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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Isaque - Série Idolatria

Depois dessas coisas, Deus pôs Abraão à prova e lhe disse: — Abraão! Este lhe respondeu: — Eis-me aqui!

Deus continuou: — Pegue o seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá à terra de Moriá. Ali, ofereça-o em holocausto, sobre um dos montes, que eu lhe mostrar.

Na manhã seguinte, Abraão levantou-se de madrugada e, tendo preparado o seu jumento, levou consigo dois dos seus servos e Isaque, seu filho. Rachou lenha para o holocausto e foi para o lugar que Deus lhe havia indicado.

No terceiro dia, Abraão ergueu os olhos e viu o lugar de longe.

Então disse aos servos: — Esperem aqui com o jumento. Eu e o rapaz iremos até lá e, depois de termos adorado, voltaremos para junto de vocês.

Abraão pegou a lenha do holocausto e a colocou sobre Isaque, seu filho. Ele, por sua vez, levava nas mãos o fogo e a faca. Assim, os dois caminhavam juntos.

Isaque rompeu o silêncio e disse a Abraão, seu pai: — Meu pai! Abraão respondeu: — Eis-me aqui, meu filho! Isaque perguntou: — Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?

Abraão respondeu: — Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. E os dois seguiam juntos.

Chegaram ao lugar que Deus lhe havia indicado. Ali Abraão edificou um altar, arrumou a lenha sobre ele, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha.

E, estendendo a mão, pegou a faca para sacrificar o seu filho.

Mas do céu o Anjo do Senhor o chamou: — Abraão! Abraão! Ele respondeu: — Eis-me aqui!

Então lhe disse: — Não estenda a mão sobre o menino e não faça nada a ele, pois agora sei que você teme a Deus, porque não me negou o seu filho, o seu único filho.

Abraão ergueu os olhos e viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. Abraão pegou o carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho.

E Abraão deu àquele lugar o nome de "O Senhor Proverá". Daí dizer-se até o dia de hoje: "No monte do Senhor se proverá."



A maioria das pessoas passa a vida tentando transformar em realidade seus sonhos mais importantes. Afinal, a vida não é isso, “a busca pela felicidade”? Nunca imaginamos que concretizar os desejos mais profundos do nosso coração talvez seja a pior coisa que poderia nos acontecer. E quantas vezes ouvimos esse tipo de promessa nos púlpitos de nossas igrejas?


No livro de Romanos, Paulo escreveu que uma das piores coisas que Deus pode fazer às pessoas é “[entregá-las] ao desejo de seus corações” (1.24). Porque nosso coração converte esses desejos em ídolos. No primeiro capítulo, Paulo resumiu a história da raça humana em uma frase: “... adoraram e serviram à criatura em lugar do Criador” (v. 25). Todo ser humano precisa viver em torno de alguma coisa. Algo tem de cativar nossa imaginação, a aliança e a esperança mais fundamentais do nosso coração. No entanto, como nos dizem as Escrituras, sem a intervenção do Espírito Santo, esse objeto jamais será o próprio Deus.


Se nos voltarmos para uma criatura a fim de obter o sentido, a esperança e a felicidade que só Deus pode dar, ela acabará não correspondendo às nossas expectativas e partirá nosso coração. Dois filósofos judeus que conheciam as Escrituras de modo profundo concluíram: “O princípio [...] central da Bíblia [é] a rejeição da idolatria” (Habertal; Margalit, Idolatry). Ou seja, a Bíblia está repleta de histórias retratando as inúmeras formas de adoração a ídolos e seus efeitos devastadores. Todo falso deus que o coração pode escolher – amor, dinheiro, sucesso ou poder – tem uma narrativa bíblica poderosa para explicar como esse tipo específico de idolatria atua em nossa vida.


Um dos personagens centrais da Bíblia é Abraão. Como a maioria dos homens da Antiguidade, ele ansiava por um filho e herdeiro que desse continuidade a seu nome. No caso de Abraão, porém, esse desejo havia se tornado o mais profundo do seu coração. No fim, contrariando toda esperança, um filho lhe nasceu. Ele agora tinha tudo o que sempre quisera. Foi então Deus lhe pediu para abrir mão de tudo!


De acordo com a Bíblia, Deus apareceu a Abraão e lhe fez uma promessa surpreendente. Caso Abraão lhe obedecesse fielmente, Deus abençoaria todas as nações da terra por meio dele e de seus descendentes. Para isso acontecer, no entanto, Abraão precisava ir: “Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12.1-3). Deus chamou Abraão para deixar tudo o que lhe era familiar – os amigos, a maior parte da família e tudo o que ele acreditava significar segurança, prosperidade e paz – e sair para o deserto, sem conhecer seu destino. Foi-lhe pedido para abrir mão, por causa de Deus, de quase toda esperança e bens terrenos que um coração humano almeja. Então ele partiu, “sem saber para onde ia” (Hb 11.8).

Contudo, apesar do chamado divino exigir que ele abrisse mão de suas várias esperanças, também lhe havia concedido uma nova. A profecia era que as nações seriam abençoadas por meio de sua família, de “sua descendência” (Gn 12.7). Isso significava que Abraão precisaria ter um filho. Sara, sua esposa, sempre fora incapaz de conceber. Da perspectiva biológica, gerar filhos parecia impossível. Mas Deus prometeu que Abraão teria esse filho.


No entanto, à medida que os anos se transformaram em décadas, tornou-se cada vez mais difícil acreditar na promessa divina. Por fim, quando Abraão tinha mais de cem anos de idade, e Sara já passava dos noventa anos (Gn 17.17; 21.5), ela deu à luz à um filho, Isaque. Essa foi uma clara intervenção divina, por isso, o nome de Isaque significava “riso”, uma referência tanto à alegria dos pais quanto à dificuldade deles para crer que Deus algum dia lhes daria o que havia prometido.


Os anos de espera agonizante cobraram seu preço, como pode atestar qualquer casal que luta contra a infertilidade. As protelações quase infinitas refinaram a fé de Abraão, o que teve importância fundamental. Contudo, os anos de infertilidade também tiveram outro efeito. Nenhum homem ansiou por um filho mais que Abraão. Ele tinha aberto mão de tudo por essa promessa. Quando seu filho chegou, Abraão sentiu que, enfim, sua comunidade veria que ele não fora tolo ao desistir de tudo para confiar na palavra de Deus. Finalmente, ele teria um herdeiro, um filho à sua semelhança, o que todos os patriarcas antigos do Oriente Médio desejavam. Ele tinha aguardado e se sacrificado, e, por fim, sua esposa teve um bebê, um menino!


Mas a questão era: ele havia esperado e se sacrificado por Deus ou pelo menino? Deus havia sido apenas um meio para um fim? A quem Abraão entregara o coração, em última análise? Ele tinha a paz, a humildade, a ousadia e o equilíbrio que sobrevêm aos que confiam em Deus, e não nas circunstâncias, na opinião pública ou na própria competência? Abraão aprendeu a confiar em Deus somente? A amar a Deus por quem ele é, e não apenas por aquilo que poderia obter desse Deus? Não, ainda não.


Muitos casais com esse anseio acreditam que ter um filho pode resolver todos os seus problemas. Ou solteiros podem acreditar que se casando, encontrarão o que estão buscando. De modo semelhante, os leitores de Gênesis 12-21 poderiam pensar que o nascimento de Isaque foi o ápice e o último capítulo da vida de Abraão. Sua fé havia triunfado. Agora, ele poderia morrer feliz, tendo cumprido o chamado de Deus para sua vida ao deixar a terra natal e aguardar o nascimento de um filho. Mas então, para nossa surpresa, Abraão recebe outro chamado de Deus. Um chamado que não poderia ser mais surpreendente: “Pegue o seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá à terra de Moriá. Ali, ofereça-o em holocausto, sobre um dos montes, que eu lhe mostrar” (Gn 22.2).


Era o teste supremo para o patriarca. Isaque agora era tudo para Abraão, como o chamado de Deus deixa claro. Deus não se refere ao menino como “Isaque”, mas como “seu filho, seu único filho... a quem você ama”. A paixão de Abraão se convertera em adoração. Antes, o significado de sua vida dependia da palavra de Deus. Agora, estava dependendo do amor e do bem-estar de Isaque. O centro da vida de Abraão estava mudando. Deus não estava dizendo que não se pode amar o filho, mas que não se deve transformar um ser amado em um falso deus. Se alguém coloca um filho no lugar do Deus verdadeiro, cria um amor idólatra que sufocará a criança e estrangulará o relacionamento.


No decorrer dos anos, muitos leitores têm feito objeções compreensíveis a esse relato. Interpretam a “moral” da história como se não houvesse problema em fazer coisas cruéis e violentas, desde que acredite ser essa a vontade de Deus. Soren Kierkegaard, cujo livro Temor e tremor se baseia na história de Abraão e Isaque, abordou essa narrativa. Kierkegaard conclui, em última análise, que a fé é irracional e absurda. Abraão achou que a ordem recebida não fazia o menor sentido e contradizia tudo o mais que Deus havia declarado, mas a obedeceu.


Será mesmo que essa ordem teria parecido totalmente irracional para Abraão? A interpretação de Kierkegaard não leva em consideração o significado do filho primogênito no pensamento e simbolismo judeus. Jon Levenson, estudioso judeu e professor de Harvard, escreveu Morte e ressurreição do filho amado: a transformação do sacrifício infantil no judaísmo e no cristianismo. Nessa obra, ele nos lembra que as culturas antigas não eram individualistas como a nossa. As esperanças e os sonhos das pessoas nunca focavam o próprio êxito, prosperidade ou proeminência pessoal. Como todos faziam parte de uma família, e ninguém vivia isolado, essas coisas só eram buscadas em favor de todo o clã. Devemos nos lembrar também da antiga lei de primogenitura. O filho mais velho ficava com a maior parte das propriedades e da riqueza para que a família não perdesse o lugar na sociedade.


Em uma cultura individualista como a nossa, a identidade e o senso de valor do adulto costumam estar relacionados com habilidades e realizações, mas, na Antiguidade, todas as esperanças e sonhos de um homem e de sua família repousavam sobre o primogênito. O chamado para entregar o primogênito seria semelhante ao de um cirurgião que abdica do uso das próprias mãos ou ao de um artista visual que perde a visão.


Levenson argumenta que só podemos entender a ordem de Deus para Abraão à luz desse contexto cultural. A Bíblia declara repetidas vezes que, por causa do pecado de Israel, a vida dos primogênitos da nação se perde automaticamente, embora eles pudessem ser redimidos por um sacrifício regular (Êx 22.29; 34.20), pelo serviço no Tabernáculo, no caso dos levitas (Nm 3.40-41), ou ainda pelo pagamento de resgate ao Tabernáculo e aos sacerdotes (Nm 3.46-48). Quando Deus manifestou seu juízo contra o Egito por escravizar os israelitas, seu castigo final consistiu em tirar a vida dos primogênitos. A vida deles foi tirada por causa dos pecados das famílias e da nação. Por quê? Porque o filho primogênito era a família. Assim, quando Deus declarou aos israelitas que a vida do primogênito lhe pertencia, a menos que fosse resgatada, estava dizendo da maneira mais vívida possível naquelas culturas que toda família na terra tinha uma dívida para com a justiça eterna – a dívida do pecado.


Tudo isso é fundamental para interpretar a ordem de Deus a Abraão. Se Abraão ouvisse uma voz, parecida com a de Deus, mandando: “Levante-se e mate Sara”, é provável que jamais a atendesse. Presumiria corretamente que estava delirando, pois Deus não lhe pediria para fazer algo que contradizia tudo o que já havia dito sobre justiça e retidão. Entretanto, quando Deus afirmou que a vida do seu único filho estava confiscada, isso não foi uma declaração irracional, contraditória, como pensava Kierkegaard. Observe-se bem, Deus não estava lhe pedindo para entrar na tenda de Isaque e simplesmente assassiná-lo. Ele pediu que Abraão lhe apresentasse uma oferta queimada. Estava cobrando a dívida de Abraão. Seu filho morreria pelos pecados da família.


Embora a ordem fosse compreensível, isso não a tornava menos terrível. Abraão se deparou com a questão suprema: “Deus é santo. Nosso pecado significa que a vida de Isaque será tomada. No entanto, ele também é um Deus de graça. Disse que deseja abençoar o mundo por meio de Isaque. Como pode Deus ser santo e justo e ainda cumprir graciosamente sua promessa de salvação?” Abraão não sabia. Mas obedeceu. Agiu em conformidade com outro personagem do AT, Jó, a quem foram enviadas inúmeras aflições sem explicação alguma. Entretanto, Jó afirma a respeito do Senhor: “Ele sabe o meu caminho; se ele me provasse, eu sairia como o ouro” (23.10).


De que forma Abraão decidiu subir o monte, em obediência ao chamado divino? A narrativa magistral do texto hebraico nos fornece dicas muito importantes. Disse ele a seus servos: “voltaremos” (Gn 22.5). É improvável que tivesse alguma ideia concreta do que Deus faria. Mas Abraão não subiu o monte dizendo: “Eu consigo”, cheio de força de vontade e pensamento positivo. Ao contrário, ele subiu declarando: “Deus proverá [...] só não sei como”. Deus fará o quê? De algum modo, Deus eliminaria a dívida que exigia a vida do primogênito e ainda cumpriria a promessa de conceder graça.


Abraão não estava apenas exercitando uma fé cega. Não estava dizendo: “Que loucura, isso é assassinato, mas vou fazê-lo mesmo assim”. Ao contrário, imagino que ele dizia: “Sei que Deus é tanto santo quanto gracioso. Não sei como fará para manifestar esses dois atributos – mas sei que os manifestará”. Se não acreditasse que estava em dívida com um Deus santo, ficaria bravo demais para ir até o monte. Mas se também não acreditasse que Deus era um Deus de graça, teria se sentido esmagado, desesperado demais para ir. Teria simplesmente se deitado e morrido. Somente por saber que Deus era santo e amoroso, Abraão foi então capaz de pôr um pé na frente do outro e subir a montanha.


Por fim, Abraão e o filho conseguiriam ver o local do sacrifício. “Chegaram ao lugar que Deus lhe havia indicado. Ali Abraão edificou um altar, arrumou a lenha sobre ele, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha. E, estendendo a mão, pegou a faca para sacrificar o seu filho” (Gn 22.9-10). Naquele exato momento, porém, a voz de Deus chamou do céu: “— Abraão! Abraão! Ele respondeu: — Eis-me aqui! Então lhe disse: — Não estenda a mão sobre o menino e não faça nada a ele, pois agora sei que você teme a Deus, porque não me negou o seu filho, o seu único filho” (vv. 11-12). E, naquele momento, Abraão viu um carneiro preso pelos chifres em uma moita. Desamarrou, então, Isaque e sacrificou o carneiro no lugar do filho.


Qual é o significado de todo esse incidente? Ele estava relacionado a duas coisas, uma que Abraão provavelmente identificava muito bem, e outra que ele não poderia ter entendido de modo claro. O que Abraão conseguia ver era que o teste estava relacionado a amar a Deus sobre todas as coisas. No fim, o Senhor disse para ele: “Agora sei que você teme a Deus”. Na Bíblia, isso se refere menos a ter medo de Deus do que a estar comprometido com Ele de todo o coração. Em Salmos 130.4, por exemplo, vemos que o temor a Deus aumenta por meio da experiência da graça e do perdão divinos: “Mas contigo está o perdão, para que seja temido”. O salmista descreve um sentimento de admiração e assombro em amor e alegria diante da grandiosidade de Deus. O Senhor diz: “Agora sei que me amas mais que qualquer coisa no mundo”. É isso que “o temor do Senhor” significa.


Isso não significava que Deus estivesse tentando descobrir se Abraão o amava. O Deus que tudo vê conhece a condição de cada coração. Antes, ele estava fazendo Abraão passar pela fornalha a fim de que seu amor por Deus pudesse, enfim, tornar-se “puro como o ouro” (Jó 23.10). Não é difícil perceber por que Deus usou Isaque como meio para esse propósito. Se Deus não interviesse, com certeza Abraão passaria a amar o filho mais do que qualquer coisa no mundo, se é que já não o amava. Isso seria idolatria, e toda idolatria é destrutiva.


Com base nessa perspectiva, vemos que o modo extremamente rígido de Deus tratar Abraão foi, na verdade, misericordioso. Isaque havia sido um presente maravilhoso para o pai, mas não era seguro tê-lo e apegar-se a ele enquanto Abraão não se dispusesse a colocar Deus em primeiro lugar. Enquanto Abraão não precisasse escolher entre o filho e a obediência a Deus, não conseguiria entender que seu amor estava se tornando idólatra. De modo semelhante, podemos não perceber como nossa carreira profissional tem se tornado um ídolo para nós, até sermos confrontados com uma situação em que dizer a verdade ou agir com integridade significaria um sério golpe em nosso progresso profissional. Se não estivermos dispostos a prejudicar a carreira a fim de fazer a vontade de Deus, nosso trabalho se converterá em um falso deus.


O desejo de uma mãe de ter filhos totalmente bem-sucedidos e felizes acaba muitas vezes sendo egoísta. Ele está relacionado com a necessidade dela se sentir digna e dotada de valor. Se essa mãe conhecesse de verdade o amor de Deus, então poderia aceitar filhos imperfeitos. Se o amor de Deus significasse mais para mim do que meus filhos, eu conseguiria amá-los de maneira menos egoísta e mais sincera. Embora a mãe acredite em Deus com sua mente, a mais profunda satisfação do seu coração vem de ouvir um filho dizer: “Ó mãe, eu devo tudo à senhora!” Infelizmente, talvez ela nunca ouça as palavras que mais anseia, pois sua necessidade excessiva de aprovação dos filhos está afastando aqueles a quem ela mais ama. É preciso colocar nossos “Isaques” no altar e dar a Deus a posição de suprema importância em nossas vidas. É preciso continuar subindo o monte.


Pessoas que nunca sofreram na vida têm menos empatia pelos outros, pouco conhecimento dos próprios defeitos e limitações, e nenhuma resistência diante da privação e expectativas irreais para a vida. Como o livro de Hebreus afirma: todo aquele a quem Deus ama passa por dificuldades (Hb 12.1-8).


Abraão realizou aquela jornada e só depois disso pôde amar Isaque de modo adequado e com sabedoria. Se Isaque tivesse se tornado a principal esperança e alegria da vida do pai, ou Abraão exageraria ao discipliná-lo (por achar necessário que o filho se mostrasse “perfeito”) ou não o disciplinaria o suficiente (por não conseguir suportar a “dor” do filho), ou as duas coisas. Ele o mimaria, mas também seria excessivamente bravo e cruel, talvez até violento, quando o filho o decepcionasse. Por quê? Porque os ídolos escravizam. O amor e o sucesso de Isaque se tornariam a única identidade e alegria de Abraão! Ele viveria bravo, ansioso e deprimido em excesso se Isaque, em algum momento, deixasse de obedecê-lo ou amá-lo. E Isaque fracassaria, uma vez que não há filho capaz de sustentar o peso total da natureza divina. As expectativas de Abraão o afastariam ou distorceriam e desfigurariam seu espírito.


Portanto, a caminhada angustiante de Abraão para o alto do monte foi a etapa final de uma longa jornada em que Deus o transformava de um homem medíocre em um dos maiores personagens da história. As três grandes religiões monoteístas do mundo atual – judaísmo, islamismo e cristianismo – consideram-no seu fundador. Mais da metade das pessoas do mundo o chamam de pai espiritual. Isso jamais aconteceria se Deus não tivesse lidado com o ídolo do coração de Abraão.


Mas esse episódio conhecido também estava relacionado com algo que Abraão não poderia ver, ao menos não em seu tempo de vida. Por que Isaque não havia sido sacrificado? Os pecados de Abraão e de sua família persistiam. Como um Deus santo e justo poderia ignorá-los? Bem, um substituto foi oferecido, um carneiro. Mas foi o sangue do carneiro que saldou a dívida do primogênito? Não.


Muitos anos depois, naquela mesma região montanhosa, outro primogênito foi estendido sobre um madeiro para morrer. Moriá é o nome dado aos montes e colinas que rodeiam Jerusalém. Em uma dessas colinas, Jesus foi executado. Quando no monte Calvário o amado filho de Deus clamou “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, não houve voz alguma do céu anunciando o livramento. Em vez disso, Deus, o Pai, pagou o preço em silêncio. Por quê? O verdadeiro substituto para o filho de Abraão foi o único Filho de Deus, Jesus, que morreu a fim de levar sobre si nosso castigo. “Pois também Cristo padeceu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir vocês a Deus” (1Pe 3.18). Paulo entendeu o real significado da história de Isaque ao aplicar deliberadamente a linguagem da narrativa a Jesus: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas por todos nós o entregou, será que não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).


Ou seja, temos aqui a resposta prática a nossas idolatrias pessoais, aos “Isaques” de nossa vida, em que tê-los e apegar-se a eles não oferece segurança espiritual alguma. Precisamos imolá-los. Precisamos descobrir um modo de não os agarrar demais nem sermos escravizados por eles. Jamais o faremos repetindo abstrações sobre quão grande Deus é. Temos de conhecê-lo, estarmos convictos de que Deus cuida de nós, ama e se deleita em nós a ponto de podermos descansar nosso coração nele para encontrarmos nosso valor e segurança e para lidarmos com qualquer coisa que aconteça na vida.


Mas como? Deus viu o sacrifício de Abraão e disse: “Pois agora sei que você teme a Deus, porque não me negou o seu filho, o seu único filho”. Mas até que ponto conseguimos olhar para o sacrifício divino na cruz e dizer a Deus: “Agora nós sabemos que nos amas. Pois não nos negaste teu filho, teu único filho, a quem amas”. Quando a importância do que Ele fez começa a ficar clara para nós, torna-se possível, enfim, descansar o coração nele e não em alguma outra coisa.


Somente Jesus dá sentido a essa história. A única maneira de Deus ser tanto justo quanto justificador é porque, anos mais tarde, outro Pai subiu outro “monte”, chamado Calvário, com seu primogênito e o ofereceu naquele lugar por todos nós. Você nunca será tão grande e tão seguro em Deus, nem se tornará tão corajoso como Abraão se tornou pelo simples fato de se esforçar muito, mas apenas ao crer no Salvador, para quem esse acontecimento aponta. Somente se Jesus tiver vivido e morrido por nós, você pode ter um Deus de amor e santidade infinitos ao mesmo tempo. Então você pode ter certeza absoluta de que ele o ama.


Pense nas várias desilusões e problemas que nos sobrevêm. Observe-os bem de perto e constatará que o mais angustiante deles está relacionado com nossos “Isaques” pessoais. Em nossa vida, há sempre algumas coisas em que investimos para alcançar um nível de alegria e realização que só Deus pode dar. Os períodos mais dolorosos de nossa vida são aqueles em que nossos “Isaques”, nossos ídolos, estão sendo ameaçados ou removidos. Quando isso ocorre, podemos reagir de duas maneiras. Podemos escolher a amargura e o desespero. Achando-nos no direito de chafurdar nesses sentimentos, diremos: “Trabalhei a vida inteira para chegar a essa posição na minha carreira, e agora tudo se perdeu!”, ou: “Fui uma escrava a vida toda para proporcionar uma vida boa para essa menina, e agora é assim que ela me retribui!” Podemos nos sentir livres para mentir, trair, vingarmo-nos ou jogar fora nossos princípios a fim de obter algum alívio; ou podemos simplesmente viver em permanente desalento.


Outra possibilidade seria, assim como Abraão, fazer uma caminhada até o alto do monte. Você poderia dizer: “Entendo que talvez o Senhor esteja me chamando para viver destituído de algo sem o qual jamais pensei ser capaz de viver. Todavia, se tenho o Senhor, tenho a única riqueza, saúde, amor, honra e segurança de que realmente preciso, e tudo isso não pode ser tirado de mim”. Como muitos aprenderam para depois ensinar, ninguém percebe que Jesus é tudo de que se necessita até ele ser tudo o que se tem.


Muitos desses deuses falsos, se não a maioria, podem permanecer em nossa vida a partir do momento em que os “rebaixamos” a uma posição inferior a de Deus. Nesse caso, não nos controlarão nem nos atormentarão com ansiedade, orgulho, raiva e compulsão. Entretanto, não devemos cometer o erro de pensar que isso signifique que só precisamos estar dispostos a renunciar a nossos ídolos, em vez de realmente deixá-los para trás. Se Abraão subisse o monte pensando: “Tudo o que preciso fazer é depositar Isaque em cima do altar, sem entregá-lo realmente”, ele teria fracassado no teste! Manter algo em nossa vida só é seguro se isso realmente deixar de ser um ídolo, o que só pode acontecer quando nos dispomos de verdade a viver sem esse ídolo, quando dizemos com sinceridade: “Por ter Deus, posso viver sem você, sem isso ou aquilo”.


Às vezes, Deus parece estar nos matando, quando, na verdade, está nos salvando. Em Gênesis 22, Ele estava transformando Abraão em um grande homem. Seguir Deus nessas circunstâncias parece uma fé cega para alguns, mas, na verdade, é a fé vigorosa e grata. A Bíblia está cheia de relatos de personagens, como José, Moisés e Davi, vivendo momentos em que Deus parecia abandoná-los, mas depois ficou claro que estava lidando com os ídolos destrutivos na vida deles e que isso só poderia acontecer quando experimentassem a dificuldade.


Assim como Abraão, Jesus teve um conflito intenso com o chamado divino. No Getsêmani, perguntou ao Pai se haveria outra maneira, mas, no fim, subiu obediente o monte Calvário até a cruz. Não temos como saber todas as razões pelas quais nosso Pai está permitindo que coisas ruins nos aconteçam, mas, como Jesus, podemos confiar nele nos tempos difíceis. Ao olharmos para Ele e nos regozijarmos no que fez em nosso favor, teremos a alegria e a esperança necessárias – além de estarmos livres dos deuses falsos – para seguir o chamado de Deus quando os tempos parecem os mais obscuros e difíceis possíveis. Amém!

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