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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Levando nossas Cargas - Série Gálatas (Parte XVI)



Não sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros.

Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vocês, que são espirituais, restaurem essa pessoa com espírito de brandura. E que cada um tenha cuidado para que não seja também tentado. Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo.

Porque, se alguém julga ser alguma coisa, não sendo nada, engana a si mesmo.

Mas que cada um examine o seu próprio modo de agir e, então, terá motivo de gloriar-se unicamente em si e não em outro. Porque cada um levará o seu próprio fardo.



Esse trecho da carta aos gálatas descreve um dos resultados da vitória do Espírito sobre a carne, assunto que vimos no sermão anterior. Essa vitória ocorre nos relacionamentos pessoais com os nossos irmãos em Cristo. Em Efésios 5, Paulo exorta os cristãos a serem cheios do Espírito e a se sujeitarem uns aos outros, edificando-se mutuamente. Assim, a primeira evidência do nosso andar no Espírito não é uma experiência mística, mas o nosso relacionamento prático de amor para com os outros, já que a lista do fruto do Espírito começa com o “amor” (v. 22). Claro que é fácil falar de amor, em termos abstratos. O difícil é agir em amor nas situações particulares.

O versículo 26 mostra que a nossa atitude para com os outros depende da opinião que temos a nosso respeito. Quando somos “presunçosos” (kenodoxos), provocamos os outros e os invejamos. O adjetivo grego fala de uma pessoa cuja opinião de si mesma é vazia, vã ou falsa. Ela acalenta uma ilusão acerca de si mesma ou é simplesmente convencida. Quando somos convencidos, nosso relacionamento com os outros fica sujeito a ser envenenado. A “provocação” (prokaleo) aparece raramente no NT e significa “desafiar alguém para uma competição”. Ou seja, temos tanta certeza de nossa superioridade, que desejamos demonstrá-la. Além disso, a “vanglória” nos leva a invejar os outros, seus dons e realizações.

Assim, Paulo alega que somos motivados por sentimentos de superioridade (daí desafiamos) ou inferioridade (quando, então, invejamos). Nos dois casos, a atitude se deve à vanglória. Temos uma opinião tão cheia de fantasias a nosso respeito que não suportamos os rivais. Essa postura é muito distante de uma vida cheia do Espírito. Ora, Paulo exorou os romanos a não pensarem de si mesmos “além do que convém”, mas com “moderação” (Rm 12.3). O Espírito Santo abre os nossos olhos para vermos o nosso próprio pecado e também a importância e o valor das outras pessoas aos olhos de Deus.

Portanto, a ação do Espírito em nós permitirá que acatemos as palavras de Paulo aos filipenses: “não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo, não tendo em vista somente os seus próprios interesses, mas também os dos outros” (Fp 2.3-4). Assim, esse amor em nós fará com que consideremos os outros mais importantes e, portanto, fará com que busquemos uma oportunidade para servi-los. O verdadeiro relacionamento cristão, logo, é governado não pela rivalidade, mas pelo serviço. A atitude correta não é “eu sou melhor do que você e vou prová-lo”, nem “você é melhor do que eu, e eu não gosto disso”, mas “tenho a alegria e o privilégio de servi-lo, pela sua importância aos olhos de Deus”.

No versículo 2 do capítulo 6, há uma suposição importante: todos nós temos cargas, e Deus não pretende que as carreguemos sozinhos. Há quem pense que trilhar esse caminho sozinho é sinal de força espiritual, além da pessoa não desejar incomodar os outros com seus fardos. Afinal, Jesus teria convidado os cansados a irem a Ele (Mt 11.28). É verdade que Jesus é suficiente para levar o fardo de nosso pecado e culpa. Mas isso não ocorre com outros fardos, como nossas preocupações, tentações, dúvidas e tristezas. Certamente podemos lançar sobre Jesus tudo isso, porque Ele cuida de nós (1Pe 5.7). Mas uma das maneiras de Jesus fazer isso é através das amizades humanas.

O próprio Paulo se sentiu terrivelmente sobrecarregado num dado momento de sua vida. Ele estava preocupado até a morte com a igreja de Corinto e com a reação deles para com uma carta severa que ele lhes havia escrito. “Quando chegamos à Macedônia, não tivemos nenhum alívio. Pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temos por dentro. Porém Deus, que consola os abatidos, nos consolou com a chegada de Tito” (2Co 7.5-6). Um amigo cristão é indispensável para a nossa jornada de fé. Esse princípio é verdadeiro também no casamento. Quando um dos cônjuges tem um desafio, não se trata mais de um problema dele ou dela, como é muito comum ouvirmos. O problema é de ambos.

Paulo escreve que assim cumprimos a lei de Cristo (v. 2). A ligação entre “cargas” e “lei” nesse texto pode sugerir que Paulo esteja pensando nos judaizantes. Algumas das exigências da lei são chamadas de “fardos” no NT (Lc 11.46; At 15.10, 28), e os judaizantes procuravam acumular os fardos dos gálatas exigindo que eles guardassem a lei para serem aceitos por Deus. Ou seja, talvez Paulo esteja sugerindo que o que eles deveriam fazer era carregar os fardos uns dos outros, e não impor mais deles sobre os outros.

A lei de Cristo é amar aos outros como Ele nos ama. Esse foi o novo mandamento que Ele nos deu (Jo 13.34; 15.12). Por isso, amar ao próximo é cumprir a lei (5.14). Portanto, amar ao próximo, levar os fardos uns dos outros e cumprir a lei são expressões equivalentes. Ou seja, não precisamos imaginar que amar ao próximo seja necessariamente um ato espetacular, heroico. Amar ao próximo pode ser uma atitude bem prática e diária de simplesmente carregar fardos dos outros, sejam eles físicos, emocionais ou espirituais. Também devemos ser humildes para deixar que outros compartilhem de nossos fardos. Que belo princípio de amor! “Os cristãos devem ter ombros fortes e ossos potentes” para cumprir essa tarefa (Lutero). Carregar fardos dos outros é um GRANDE ministério! É algo que todo cristão deveria e poderia fazer, como fruto do andar no Espírito.

No versículo 3, a implicação parece ser que se não fizermos isso, acharemos que somos superiores. Não queremos nos rebaixar dessa forma; seria abaixo de nossa dignidade. Parece que nossa conduta para com os outros de fato é governada pela opinião que temos de nós mesmos. Quando pensamos que somos alguma coisa, não queremos carregar os fardos de outros. Falta-nos a noção de nossa pecaminosidade e da graça de Jesus Cristo. Pensar assim é enganar-se a si mesmo (v. 3).

Portanto, não cabe comparação entre irmãos em Cristo (vv. 4-5). Paulo vai sugerir que ao invés de ficar analisando os outros, cada um “examine o seu próprio modo de agir” e carregue “o seu próprio fardo”. Isto é, somos responsáveis diante de Deus pelo nosso trabalho, e teremos que dele prestar contas a Deus naquele dia. A palavra grega para “fardo” no versículo 2 é baros (“peso” ou “fardo pesado”) e no versículo 5 é phortion (“pacote”). Por isso, esse segundo fardo (v. 5) não pode ser compartilhado, e nem precisa, porque ele é leve. Ele representa a nossa responsabilidade diante de Deus no dia do juízo, por meio de Cristo. Nesse dia cada um levará o seu pacote. Eles não poderão ser trocados.

Deixamos para o fim o versículo 1 do capítulo 6. Uma certa mulher no NT também foi “surpreendida” em adultério (Jo 8.4). O que fazer nesses casos? “Restaurem essa pessoa”. O verbo é educativo: katartizo. Significa “por em ordem”, “restaurar à condição anterior” (Arndt-Gingrich). Era usado no grego secular como um termo médico, referindo-se a encanar um osso fraturado ou deslocado. Em Mc 1.19, os apóstolos estavam “consertando” as redes. A orientação de Paulo aqui é positiva, ou seja, se apanharmos alguém fazendo algo errado, não devemos permanecer inertes, sob o pretexto de que não é da nossa conta e não queremos nos envolver. Nem devemos desprezá-lo ou condená-lo em nossos corações e, se ele sofrer as consequências, não devemos dizer “bem feito”. Nem devemos fazer fofocas a respeito. Devemos corrigi-lo, pois temos a obrigação de trazê-lo ao bom caminho. “Vá até ele, estenda-lhe a mão, levante-o novamente, console-o com palavras brandas e abrace-o com braços de mãe” (Lutero). Jesus nos dá instruções mais detalhadas a esse respeito em Mt 18.15-17, dizendo que devemos procurar “ganhar” o nosso irmão (ou “restaurar”, como diz Paulo).

Paulo se refere a cristãos “espirituais”, amadurecidos, como sendo aqueles que podem ajudar nessa hora. Os cristãos espirituais são aqueles que são guiados pelo Espírito, e que andam no Espírito, nos termos da Carta. Ou seja, essa ajuda é um ministério de amor. A “brandura” (praotes) aparece também em Gl 5.23 como fruto do Espírito, pois “a mansidão é uma característica da verdadeira espiritualidade” (Lightfoot). É nesse espírito que deve ocorrer toda restauração cristã. Além disso, é preciso tomar cuidado com a tentação. Ora, a mansidão nasce de um sentimento de nossa própria fraqueza e inclinação para o pecado. “Sem qualquer complexo de superioridade, para vos salvaguardar contra possíveis tentações” (J. B. Phillips).

Conseguimos colocar em prática em nossos dias esse modelo de cuidado de uns para com os outros? Quanto coisa boa colheríamos se adotássemos esses conselhos do apóstolo Paulo! E quanto fofoca seria evitada! Mas muitas vezes optamos por um caminho aparentemente mais fácil, nos omitindo, com enormes repercussões negativas para a vida de nossos irmãos.

Quando andamos no Espírito somos levados a relacionamentos harmoniosos com nossos irmãos. Essa ativa participação mútua cristã (“uns aos outros”, 5.26 e 6.2) é uma expressão inevitável da fraternidade cristã. Paulo se dirige aos leitores como “irmãos” (v. 1) no capítulo 6 e termina com a mesma palavra no fim do capítulo (v. 18). “Toda a argumentação se esconde sob essa única palavra, irmão” (Lightfoot). Ou seja, embora como filhos de Deus sejamos livres em Cristo, nós também somos irmãos uns dos outros. Esse texto é a resposta adequada à pergunta irresponsável de Caim: “por acaso sou o guardador do meu irmão?” (Gn 4.9). Se alguém é meu irmão, então eu sou o seu tutor. Devo cuidar dele com amor e preocupar-me com o seu bem-estar. Não devo declarar minha autoridade imaginária sobre ele, nem “provocá-lo”, nem me ressentir de sua superioridade, nem “invejá-lo”. Devo amá-lo e servi-lo. Se ele tiver um fardo pesado, devo ajudá-lo a carregar esse fardo. Se ele cair em pecado, devo restaurá-lo, fazendo-o com mansidão. O andar no Espírito nos conduzirá a esse tipo de vida cristã prática, cuidado fraternal e serviço. Amém!

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