não importa quanto. O segundo quadro representa uma terra sedenta. O sol tropical torrou e endureceu o solo. Os leitos dos rios estão secos. Árvores e arbustos mirraram. Animais se lamentam porque não há pasto. A terra anseia por água. Assim é o mundo, a sociedade secular sem Deus, ressecada, insatisfeita, sedenta.

 

E então, o que é a água? João esclarece: "Isso ele disse com respeito ao Espírito". E João acrescenta: "Pois o Espírito até esse momento não fora dado". Suas palavras verdadeiras, traduzidas literalmente, são: "O Espírito ainda não era". Isso não pode significar que o Espírito não existia, nem que ele estava inativo, mas que ele ainda não tinha sido derramado em sua plenitude pentecostal, em rios de "água viva". Portanto, a água viva que mata a sede do viajante cansado e que irriga o mundo ressecado é a plenitude do Espírito Santo.

 

E como podemos experimentar essa plenitude que revigora, refrescante e que aplaca a sede? A resposta é: "Venha a mim e beba. Quem crer em mim..." São duas frases, mas somente uma condição. Não há diferença entre vir a Jesus e crer nele, porque vir a ele para beber significa vir a ele em fé. Acontece que os verbos (ter sede, vir, beber, crer) estão todos no tempo presente. Isso quer dizer que não devemos ir a Jesus somente uma vez, em arrependimento e fé, mas continuar indo e bebendo, porque continuamos a ter sede. Fazemos isso em sentido físico: sempre que estamos com sede, bebemos. Precisamos aprender a fazê-lo espiritualmente, também. O cristão está sempre com sede e sempre bebendo. E beber não é pedir água, mas realmente tomá-la. É muito simples. Beber é uma das primeiras coisas que uma criança recém-nascida aprende; na verdade ela o faz por instinto.

 

Depois, a água que foi bebida começa a fluir. Nós não conseguimos conter o Espírito que recebemos. William Temple escreveu: "Ninguém consegue possuir (ou ser habitado pelo) o Espírito de Deus e guardar este Espírito para si. Onde o Espírito está, ele transborda; onde ele não transborda, ele não está". Não podemos falar de plenitude do Espírito se não há interesse e envolvimento em atividades evangelísticas.

 

Além disso, preste atenção na disparidade que há entre a água que bebemos e a água que transborda. Conseguimos beber somente pequenos goles, mas à medida que continuamos vindo, bebendo, crendo, pela atuação poderosa do Espírito Santo em nós, nossos pequenos goles são multiplicados em uma confluência poderosa de correntezas caudalosas: "rios de água viva" fluirão de nós. Esse é o transbordamento espontâneo dos cristãos cheios do Espírito, para a bênção de outras pessoas. Todavia, não existe nenhum meio de garantir um fluxo de entrada e saída de água constante, a não ser a ida a Jesus e o beber permanente. Isso porque a plenitude do Espírito deve ser apropriada continuamente pela fé.

 

Evidências da plenitude do Espírito

 

A segunda passagem crucial do Novo Testamento dá ênfase à evidência da plenitude do Espírito, apesar de também incluir uma ordem de ser cheio desse mesmo Espírito, que precisamos estudar com cuidado. Quais são as características de uma pessoa cheia do Espírito de Deus hoje? A principal evidência é moral, e reside no fruto do Espírito, não nos dons do Espírito. Já tivemos a oportunidade de constatar que os coríntios, que tinham sido batizados com o Espírito e haviam sido ricamente dotados dos dons do Espírito, mesmo assim provaram ser cristãos "não espirituais", porque lhes faltava a qualidade moral do amor (1Co 3.1-4). Eles se vangloriavam de uma certa plenitude, o que fez Paulo escrever-lhes com um toque de sarcasmo: "Já estão fartos" (cheios, 4.8)!

 

Mas não era a plenitude do Espírito Santo. Se eles estivessem cheios do Espírito, obviamente teriam estado cheios de amor, o primeiro fruto do Espírito (Gl 5.22). O amor é o poderoso elo entre o fruto e os dons do Espírito. Essa plenitude não ocorre somente porque sem amor os dons são sem valor (1 Co 13), mas também porque o amor requer os dons como equipamento necessário para poder servir a outros.

 

No único trecho em suas cartas onde o apóstolo Paulo descreve as consequências da plenitude do Espírito, elas são todas qualidades morais. Essa passagem é Efésios 5.18-21: “E não se embriaguem com vinho, pois isso leva à devassidão, mas deixem-se encher do Espírito, falando entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando com o coração ao Senhor, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo.”

 

No texto grego esse trecho tem dois verbos na forma imperativa ("não se embriaguem com vinho"; "deixem-se encher do Espírito"), dos quais dependem quatro verbos que estão no gerúndio (literalmente: "falando", "cantando e fazendo melodias", "agradecendo" e "se submetendo"). Em outras palavras, a ordem única de ser cheio do Espírito é seguida de quatro consequências descritivas da plenitude do Espírito Santo.

 

A ordem de ser cheio é contrastada diretamente com a outra ordem de não se embriagar. A partir daí, algumas pessoas deduziram rapidamente que embriaguez e a plenitude do Espírito podem ser comparadas. Elas dizem que a plenitude do Espírito é um tipo de embriaguez espiritual; que o apóstolo estaria contrapondo dois estados de embriaguez: física, através do vinho; e espiritual, pela plenitude do Espírito. Não é esse o caso. É verdade que um bêbado está "sob a influência do álcool" e que, de maneira semelhante, pode-se dizer que um crente cheio do Espírito esteja sob o controle do Espírito.

 

Também é verdade que no dia de Pentecoste, quando o Espírito concedeu aos 120 que falassem publicamente em outras línguas, alguns da multidão comentaram: "Estão embriagados" (At 2.13). Porém, os que disseram isso evidentemente eram uma minoria; eles acharam que os discípulos estivessem bêbados porque não conseguiam entender nenhuma das línguas faladas; a maioria reagiu com surpresa, ao ouvir os galileus falarem de maneira inteligível idiomas nativos da Asia e da África que a multidão podia entender.

 

Portanto, é um erro crasso supor que esses primeiros crentes cheios do Espírito estavam em um tipo de transe alcoólico, ou que esse estado devesse ser um padrão das experiências da plenitude do Espírito. Paulo tem exatamente o oposto em mente. Há uma implicação clara em Efésios 5.18 de que a embriaguez e a plenitude do Espírito não podem ser comparadas assim, porque a embriaguez é vista como "dissolução" ou "desgraça" (NTLH). A palavra grega asotia, que em suas duas outras menções no Novo Testamento é traduzida também por "devassidão" (Tt 1.6; 1Pe 4.4), literalmente descreve uma situação em que a pessoa não consegue mais "salvar-se" ou controlar-se. Paulo escreve que a embriaguez envolve uma perda de controle, e por isso deve ser evitada.

 

No outro extremo, é dito claramente em Gálatas 5.23 que parte do fruto do Espírito é domínio próprio (enkrateia)! As consequências da plenitude do Espírito, que o apóstolo passa a descrever, devem se manifestar em um relacionamento inteligente, controlado e saudável com Deus e com as outras pessoas.

 

É verdade que podemos concordar que tanto na embriaguez como na plenitude do Espírito há duas grandes forças nos influenciando interiormente, o álcool em nossa corrente sanguínea e o Espírito Santo em nosso coração. Todavia, o álcool em excesso conduz a um comportamento incontrolado e irracional, que transforma o bêbado num animal; a plenitude do Espírito, por sua vez, leva a um comportamento moral, controlado e racional, que transforma o cristão na imagem de Cristo. Portanto, os resultados de estar sob a influência do álcool, por um lado, e do Espírito Santo de Deus, por outro, são total e completamente diferentes. Um nos transforma em animais, o outro, no ser humano ideal, Cristo.

 

Agora temos condições para analisar os quatro resultados benéficos, e, com isso, obter evidências objetivas sólidas da plenitude do Espírito. Esses resultados tornam-se visíveis no relacionamento. A plenitude do Espírito não é tanto uma experiência mística particular, quanto um relacionamento moral com Deus e as pessoas ao nosso redor.

 

O primeiro resultado é "falando". A tradução "entre vocês" não deve ser entendida como se as pessoas cheias do Espírito começassem a falar consigo mesmas, como se sua mente estivesse anuviada! A tradução "uns aos outros" (NTLH) transmite melhor o sentido. Na passagem paralela em Colossenses (3.16) o apóstolo incentiva seus leitores a deixarem a palavra de Cristo habitar ricamente neles, para que possam "instruir e aconselhar-se mutuamente em toda a sabedoria".

 

É bastante interessante o fato de que a primeira evidência de ser cheio do Espírito é falarmos uns aos outros. Mas isso não deve nos surpreender, já que o primeiro fruto do Espírito é o amor. Por mais profunda e íntima que nossa comunhão com Deus possa parecer, não podemos dizer que estamos cheios do Espírito se, porventura, não conseguimos falar com algum irmão. O primeiro sinal da plenitude é a comunhão. Mas ainda, é comunhão espiritual, porque falamos uns aos outros não com tagarelice mundana, mas "com salmos, hinos e cânticos espirituais".

 

É claro que isso não pode significar que o meio de comunicação normal entre crentes cheios do Espírito seja a música! Antes, significa que a verdadeira comunhão se expressa no culto conjunto. Um bom exemplo é o Sl 95. Falando especificamente, o salmo não é de adoração, porque não é dirigido a Deus, mas à congregação: "Venham, cantemos ao Senhor." Essa é uma ocasião em que pessoas pertencentes a Deus falam umas às outras com um salmo, incentivando-se mutuamente a adorarem seu Senhor.

 

Isso nos conduz ao segundo resultado da plenitude do Espírito, que é "cantando e fazendo melodias" para o Senhor. O Espírito Santo adora glorificar o Senhor Jesus, manifestando-o ao seu povo de uma maneira em que eles se regozijem em cantar louvores a ele. Pessoas sem aptidão musical, às vezes, recebem conforto pela exortação que diz pra cantarmos ao Senhor "com o coração". Essa terminologia dá a impressão de que seu júbilo pode ser integralmente interior, dirigido somente "aos ouvidos do Senhor" (J. B. Phillips)! Porém, a tradução "de (todo o) coração" provavelmente é mais correta. O coração não é o lugar, mas a maneira como estamos cantando. O apóstolo nos exorta a não ficarmos em silêncio, mas a adorarmos sem preconceitos.

 

Em terceiro lugar, devemos dar "sempre graças por tudo". Muitos cristãos dão graças às vezes, por algumas coisas; crentes cheios do Espírito agradecem sempre, por todas as coisas. Não existe hora nem circunstância pelas quais eles não agradecem. Eles o fazem "em nome de nosso Senhor Jesus Cristo", isto é, porque são um com Cristo, e "a nosso Deus e Pai", porque o Espírito Santo testemunha a seu espírito que eles são filhos de Deus, e que seu Pai é integralmente bom e sábio.

 

A murmuração, um dos pecados costumeiros de Israel, é um pecado grave porque é um sintoma de descrença. Sempre que começarmos a reclamar e a nos queixar, isso é um sinal claro de que não estamos cheios do Espírito. Sempre que o Espírito Santo domina os crentes, eles agradecem ao seu Pai celestial a toda hora, por tudo.

 

Vimos que os segundo e terceiro sinais da plenitude do Espírito são relacionados a Deus – cantando ao Senhor e dando graças ao Pai. O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto de louvor com o Pai e o Filho. O crente cheio do Espírito não tem dificuldades práticas com a doutrina da Trindade. Os terceiro e quarto sinais, entretanto, têm a ver com nosso relacionamento com as outras pessoas: falando uns aos outros, e agora sujeitando-se uns aos outros.

 

O apóstolo continua mostrando que a submissão é a obrigação específica de uma esposa diante de seu marido, de filhos diante de seus pais e de empregados diante de seus empregadores, mas ele começa dizendo que ela é a obrigação geral de todos os cristãos uns diante dos outros (o que inclui maridos, pais e empregadores). A submissão humilde é uma parte tão importante do comportamento cristão que o verbo aparece 32 vezes no Novo Testamento. A marca registrada no cristão cheio do Espírito não é a autoafirmação, mas a auto submissão.

 

É verdade que, às vezes, quando um princípio teológico ou moral fundamental está em jogo, não podemos ceder. Paulo deu um exemplo destacado dessa necessidade de firmeza quando se opôs a Pedro, numa confrontação direta e pública, em Antioquia (Gl 2.11-14). Porém, precisamos sempre tomar cuidado para que nossa firmeza aparente, em um princípio, não seja uma exibição desagradável de orgulho. É sábio desconfiar de nossa indignação justa; geralmente há nela mais que alguns traços de vaidade injusta. O teste está nas últimas palavras da frase: "No temor de Cristo". Nossa obrigação primordial é submissão reverente e humilde ao Senhor Jesus. Devemos nos submeter aos outros somente até ao ponto exato em que nossa submissão a eles não implicar em deslealdade a Cristo.

 

Essas são os resultados venturosos da plenitude do Espírito. As duas principais áreas em que essa plenitude se manifesta são culto e comunhão. Se estivermos cheios do Espírito, estaremos louvando a Cristo e agradecendo a nosso Pai, e estaremos falando e submetendo-nos uns aos outros. O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto com Deus e as pessoas. Devemos procurar a principal evidência da plenitude do Espírito Santo nessas qualidades e atividades espirituais. Essa é a ênfase do apóstolo quando trata desse assunto em suas cartas aos efésios e coríntios, bem como quando especifica o "fruto do Espírito" em sua carta aos gálatas.



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