O melhor e mais importante dom do evangelho é ganharmos a Cristo. “Considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu
Senhor. Por causa dele perdi todas as coisas e as considero como lixo, para ganhar
a Cristo” (Fp 3.8). Mas muitas vezes transformamos o amor de Deus e o evangelho de Cristo em uma aprovação divina de nosso deleite em coisas menos importantes,
especialmente o deleite de sermos considerados importantes. Você se sente mais
amado porque Deus o trata com muito valor ou porque, ao custo de seu Filho, Deus
o capacita a regozijar-se em considerá-lo importante? A sua felicidade depende de
ver a cruz de Cristo como uma testemunha de como você é valioso ou como um meio de experimentar o quanto Deus é importante? A glória de Deus em Cristo é
o fundamento de sua felicidade?
Nossa cultura e nossas igrejas estão permeadas por uma visão de amor entralizada
no ser humano. Desde o tempo em que as crianças começam a dar os primeiros
passos, ensinamos a elas que sentir-se amado significa ser considerado muito importante. Temos construído todas as nossas filosofias de educação ao redor deste ponto de vista sobre o amor: “Se você não me trata como alguém importante, não está me amando”. Se o desfrutar de Deus mesmo não é o melhor e mais sublime dom do amor, então Deus é nosso maior tesouro? Alegamos que louvamos a Deus por causa de seu amor por nós; mas, se o amor de Deus por nós é, na verdade, o fato de Ele nos considerar importantes, quem realmente está sendo adorado? Ou seja, como podemos ter verdadeiro gozo se o fato de sermos considerados importantes tem sido o centro de nosso bem-estar e felicidade?
Ora, Deus é o próprio evangelho. O bem-estar da alma e a felicidade abundante não resultam de contemplarmos um grande “eu”, e sim de contemplarmos a glória de Deus. Paulo se referiu ao esplendor de Deus como “luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4). E mais adiante Paulo acrescenta: “ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo” (v. 6). Assim, o bem supremo do evangelho, sem o qual nenhuma outra dádiva seria de fato boa, é a glória de Deus na face de Cristo, revelada para nosso gozo eterno.
Uma pergunta crucial poderia ser feita: se você pudesse estar no céu, sem doenças,
com todos os amigos que tinha na terra, com toda a comida de que gostava, com todas as atividades relaxantes de que já desfrutou, todas as belezas naturais que já
contemplou, todos os prazeres físicos que já experimentou, nenhum conflito humano ou desastres naturais, você ficaria satisfeito com o céu, se Cristo não estivesse lá? Ou seja, será que temos deixado de ver o amor de Deus como a dádiva
dele mesmo para considerar esse amor como um espelho que reflete aquilo que nós gostamos de ver? Será que as pessoas de nossas igrejas estão sendo preparadas para o céu, onde Cristo mesmo, e não os seus dons, será o deleite supremo? Se estão despreparadas para isso, elas realmente irão ao céu? Não é a fé que nos leva
ao céu a antecipação do banquete de Cristo?
Ora, quando celebramos o evangelho de Cristo e o amor de Deus, e enaltecemos o dom da salvação, é preciso fazê-lo de um modo que as pessoas vejam, por meio disso, o próprio Deus, e não um conjunto de proposições a respeito dele apenas. Como o salmista disse: “os que amam a tua salvação digam sempre: ‘Deus seja engrandecido!’” (Sl 70.4); “o SENHOR é a porção da minha herança e o meu cálice” (Sl 16.5); “por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42.1-2). Na mesma direção, Paulo escreveu: “temos tal confiança e preferimos deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.8); “estou cercado pelos dois lados, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23).
Uma pessoa que ouve boas notícias anuncia o que ouviu. “Evangelho” significa "boas-novas”, que existem exatamente para serem proclamadas! A palavra traduzida por “evangelho” no NT é euangelion, que é formada de um prefixo que significa "bom” ou “alegre” e de um radical que significa “mensagem” ou “notícia”. Essa palavra foi usada no mundo do NT para expressar “uma mensagem de vitória, mas também foi usada com referência a mensagens pessoais ou políticas que traziam alegria” (Ulrich Becker). Em um período da história em que não havia imprensa, rádio ou televisão, o mensageiro que trazia as boas notícias as entregava pessoalmente, na forma de proclamação. Elas tinham consigo um sentimento de celebração, e o mensageiro exultava com as notícias que trazia. Em nossos dias, é fácil perdermos o sendo de admiração e maravilhamento diante da qualidade das boas novas do evangelho. Basta lembrar como o evangelho foi anunciado aos pastores pelo anjo: “Não tenham medo! Estou aqui para lhes trazer boa-nova de grande alegria, que será para todo o povo: é que hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.10-11). Nada semelhante a isso havia acontecido antes na história!
Imaginemos prisioneiros de guerra detidos em um acampamento cercado de arame farpado, pouca alimentação e condições insalubres quase no fim da Segunda Guerra Mundial (Ray Bakke). Do lado de fora, aqueles que os capturaram estão livres e fazem seus negócios como se não tivessem qualquer preocupação. De repente, uma mensagem de rádio chega clandestinamente em uma das barracas, e os que estão do lado de fora veem os que estão dentro da cerca sorrindo e dando alguns gritos, embora estejam fracos, e alguns à beira da morte. O que torna isso bastante estranho para os que se acham do lado de fora é que aparentemente nada mudou. Mas o que os soldados não sabem é que os prisioneiros souberam que as tropas libertadoras venceram os opositores e estão perto do acampamento, sendo que a libertação é iminente. Assim, os crentes ouviram as novas de que Cristo veio ao mundo e travou a batalha decisiva, para vencer Satanás, a morte, o pecado e o inferno. A guerra acabará em breve; e já não há dúvida a respeito de que será o vencedor. Cristo vencerá e libertará todos aqueles que puseram a sua esperança nele. As boas-novas não dizem que o inferno, a morte, o pecado e o sofrimento não existem. As boas-novas afirmam que o próprio Rei veio, e esses inimigos foram vencidos, e, se cremos no que Ele fez e promete, escaparemos da sentença de morte, veremos a glória de nosso Libertador e viveremos com Ele para sempre.
Essas novas nos enchem de esperança e gozo (Rm 15.13), nos libertam da auto-piedade e nos capacitam a amar aqueles que sofrem. Nesse amor sustentado pela esperança, Deus nos ajudará a perseverarmos até que soe a trombeta final de libertação, e o campo de aprisionamento seja transformado em uma “nova terra” (2Pe 3.13).
Mas o evangelho não é apenas a boa-nova proclamada; ele também é doutrina, que significa ensino, explicação, esclarecimento. A doutrina do evangelho é importante porque as boas-novas são tão ricas, abundantes e maravilhosas, que têm que ser abertas como um cofre de tesouro; e todas as suas preciosidades expostas para o gozo do mundo. A doutrina guarda os diamantes do evangelho de serem rejeitados como meros cristais. Ela protege os tesouros do evangelho dos piratas que não gostam de diamantes e ganham a vida negociando-os por outras pedras. “Em todo o tempo, a doutrina faz tudo isso com sua cabeça curvada em admiração de que lhe tenha sido permitido falar sobre as coisas de Deus. Sussurra louvores e agradecimentos, enquanto lida com os diamantes do Rei. Seus dedos tremem ante a preciosidade daquilo que está manuseando. Orações ascendem em busca de ajuda, para que nenhuma pedra seja minimizada ou colocada no lugar errado. E, de joelhos, a doutrina do evangelho sabe que serve ao mensageiro. O evangelho não é principalmente a respeito de algo a ser explicado. A explicação é necessária, mas não é primária. Uma carta de amor tem de ser inteligível, mas a gramática e a lógica não são o ponto principal. O amor é o ponto principal. O evangelho é boas-novas. A doutrina serve ao evangelho. A doutrina serve àqueles cujos pés são machucados, e formosos, por andar em lugares ainda não alcançados com as novas: “Venham, façam as novas de Deus! Ouçam o que Deus tem feito! Ouçam! Entendam! Prostrem-se! Creiam!” (John Piper).
Como a Bíblia define o evangelho? Ela usa o substantivo euangelio 77 vezes, e o verbo euangelizo, 77 vezes. O evangelho inclui:
1. As boas-novas de que existe um Deus vivo, que criou o céu e a terra: “Senhores, por que estão fazendo isso?... anunciamos o evangelho a vocês para que se convertam destas coisas vãs ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há” (At 14.15);
2. A verdade de que Ele é o Rei do universo que agora, por meio de Cristo, exerce sua autoridade imperial no mundo, por amor do seu povo. “Quão formosos são sobre os montes os pés do que anuncia boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: ‘O seu Deus reina!’”(Is 52.7). O governo soberano de Deus é essencial ao evangelho. Marcos 1.14-15: “Jesus foi para a Galileia, pregando o evangelho de Deus. Ele dizia: - O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependam-se e creiam no evangelho.” O reino de Deus irrompeu neste mundo a fim de endireitar as coisas por amor ao povo dele. Num mundo tão cheio de aflição e pecado, simplesmente não pode haver boas-novas se Deus não se introduz com autoridade real;
3. A verdade de que a chegado do reino de Deus e a chegada de Jesus eram a mesma coisa. “Quando, porém, deram crédito a Felipe, que os evangelizava a respeito do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, iam sendo batizados, tanto homens como mulheres” (At 8.12). Jesus era o tão esperado “Filho de Davi”, o Rei prometido (Rm 1.1-3’Lc 2.10-11);
4. Jesus se tornou o nosso Salvador morrendo na cruz pelos nossos pecados (Mc
10.45; Lc 22.20; Jr 31.34). “Venho lembrar-lhes o evangelho que anunciei a vocês,
o qual vocês receberam e no qual continuam firmes. Por meio dele vocês também são salvos... que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15.1-3). O
Messias veio para morrer pelos nossos pecados, e não pelos seus próprios, porque
não podíamos pagar essa dívida. “Ao irmão, verdadeiramente, ninguém o pode remir, nem pagar por ele a Deus o seu resgate – pois a redenção da alma deles é caríssima, e cessará a tentativa para sempre... Mas Deus remirá a minha alma do
poder da morte, pois ele me tomará para si” (Sl 49.7-8, 15);
5. Jesus ressuscitou (1Co 15.17; 2Tm 2.8);
6. O evangelho é promessa do Espírito (“batismo com o Espírito”, Lc 3.16, 18). O Espírito será para nós a presença e o poder do próprio Cristo (Jo 14.17-18; At 1.8). O Espírito é o penhor, a garantia da plenitude de gozo que conheceremos em perfeita comunhão com o Pai e o Filho, na era vindoura (2Co 1.22; 5.5). No final, o que torna o evangelho em boas-novas é o gozo da glória de Deus em Cristo. O Espírito Santo nos dá a experiência presente desse gozo;
7. Promessa de salvação para todos os que creem (Ef 1.13; Rm 1.16);
8. Quando Jesus curava enfermos, expulsava demônios, ressuscitava mortos e socorrias os pobres, estava demonstrando o que tornava o evangelho do reino em boas-novas (Mt 4.23; Lc 4.18);
9. Paz com Deus e com os outros (At 10.36; Ef 6.15; Rm 5.10; 2Co 5.18; Ef 2.14- 18);
10. Vida eterna (2Tm 1.10);
11. O evangelho do reino não seria boas-novas se o Rei não governasse entre todos os povos (Gl 3.8, 16; Ef 3.6);
12. O evangelho da graça de Deus: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, desde que eu complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24; 14.3; 20.32). A graça é o oposto da iniciativa ou mérito humanos. “Se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.5-6). Antes que tivéssemos feito qualquer coisa boa ou má, Deus nos escolheu em Cristo. “Antes da fundação do mundo, Deus nos escolheu, nele... para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.4-6);
13. A morte de Jesus em nosso lugar foi o ato de graça de Deus que nos tornou justos aos olhos de Deus todos os atos de graça (2Co 8.9; Hb 2.9; Pv 17.15; Rm
3.26). Deus é justo em ser gracioso no evangelho;
14. A graça de Deus é o alicerce de toda boa promessa (2Tm 1.9). Respondemos
por fé não porque nossa vontade era submissa por natureza; pelo contrário, a graça
de Deus nos capacitou a crer (Ef 2.8; 1Tm 1,14*; At 18.27; Rm 3.24; Tt 3.7; Ef
1.7; At 15.11; 2Co 9.8; 12.9; 1Co 15.10; Hb 4.16; 2Ts 2.16; 1.12; Rm 8.32).
Os eventos preciosos do evangelho e as bênçãos do evangelho, porém, não são
suficientes para tornar boas as boas-novas. O supremo bem é o próprio Deus, experimentado em sua glória. Focalizar as facetas do diamante e não ver toda a sua
beleza é aviltante para o diamante. Se os ouvintes do evangelho não veem a glória
de Cristo, a imagem de Deus, em todos os acontecimentos e dons do evangelho,
eles não veem o que realmente torna boas a boas-novas. Enquanto os acontecimentos da Sexta-Feira da Paixão e da Páscoa, bem como as promessas de
justificação e vida eterna não o levarem a enxergar e a aceitar a Deus mesmo como
seu maior gozo, você não terá abraçado o evangelho. As bênçãos de Deus nos foram dadas para que contemplemos a glória dele em Cristo, a fim de nos tornarmos o tipo de pessoa que se deleita em Deus acima de todas as coisas.
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