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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Deus é o evangelho - Parte II

No Sermão anterior, vimos que o melhor e mais importante dom do evangelho é ganharmos a Cristo. “Considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele perdi todas as coisas e as considero como lixo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8). Porém, muitas vezes, transformamos o amor de Deus e o evangelho de Cristo em uma aprovação divina de nosso deleite em coisas menos importantes, especialmente o deleite em sermos considerados importantes. Você se sente mais amado porque Deus o trata com muito valor, ou porque, ao custo de seu Filho, Deus o capacita a regozijar-se nele? A glória de Deus em Cristo é o fundamento de sua felicidade?


Nós costumamos alegar que louvamos a Deus por causa de seu amor por nós; mas, se o amor de Deus por nós é, na verdade, o fato de Ele nos considerar importantes, podemos perguntar: quem realmente está sendo adorado? O fato de sermos considerados importantes tem sido o centro de nosso bem-estar e felicidade? Uma pergunta crucial foi feita na semana passada: se você pudesse estar no céu, sem doenças, com todos os amigos que tinha na terra, com toda a comida de que gostava, com todas as atividades relaxantes de que já desfrutou, todas as belezas naturais que já contemplou, todos os prazeres físicos que já experimentou, nenhum conflito humano ou desastres naturais, você ficaria satisfeito com o céu, se Cristo não estivesse lá?


Na verdade, o que torna boas-novas todos os acontecimentos da Sexta-Feira da Paixão e da Páscoa é o fato de que eles nos levam a Deus: “Cristo padeceu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir vocês a Deus” (1Pe 3.18). E, quando chegarmos no céu, será Deus mesmo quem satisfará nossa alma para sempre. Todas as outras manifestações do evangelho têm o propósito de revelar a glória de Deus e remover cada obstáculo em Deus (tal como a ira) e em nós (a rebeldia), de modo que possamos desfrutar Deus para sempre. Além de Deus mesmo, nada pode tornar o evangelho em boas-novas! Enquanto as pessoas não desfrutarem o evangelho como o meio para se chegar a Deus, elas poderão estar desfrutando o evangelho de maneira equivocada.


Poucos aspectos do evangelho são mais importantes do que a doutrina da justificação pela fé em Jesus Cristo. Ela sustenta que a nós foi imputada a justiça de Cristo, mediante a fé, sem as obras da lei. “O Juiz declara que os pecadores culpados estão isentos de punição e são justos aos olhos dele. A ‘grande troca’ não é uma ficção jurídica, um fingimento arbitrário, um simples jogo de palavras, e sim uma realização de alto custo” (J. I. Packer). Ora, essa afirmação é feita em 2Co 5.21: “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que, nele, fôssemos feito justiça de Deus”. Lutero, que chamou a doutrina da justificação de “a crença que determina se uma igreja fica de pé ou cai”, afirmou: “Cristo tomou sobre si todo o nosso pecado, morrendo por eles na cruz... eles são justos porque creem em Cristo, cuja justiça cobre-os, sendo imputada a eles”.


Mas por que saber que seus pecados estão perdoados é boas-novas para você? Alguém pode responder: “Porque não quero ir para o inferno”; outro pode dizer “porque uma consciência culpada é algo terrível, que nos faz adoecer”; e mais um pode responder “quero ir para o céu para fugir deste mundo, e reencontrar alguém querido para mim”. Ora, essas respostas equivalem a querer estar com Deus? Por isso, a justificação pela fé não é um fim em si mesma, nem o perdão dos pecados, nem a imputação da justiça de Cristo, nem a entrada no céu, nem a cura de enfermidades, nem o ser livre do pecado e do inferno, nem a própria vida eterna. Nenhuma dessas faces do diamante do evangelho é o bem primordial e mais sublime alvo do evangelho.


Um exemplo pode ser pensado. Erro com a minha esposa logo cedo pela manhã, e acabamos brigando. O que é preciso fazer? Desculpar-me e pedir perdão. Mas por que quero o perdão da minha esposa? Para que ela faça o meu café ainda melhor em seguida? Para que meus sentimentos de culpa desapareçam, e eu me sinta melhor assim? Para que nossos filhos não nos vejam em desarmonia? Para termos uma melhor relação sexual à noite? Na verdade, eu quero ser perdoado para ter de volta aquela agradável comunhão com a minha esposa. Ela mesma é a razão por que eu desejo ser perdoado. Cristo não morreu em favor dos pecadores para que esses prossigam valorizando qualquer coisa que não seja o próprio Deus. E as pessoas que seriam felizes no céu sem a presença de Cristo talvez, de fato, não estarão no céu.


Vejamos o que o profeta Isaías nos diz: “Ó Sião, você que anuncia boas-novas, suba a um alto monte! Ó Jerusalém, você que anuncia boas-novas, levante a sua voz fortemente! Levante-a, não tenha medo. Diga às cidades de Judá: ‘Eis aí está o seu Deus!’” (Is 40.9). Moisés havia rogado por isso, enquanto instava pela presença de Deus na peregrinação à terra prometida. Ele disse: “Peço que me mostres a tua glória” (Êx 33.18). O rei Davi expressou no Salmo 27 a singularidade dessa bênção – “Uma coisa peço ao SENHOR e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR” (v. 4). Em outro Salmo, Davi se expressa: “ó Deus, tu és o meu Deus; eu te busco ansiosamente. A minha alma te sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta e sem água. Assim, quero ver-te no santuário, para contemplar a tua força e a tua glória. Porque a tua graça é melhor do que a vida; os meus lábios te louvam” (Sl 63.1-3).


Sabemos que ver a Deus é impossível em dois sentidos. Primeiro, moralmente, porque não somos bons o suficiente em nossa condição decaída, e seríamos consumidos no fogo da santidade de Deus (Êx 33.20-23). O outro sentido é que nós não somos como Deus, pois Ele é “o único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem ninguém jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (1Tm 6.16). Assim, a contemplação de Deus no AT era mediada: pelas suas obras (Sl 77.11-13), em formas visionárias (Ez 1.28), na natureza (Sl 19.1), nos anjos (Jz 13.21-22), e por meio de sua palavra: “O SENHOR continuou a aparecer em Siló, porque em Siló o SENHOR se manifestava a Samuel por meio da palavra do SENHOR” (1Sm 3.21).


Ou seja, estava por vir o dia em que a glória do Senhor seria revelada e vista de uma maneira diferente. Essa era a grande esperança e expectativa do AT. Vejamos o que diz Isaías: “Uma voz clama: ‘No deserto preparem o caminho do SENHOR! No ermo façam uma estrada reta para o nosso Deus! Todos os vales serão levantados, e todos os montes e colinas serão rebaixados; o que é tortuoso será retificado, e os lugares ásperos serão aplanados. A glória do SENHOR se manifestará, e toda a humanidade a verá, pois a boca do SENHOR o disse” (Is 40.3-5; 60.1-3; 66.18). Esse tempo despontou com a vinda de Jesus: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... E o Verbo se faz carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.1, 14). Foi o que Jesus disse a Marta: “- Eu não disse a você que, se cresse, veria a glória de Deus?” (Jo 11.40)


A glória do Senhor surgiu no mundo com maior plenitude do que os profetas imaginaram (1Pe 1.10-11). Um exemplo é o que Jesus disse a Filipe: “- Há tanto tempo estou com vocês, Filipe, e você ainda não me conhece? Quem vê a mim vê o Pai. Como é que você diz: ‘Mostre-nos o Pai’? Você não crê que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu digo a vocês não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras” (Jo 14.9-10). Esse é motivo pelo qual Paulo chamou Jesus de “o Cristo... o qual é sobre todos, Deus bendito para sempre. Amém!” (Rm 9.5)


Mas houve pessoas que viram a Jesus, mas não viram a glória de Deus. Viram um glutão e bebedor de vinho (Mt 11.19), viram a Belzebu (Mt 10.25), e viram um impostor (Mt 27.63). Disse Jesus: “Vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem” (Mt 13.13). A glória de Deus na vida e ministério de Jesus não era a glória ofuscante que veremos quando Jesus vier, pela segunda vez, com “seu rosto brilhante como o sol na sua força” (Ap 1.16; Lc 9.29). A glória de Jesus, em sua primeira vinda, era um conjunto incomparavelmente extraordinário de perfeições espirituais, morais, intelectuais, verbais e práticas que se manifestavam em um tipo de ensino humilde, realizador de milagres e incontestável, bem como em atitudes humildes que separavam Jesus de todos os homens. Em um sermão intitulado “A excelência de Cristo”, Jonathan Edwards usou como texto Apocalipse 5.5-6, onde Cristo é comparado tanto a um leão quanto a um cordeiro. Edwards argumentou que a glória singular de Cristo era tal que excelências diversas (leão e cordeiro) se uniam nele, de tal forma que “nos teriam parecido completamente incompatíveis”.


Assim, admiramos a Cristo por sua glória, porém o admiramos muito mais por sua glória estar mesclada com humildade. Admiramos a Cristo por sua transcendência, porém muito mais por estar acompanhada de condescendência. Admiramos a Cristo por sua justiça inflexível, porém mais porque ela é temperada com misericórdia. Admiramos a Cristo por sua igualdade com Deus, porém mais porque Ele tem profunda reverência por Deus. Admiramos a Cristo porque Ele era digno de todo o bem, mas mais ainda porque Ele era paciente para sofrer o mal. Admiramos a Cristo porque, com sua sabedoria, deixou perplexos os orgulhosos escribas, mas o admiramos ainda mais porque se mostrou simples o bastante para gostar das crianças e gastar tempo com elas. Admiramos a Cristo porque Ele usou seu poder para acalmar a tempestade, porém muito mais ainda porque se recusou a usar tal poder para ferir os samaritanos com fogo do céu (Lc 9.54-55), e se recusou a usar seu poder para livrar a si mesmo, descendo da cruz. A beleza e excelência de Cristo não é algo simples; é complexo. É a união, na mesma Pessoa, de um equilíbrio perfeito e proporção de qualidades diversas. Isso é o que torna Jesus Cristo singularmente glorioso.


Alguns viram Lázaro ressuscitado, mas não viram a glória de Deus. “O verdadeiro significado do que Jesus fez é acessível somente pela fé. Todos os que ali estavam viram o milagre. Mas Jesus prometera a Marta uma visão da glória” (Leon Morris). “O que Jesus pretendia comunicar era isto: que, se Marta apenas parasse de pensar a respeito do corpo e fixasse sua atenção nele, confiando plenamente nele (em seu poder e amor), ela veria o milagre como um verdadeiro sinal, uma ilustração e prova da glória de Deus refletida no Filho de Deus” (Hendriksen). “Muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que Jesus havia feito, creram nele. Outros, porém, foram até os fariseus e lhes contaram o que Jesus havia feito” (Jo 11.45-46).


A glória de Cristo não é um sinônimo de simples poder. A glória dele é uma beleza divina constituída de perfeições múltiplas. Para ver isso, é necessário haver uma mudança de coração. Disse Jesus: “Como podem crer, vocês que aceitam glória uns dos outros e não procuram a glória quem vem do Deus único?” (Jo 5.44) A condição egocêntrica natural do coração humano não pode crer, porque não pode ver a beleza espiritual. Não é uma incapacidade física, mas moral, porque o ser humano é tão absorvido em seu próprio “eu” que é incapaz de ver aquilo que condena o orgulho dele e lhe traz gozo por admirar outra Pessoa. Essa é a razão por que ver a glória de Cristo exige uma mudança espiritual profunda. Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (Jo 3.3).


Mesmo salvos, nossa capacidade espiritual de ver beleza em Cristo não é inabalável. É por isso que Paulo orou pelos efésios para que os “olhos dos seus corações” fossem iluminados (Ef 1.17-19). Existe um “ver espiritual”, e não somente um “ver da mente” ou um “ver físico”, que nos habilita a percebermos a “esperança do nosso chamamento”, a “riqueza da glória da herança de Deus” e a “suprema grandeza do seu poder”. O que Paulo quer é que vejamos a realidade espiritual e o valor dessas coisas, e não somente fatos concretos que os incrédulos também podem ler e repetir. Assim, o bem final do evangelho é vermos e experimentarmos o valor e a beleza de Deus. “Está aí o seu Deus” é a proclamação mais graciosa e o melhor dom do evangelho!

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