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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O conselho de Jetro

Atualizado: 20 de fev.

¹³ No dia seguinte Moisés sentou-se para julgar o povo; e o povo estava em pé diante de Moisés desde a manhã até o pôr do sol.

¹⁴ Quando o sogro de Moisés viu tudo o que ele fazia ao povo, perguntou:

— Que é isto que você está fazendo ao povo? Por que você fica sentado sozinho e todo o povo está em pé diante de você, desde a manhã até o pôr do sol?

¹⁵ Moisés respondeu a seu sogro:

— É porque o povo vem a mim para consultar a Deus.

¹⁶ Quando eles têm alguma questão, vêm a mim, para que eu julgue entre um e outro, e eu lhes dou a conhecer os estatutos de Deus e as suas leis.

¹⁷ O sogro de Moisés, porém, lhe disse:

— Não é bom o que você está fazendo.

¹⁸ Com certeza todos ficarão cansados, tanto você como este povo que está com você. Isto é pesado demais para você; você não pode fazer isso sozinho.

¹⁹ Escute agora o que vou dizer. Eu o aconselharei, e que Deus esteja com você. Represente o povo diante de Deus, leve as suas causas a Deus,

²⁰ ensine-lhes os estatutos e as leis e faça com que conheçam o caminho em que devem andar e a obra que devem fazer.

²¹ Procure entre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens que amam a verdade e odeiam a corrupção. Coloque-os como chefes do povo: chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez,

²² para que julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a você, mas toda causa pequena eles mesmos julgarão; assim será mais fácil para você, e eles o ajudarão a levar essa carga.

²³ Se você fizer isto, e se essa for a ordem de Deus, então você poderá suportar e também todo este povo voltará em paz ao seu lugar.

²⁴ Moisés atendeu às palavras de seu sogro e fez tudo o que este lhe tinha dito.

²⁵ Escolheu homens capazes, de todo o Israel, e os constituiu por chefes sobre o povo: chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez.

²⁶ Estes julgaram o povo em todo tempo; a causa grave trouxeram a Moisés e toda causa simples eles mesmos julgaram.

²⁷ Então Moisés se despediu de seu sogro, e este voltou para a sua terra.

Êxodo 18:13-27


vv. 13-14 A razão de Moisés se sentar e o povo permanecer de pé é que, durante o procedimento legal de um julgamento, o juiz se assenta enquanto os litigantes ficam em pé. Reis, quando julgam, se assentam (Saul, em 1Sm 22.6; Salomão, em 1Rs 3.16). Veja também Provérbios 20.8: "Quando o rei se assenta no trono para julgar...". O Salmo 122.5 fala de "tronos de justiça, os tronos da casa de Davi".

Julgar não é um ministério intermitente de Moisés. Isso se tornou um ministério exaustivo, que ele faz o dia todo. Mesmo que essa expressão seja uma hipérbole, ela indica que julgar as disputas do povo não é algo que Moisés faz apenas esporadicamente. Aparentemente, as pessoas não reclamam apenas contra Deus, que as prova, e contra Moisés (Êx 2.14), mas também elas não se dão muito bem umas com as outras. Com que tipo de disputas Moisés teria de lidar? Talvez algo como: "você comeu parte do maná na minha família"; "você roubou o meu gado"; "você colou uma carga muito pesada em minha carroça ao ponto de as rodas quebrarem"; "seu filho se aproveitou da minha filha"; "você pegou mais água da rocha do que deveria, por isso eu peguei menos" etc.

No relacionamento com seus respectivos genros, o sogro Labão é um explorador, e o sogro Saul é violento, mas Jetro é um salvador, pois se preocupou com a saúde de Moisés. Um tipo de fadiga toma Moisés em Êx 17.12-13, quando Arão e Hur imediatamente o ajudam, sustentando “as mãos de Moisés, um, de um lado, e o outro, do outro; assim as mãos dele ficaram firmes até o pôr do sol. E Josué destruiu os amalequitas”. Outro tipo de fadiga agora toma Moisés, no capítulo 18, quando Jetro imediatamente o aconselha.

Se Labão é um dos personagens em Gênesis que contrastam com Jetro, Melquisedeque é um personagem de Gênesis com quem Jetro se assemelha (Gn 14.18-24). Ambos são sacerdotes estrangeiros cuja teologia e tudo o que falam sobre Deus é tão ortodoxo quanto qualquer coisa que possamos encontrar na Escritura (Gn 14.19-20; Êx 18.10-11).

vv. 15-16 O povo repetidamente vem a Moisés por duas razões diametralmente opostas. Algumas vezes eles resmungam e reclamam dele, mas, outras vezes, como ele diz em 18.15, eles o buscam para que ele "busque a Deus". Imagine que um dia alguém o confronte, dizendo: "Eu não gosto de você; você não é uma boa pessoa; você está tentando me matar". E, no dia seguinte, essa pessoa se aproxime de você para pedir que você consulte a Deus em seu favor. Por que uma pessoa falaria tão negativamente de outra com um canto da boca e depois, com o outro canto da boca, pediria a ela para ser seu intermediário diante de Deus? Essa é a inconstância da natureza humana.

O Antigo Testamento revela que há duas maneiras divinamente sancionadas para que alguém "consulte a Deus". Uma é por meio de um profeta, como em Êxodo 18. O outro modo é por meio de sacerdotes. Por exemplo, quando alguém pede a um profeta para consultar a Deus, o verbo para "consultar, inquirir" é sempre daras. Mas quando alguém pede a um sacerdote para consultar a Deus, o verbo é sa'al (Nm 27.21; Jz 18.5; 20.18,23; 1Sm 14.37; 23.2; 2Sm 2.1; 5.19,23).

Eis aqui uma segunda diferença. Quando um sacerdote consulta a Deus, ele o faz por meio do Urim e do Tumim, que é um modo sacro de lançar sortes para determinar a vontade de Deus. Desse modo, o Senhor instrui Moisés sobre Josué com estas palavras: "Josué deverá se apresentar diante de Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará o Senhor, de acordo com o juízo do Urim" (Nm 27.21). Como um profeta consulta a Deus? Certamente não é por meio do Urim, que é uma prerrogativa sacerdotal. A resposta mais provável é que seja por meio de intercessão. Mas, como Balentine diz, "transmitir uma mensagem de Deus não significa necessariamente que uma intercessão tenha ocorrido".

Há uma diferença entre o povo procurando Moisés no capítulo 18 para consultar o Senhor e todas as passagens posteriores em que uma consulta profética ocorre. Mesmo quando a prática de consultas está em alta, como durante o ministério dos profetas do norte nos séculos 10° e 9° a.C., como Micaías e Eliseu, não se vê um relato frequente dessas consultas. Durante o período clássico da profecia (do século 8° ao 5° a.C.), os exemplos bíblicos são ainda mais isolados. Por exemplo, não há qualquer referência em qualquer dos 66 capítulos de Isaías de que alguém o tenha procurado pedindo que consultasse a Deus. Moisés, entretanto, recebe muitos desses pedidos, que o deixam sem tempo para mais nada. Tudo isso indica que a "consulta a Deus" em favor de um terceiro não é uma atividade comum no ofício profético, com exceção de Moisés.

Em Êxodo 18.16, Moisés responde a esses pedidos tornando "conhecido os estatutos de Deus e os seus ensinamentos". Eles ainda não estão no Sinai, onde Deus revelará sua lei ao seu povo. Será que houve alguma revelação semelhante antes do Sinai que antecipa o Sinai? Aparentemente, sim; veja Êxodo 15.25b. O povo sabe o que é errado mesmo antes do Sinai. Caim sabe que matar é errado muito antes da revelação do sexto mandamento. Até mesmo Faraó sabe que é errado dormir com a mulher de outro homem (Gn 12.17-20), e ele nunca ouviu o sétimo mandamento (veja também Gn 20). Novack (1998:55-58) argumenta em favor da existência em Israel e em outros povos de uma "lei natural", uma lei que, por meio da razão, diz aos israelitas (e outros) quais são as normas básicas de Deus para a humanidade (Rm 2).

Entender esse episódio como uma separação de casos “sagrados”, julgados por Moisés, e casos “civis”, julgados pelos anciãos, parece errado: toda justiça era sagrada em Israel. A administração da justiça, de qualquer espécie, se encontra aqui no contexto do sacrifício e da refeição sagrada. A distinção, portanto, não é entre o sacro e o secular, mas entre problemas fáceis e problemas difíceis, os primeiros já cobertos pela tradição ou por revelação em contraste com os últimos, que exigiam uma nova revelação da parte de Deus, através de Seu agente, Moisés.

vv. 17-26 Jetro não apenas discerne o problema (muitos de nós somos bons nisso), mas ele também propõe uma solução para acabar com o problema. Sua sugestão é que Moisés selecione homens competentes e virtuosos e os designe como oficiais sobre grupos de mil, cem, cinquenta e dez, para lidar com casos menores. Moisés será procurado apenas nos casos maiores. Ilustrações de Moisés tratando dessas causas mais sérias são encontradas em Levítico 24.10-16 (o que fazer com um blasfemo); Números 9.6-13 (o que deve acontecer com os que não observarem a Páscoa no tempo devido); Números 15.32-36 (o que fazer com o indivíduo que está recolhendo gravetos no sábado). Josué também, como o sucessor de Moisés, lida com o juízo dessas pesadas causas como herança da sua função (Js 17.3-4).

Há, possivelmente, uma ligação entre a reorganização judicial feita por Moisés e aquela feita por Josafá (2Cr 19.4-11). Como em Êxodo 18, o rei desenvolve um plano judiciário em que os líderes escolhidos devem ser tementes a Deus e não podem ser tentados por parcialidade ou subornos. Tanto Êxodo 18.20 quanto 2Crônicas 19.10 usam o verbo zahar (Hiphil) para a instrução que os juízes dão ao povo sobre os estatutos e instruções de Deus. Há, certamente, algumas diferenças entre essas duas reformas. Por exemplo, Josafá, diferentemente de Moisés, não assume qualquer papel judicial. Também não há menção sobre Josafá estar cansado. Em vez disso, sua motivação é colocar a nação novamente nos trilhos para que seja o tipo de povo que Deus quer que seja. Um ingrediente essencial para que essa reforma aconteça é a necessidade de supervisão do judiciário.

Talvez encontremos algo semelhante a essa divisão de trabalho (questões maiores e menores) no livro de Atos. Os doze apóstolos terão trabalho suficiente se eles se preocuparem apenas com "a oração e o ministério da palavra" (At 6.4). Os sete "servos" são "escolhidos" (6.3) para cuidar das necessidades diárias de algumas viúvas que de outro modo seriam negligenciadas (6.1). Mas isso não é para qualquer homem. Esses diáconos devem demonstrar que têm certas qualidades: “Cheios do Espírito e de sabedoria" (6.3).

“Por que você fica sentado sozinho?” É preciso saber delegar autoridade. Moisés estava se desgastando. Isso nem sempre é prova de ambição: às vezes indica excesso de zelo ou ansiedade. Além do mais, ele estava deixando o povo “cansado” (v. 18). A demora na administração da justiça foi uma das causas acessórias da revolta de Absalão séculos mais tarde (2Sm 15.1-6).

Moisés segue e implementa o conselho de Jetro. Fazendo isso, ele demonstra uma das qualidades que, em Provérbios, é louvada por pertencer ao homem sábio: “Dê instrução ao sábio, e ele se tornará mais sábio ainda" (9.9); "o sábio ouve os conselhos" (12.15b); "Ouça os conselhos e receba instrução, para que você seja sábio a partir de agora" (19.20); "Os planos são estabelecidos mediante conselhos" (20.18).

Mas não é toda pessoa que ouve conselhos aqui. É ninguém menos que Moisés, o libertador de Israel, chamado, capacitado e ungido por Deus, mediador entre Deus e Israel, aquele que Deus sepultará em um local não identificado (Dt 34.5-6) para que o povo não o adore ou queira consultar seu espírito quando ele morrer. E este é um conselheiro singular: Jetro, um sacerdote estrangeiro. E que outro assunto é mais crucial do que o modo como a nação trata a justiça?

Será que Deus pode usar um "incrédulo" para corrigir um ponto cego na vida de um "crente"? Deve o povo de Deus se abrir para ouvir uma nova verdade que vem de uma fonte inesperada? Não é Jesus que diz que em algumas ocasiões o povo do mundo é mais sábio que o povo da luz (Lc 16.8b)? Se Deus suscita louvor dos lábios de crianças (Mt 21.16), por que não poderia ele suscitar conselho dos lábios de um pastor midianita? Childs observa muito bem que, "como o mundo de experiência era não menos uma avenida pela qual Deus agia, a narrativa pode atribuir o fundamento institucional da lei em Israel ao conhecimento prático sem qualquer indicação de que isso venha posteriormente denegrir sua importância na economia divina".

Não sabemos os nomes de nenhum desses líderes. Se eu tivesse o privilégio de fazer essa escolha, dentre outros, eu escolheria as parteiras do capítulo 1 de Êxodo, isso se Jetro não tivesse limitado sua sugestão a “homens capazes", muito embora algumas passagens como Pv 31.10 falam “mulheres virtuosas”. Ninguém pode questionar a competência das parteiras. Elas temem a Deus (Êx 1.21). Elas sabem agir na crise e fazer aquilo que é apropriado. Algo que sabemos é que esses líderes não devem vir de um grupo fechado de indivíduos, como, por exemplo, os anciãos. Em vez disso, devem ser escolhidos "dentre todo o povo" – talvez um ancião e também uma pessoa que carrega carroças.

Moisés reconta esse evento em Deuteronômio 1.9-18, mas com diferenças. Por exemplo, Moisés nunca menciona Jetro em Deuteronômio 1, ou que a designação desses líderes judiciários seja ideia de Jetro. Em vez disso, isso foi feito por iniciativa de Moisés. Segundo, em Êxodo Moisés seleciona os candidatos, enquanto em Deuteronômio 1.13 o povo escolhe os candidatos. Terceiro, as qualificações diferem um pouco, já que "homens capazes, tementes a Deus, homens que amam a verdade e odeiam a corrupção" (Êx 18.21) é substituído por "sábios, inteligentes e experimentados" (Dt 1.13). Quarto, em Deuteronômio 1.16-17 Moisés dá aos juízes instruções sobre o juízo imparcial. O relato de Êxodo nada diz sobre isso.

Algumas dessas diferenças podem ser facilmente explicadas. Primeiro, Moisés, em Deuteronômio, está lembrando um momento, um evento, que aconteceu quarenta anos antes. Algumas mudanças, cortes e adições podem ser esperados. Segundo, é muito provável que, quando Moisés seleciona os líderes, ele ouça sugestões do povo, em vez de agir de maneira completamente autônoma. Uma vez que ele ouve o conselho de Jetro, por que não ouvir os conselhos do seu próprio povo? Quantos líderes de grupos de mil até grupos de dez são necessários para uma comunidade de milhões? Tigay (1996:11, 345n50) cita as fontes rabínicas (Talmude Babilônico, Sanhedrin 18; Sipre Deuteronomio 13) que dizem que Moisés designou 78.600 indivíduos. Terceiro, a diferença nas qualificações não é significativa (mesmo que não mencione "tementes a Deus" em Dt 1) e pode ser entendida como aquilo que chamamos de paráfrase.


Assista o sermão completo no nosso canal do Youtube:



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