Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que ele está encoberto, nos quais o deus deste mundo cegou o entendimento dos descrentes, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus.
Porque não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo como Senhor e a nós mesmos como servos de vocês, por causa de Jesus.
Porque Deus, que disse: “Das trevas resplandeça a luz”, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo.
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que a excelência do poder provém de Deus, não de nós.
No Sermão passado, vimos que o bem final do evangelho é vermos e experimentarmos o valor e a beleza de Deus. “Está aí o seu Deus!”, em Isaías 40.9, é a proclamação mais graciosa e o melhor dom do evangelho! Porém, Jesus disse: “Como podem crer, vocês que aceitam glória uns dos outros e não procuram a glória quem vem do Deus único?” (Jo 5.44) A condição egocêntrica natural do coração humano impede o crer em Deus, porque, sendo pecadores, não conseguimos ver a beleza espiritual de Deus; não conseguimos enxergar fora de nós mesmos. Veja que conforme o texto que acabamos de ler (2Co 4.3-7), ver a glória de Deus em Cristo tem relação direta com o evangelho.
Paulo aqui define o evangelho como “evangelho da glória de Cristo” (v. 4). Ele afirma que esse “evangelho da glória de Cristo” emite uma “luz” – “a luz do evangelho da glória de Cristo”. E Paulo declara que Satanás não quer que vejamos essa luz. Ora, ver “a luz do evangelho da glória de Cristo” é o que liberta as pessoas do poder de Satanás. Basta lembrarmos da comissão de Cristo dada ao apóstolo Paulo, que foi enviado aos gentios para: “abrir os olhos deles e convertê-los das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus, a fim de que eles recebam remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (At 26.18). Em outras palavras, no ministério do evangelho os olhos dos espiritualmente cegos são abertos, a luz resplandece no coração, e poder da escuridão de Satanás é destruído, a fé é criada, o perdão dos pecados é recebido, e começa a santificação do crente.
No versículo 7, Paulo descreve a si mesmo como um vaso de barro que contém um poderoso evangelho: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que a excelência do poder provém de Deus, não de nós”. Assim, o ministério de Paulo não buscava exaltar a si mesmo. Aliás, Deus cuidou para que Paulo tivesse poucos motivos para se vangloriar. Aflições e fraquezas eram abundantes em sua vida (4.8-18). Mas isso não foi, nem é, um obstáculo ao brilho da glória do evangelho. “Porque não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo como Senhor e a nós mesmos como servos de vocês, por causa de Jesus” (v. 5).
Deus usa vasos fracos e afligidos para levarem “a excelência do poder” (v. 7) da “luz do evangelho da glória de Cristo” (v. 4). O que acontece quando esses vasos de barro pregam o evangelho e se oferecem como servos? “Porque Deus, que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo” (v. 6). Isso significa que no coração sob trevas e confuso do incrédulo, Deus faz o mesmo que fez na criação repleta de trevas e sem forma, no início de nosso mundo. Ele disse: “Haja luz”, e houve luz. De modo semelhante, Ele diz ao coração cego e sob escuridão: “Haja luz”, e a luz resplandece no coração do pecador. Nessa luz, vemos a glória de Deus na face de Cristo.
No versículo 4, Satanás cega a mente; no v. 6, Deus cria a luz no coração. O v. 4 descreve o problema; o v. 6, o remédio. Esses dois versículos são uma descrição da condição de todos os crentes antes da conversão e do que acontece na conversão, para se realizar a salvação. Assim, a conexão entre os versículos 4 e 6 traz luz sobre o significado crucial do termo “boas” na palavra boas-novas. O fato de Paulo não ter mencionado aqui os eventos da vida, morte e ressurreição de Cristo não significa que Paulo os deixou para trás. Isso está subentendido no texto. Ora, não há evangelho sem Cristo crucificado (1Co 15.1-4). Quando Paulo falou sobre o “evangelho da glória de Cristo”, ele queria dizer que os eventos do evangelho foram designados por Deus para revelarem a glória de Cristo. O evangelho não seria boas-novas se não revelasse a glória de Cristo para que a vejamos e experimentemos. É a glória de Cristo que satisfaz finalmente a nossa alma. Fomos criados para Cristo, e Ele morreu para que fossem removidos todos os obstáculos que nos impedem de vermos e experimentarmos o tesouro mais satisfatório do universo – ou seja, Cristo, que é a imagem de Deus.
O supremo valor da glória de Cristo revelada no evangelho é o que deixa Satanás tão furioso com o evangelho. Satanás não está interessado principalmente em causar-nos miséria. Seu principal interesse é fazer Cristo parecer ruim. Ele odeia Cristo e odeia a glória de Cristo. Ele fará tudo o que puder para impedir que as pessoas vejam a Cristo como glorioso. O evangelho é o instrumento de Deus para libertar as pessoas de se gloriarem em si mesmas, para se gloriarem em Cristo. Por isso, Satanás odeia o evangelho.
No versículo 4, Paulo afirma que Satanás cega as pessoas a fim de impedi-las de ver a “luz do evangelho”. Uma das maneiras é obstruir a pregação do evangelho (um alerta para nós!). Pregadores e missionários podem ser mortos ou presos (Ap 2.10), ou podem abandonar o ministério (2Tm 4.10), ou ainda podem abandonar a verdade para pregar “outro evangelho” (Gl 1.6-8; At 20.30). Porém, a maneira como Satanás impede as pessoas de verem a “luz do evangelho” no v. 4 não é obstruindo a pregação, mas sim a percepção espiritual. As palavras do evangelho são ouvidas, os fatos são compreendidos, mas não há “luz”. Significa que as pessoas que foram cegadas pensam sobre os fatos do evangelho, porém sem ver nele nenhuma beleza espiritual capaz de constrangê-las, nenhum tesouro, nada supremamente precioso. Elas podem até concordar que os fatos históricos são verdadeiros, mas elas não têm “o verdadeiro senso da excelência divina das coisas reveladas na Palavra de Deus e uma convicção de verdade e realidade dessas coisas” (Jonathan Edwards). “Aquele que é iluminado espiritualmente apreende e vê essa glória ou possui um senso dela. Ele não apenas crê de modo racional que Deus é glorioso, mas também possui um senso da glória de Deus em seu coração (Edwards, A Divine and Supernatural Light).
Não é possível ver “a luz do evangelho da glória de Cristo” e odiá-la ou rejeitá-la. Se alguém confessa que a rejeita, está “vendo-a” apenas da maneira como Satanás a vê e quer que a vejamos. Nesse caso, tal pessoa ainda está presa no poder cegador de Satanás. O tipo de “ver” que Satanás impede não é um ver neutro, que coloca a pessoa diante de uma refeição, que ela quer, ou não, comer. O tipo de cegueira para a luz que Satanás intenta (v. 4) e o tipo de “resplandecer a luz” que Deus cria (v. 6) é mais semelhante a um provar espiritual do que a um testar racional. Esse tipo de ver não é a inferência circunstancial de que “líquido marrom na garrafa com o favo tem que ser mel”. Ao contrário, esse “ver” é o conhecimento imediato de que é mel mediante o colocar um pouco do líquido na boca. Não existe uma série de argumentos que despertam a certeza da doçura. Isso é o que significa ver a luz. Se você é cego, alguém pode convencê-lo de que o Sol é brilhante. Mas essa persuasão não é aquilo sobre o que Paulo está falando. Quando os seus olhos são abertos – ou seja, quando Deus diz: “Haja luz!” – a persuasão possui outra natureza. Isso é o que acontece na pregação do evangelho. É o que acontece quando Deus remove, com poder criador, as trevas do coração humano.
Vejamos o que diz Jonathan Edwards a esse respeito: “Existe uma diferença entre ter uma opinião de que Deus é santo e glorioso e ter um senso da amabilidade e beleza desta santidade e graça. Existe uma diferença entre ter um julgamento racional de que o mel é doce e ter um senso de sua doçura... Quando o coração é sensível para com a beleza e a amabilidade de algo, ele sente necessariamente prazer na apreensão disto... o que é bem diferente de ter uma opinião racional de que aquele algo é excelente”. “Luz” no texto de Paulo é a “luz do evangelho” (v. 4) e a “iluminação do conhecimento” (v. 6). O que deve ser visto não é mera informação ou conhecimento, mas luz. E a luz recebe sua qualidade única do fato de que a luz do “evangelho da glória” e a luz do “conhecimento da glória” são uma única luz. Assim, a glória de Deus em Cristo, revelada por meio do evangelho, é uma luz verdadeira, objetiva, que precisa ser vista espiritualmente, para que haja salvação. Se não for vista – provada espiritualmente como preciosa e cheia de glória –, Satanás ainda está agindo, e ainda não há salvação (1Jo 3.6b; 3Jo 11).
Considere também o que Paulo falou a respeito de Cristo revelar sua glória por meio do evangelho. Primeiramente, temos a Cristo. A glória referida em 2Co 4.4 não é vaga e impessoal, como a do esplendor do sol. É a glória de uma Pessoa: “luz do evangelho da glória de Cristo”. O tesouro não é a glória por si mesma, mas Cristo em sua glória. Ele é o dom e tesouro essencial do evangelho. Em segundo, temos a revelação da glória – Cristo revelando a sua glória por meio do evangelho. Vimos na semana passada que a glória de Cristo é um conjunto incomparável de perfeições de todo tipo, que distinguiam Jesus de todos os homens. Mas o clímax da vida de Jesus na terra foi o modo de sua conclusão. A Pessoa de Cristo manifesta sua glória em palavras, ações e sentimentos. A glória não é a glória de uma pintura ou mesmo de um pôr-do-sol. A beleza espiritual de Cristo é Cristo em ação – amando, tocando os leprosos, abençoando as crianças, curando os paralíticos, ressuscitando os mortos, expelindo demônios, ensinando com autoridade, silenciando os incrédulos, repreendendo seus discípulos, profetizando os detalhes de sua morte, encaminhando-se com determinação para Jerusalém, chorando sobre a cidade, permanecendo em silêncio diante de seus acusadores, reinando mansamente sobre Pilatos (Jo 19.11), crucificado, orando por seus inimigos, perdoando um ladrão, cuidando de seu mãe, enquanto Ele estava em agonia, entregando seu espírito na morte e ressuscitando dos mortos – “Ninguém a tira a minha vida; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para entregá-la e também para reavê-la” (Jo 10.18). Essa é a glória de Cristo!
Em terceiro, temos o evangelho – Cristo revelando a sua glória por meio do evangelho. O evangelho é a proclamação do que aconteceu. A primeira geração de discípulos viu esses acontecimentos com seus próprios olhos. Desde então, para todos nós, a glória de Cristo é mediada por meio da proclamação daqueles fatos. O apóstolo João escreveu: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, a respeito do Verbo da vida — e a vida se manifestou, e nós a vimos e dela damos testemunho, e anunciamos a vocês a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada —, o que vimos e ouvimos anunciamos também a vocês” (1Jo 1.1-3). A gloriosa Pessoa que uma vez andou neste mundo não é visível agora. O que temos para nos ligar com Cristo, com a cruz e a ressurreição é a Palavra de Deus, e seu centro é o evangelho. “Ó gálatas insensatos! Quem foi que os enfeitiçou? Não foi diante dos olhos de vocês que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?” (Gl 3.1).
Paulo definiu o âmago do evangelho: “Antes de tudo, entreguei a vocês o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15.1-3). Essas são as realizações indispensáveis do evangelho. A morte e a ressurreição de Cristo são os acontecimentos nos quais a glória de Cristo resplandece com mais intensidade. Existe uma glória divina na maneira como Jesus aceitou sua morte e no que Ele realizou por meio dela. Paulo escreveu: “Mas nós pregamos o Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios. Mas, para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1Co 1.23-24). “Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus” (1Co 1.18). Para aqueles que têm olhos para ver, existe glória divina na morte de Jesus. E o mesmo ocorre com a ressurreição de Cristo, pois foi a glória de Deus que ressuscitou a Jesus (“foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai”, Rm 6.4) e também foi na glória de Deus em que Ele foi ressuscitado (“lhe deu glória”, 1Pe 1.21). “Não é verdade que o Cristo tinha de sofrer e entrar na sua glória?" (Lc 24.26)
Assim, quando o evangelho é pregado em sua plenitude, e, pela poderosa graça de Deus, o poder de Satanás em cegar a pessoa é vencido, e Deus ordena à alma do ser humano: “Haja luz!”, o que a alma vê e experimenta, no evangelho, é “a luz do evangelho da glória de Cristo”. Esse é o alvo da pregação do evangelho. Por isso, precisamos orar: “Peço ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, que conceda a vocês espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele. Peço que ele ilumine os olhos do coração de vocês, para que saibam qual é a esperança da vocação de vocês, qual é a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. Ele exerceu esse poder em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nas regiões celestiais, acima de todo principado, potestade, poder, domínio e de todo nome que se possa mencionar, não só no presente século, mas também no vindouro. E sujeitou todas as coisas debaixo dos pés de Cristo e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.17-23).
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