top of page
Foto do escritorChristian Lo Iacono

O equilíbrio entre guardar e doar - I | Série: O bom samaritano e a igreja | Parte VI


35 No dia seguinte, separou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: "Cuide deste homem. E, se você gastar algo a mais, farei o reembolso quando eu voltar."


Lucas 10.35


Doar e guardar: uma vida equilibrada

O serviço que o samaritano prestou custou bem caro. Fica evidente que ele colocou seus planos de lado. Para onde quer que estivesse se dirigindo naquele dia, ele com certeza não chegou lá. Mais ainda, arriscou a própria segurança ao parar em uma estrada tão perigosa. O preço de seu ministério teria sido ainda maior se os ladrões houvessem retornado! A Bíblia diz que o samaritano levou o ferido para uma hospedaria e cuidou dele a noite inteira. No dia seguinte, ele pagou por (provavelmente) algumas semanas de hospedagem. Contudo, em última análise, seu gesto de misericórdia não tinha data para terminar: "Eu pagarei todas as despesas dele."

 

O ministério de misericórdia é custoso. Quando um empresário declara "Fiz uma doação lá no escritório", sua atitude é meramente simbólica, muito diferente do espírito cristão de misericórdia. A Bíblia afirma repetidas vezes que não basta ofertar aos pobres. Devemos ofertar generosamente. Em Deuteronômio 15.7,8 lemos: "— Se houver algum pobre entre vocês, no meio dos seus irmãos, em alguma das cidades de vocês, na terra que o Senhor, seu Deus, lhes dá, não endureçam o seu coração, nem fechem as mãos a seu compatriota pobre; 8 pelo contrário, devem abrir a mão para ele e lhe emprestar o que lhe falta, tudo aquilo de que tiver necessidade". Paulo dá a entender que uma oferta pífia não é apenas sinal de mesquinhez, mas também de avareza (2Co 9.5).

 

Deus exige mais do que um desembolso significativo de nossos recursos materiais para socorrer os necessitados. Somos impelidos a entregar nosso coração e mente. Nesse sentido, não deveríamos ter que fazer muito esforço para levar pessoas a ofertarem para aqueles que precisam. Em Salmos 41.1 lemos: "Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados". Um comentarista observou: "A palavra ajuda é notável, pois geralmente descreve a sabedoria prática do homem de negócios e, assim, implica pensar cuidadosamente na situação do necessitado, em vez de ajudar de modo superficial" (Derek Kidner).

 

Devemos analisar a situação do pobre e descobrir maneiras de levá-lo à independência financeira. Isso requer investimento pessoal de tempo e energia mental e emocional. Deus busca um coração generoso e espontaneamente disposto a ajudar os necessitados; sem esse coração, o que entregamos com as mãos não é aceitável. “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade, porque Deus ama quem dá com alegria (2Co 9.7).

 

Vida simples

 

Será possível, então, a classe média abraçar o ministério de misericórdia sem alterar radicalmente seu estilo de vida?

 

Proponentes modernos

 

Existe hoje um chamado para que os cristãos levem uma "vida simples". O ensino básico dos proponentes desse estilo de vida é: entregue ao Senhor e aos necessitados todos os seus bens materiais, conservando apenas o imprescindível. Talvez o defensor mais famoso desse estilo de vida simples seja Ron Sider. Ele propõe o que chama de "dízimo gradual": o dízimo aumenta na proporção em que os rendimentos da pessoa aumentam. Sider dizia que, para uma família de cinco pessoas, tudo o que passasse de 14.850 dólares deveria ser ofertado (esse valor leva em conta a cotação do dólar em 1977, época em que Ron Sider disse isso).

 

Ele incentiva as famílias a viver comunitariamente, a ficar de dois a três anos sem comprar roupas, a baixar drasticamente o padrão de vida e, com isso, ter condições de dar de 20% a 50% de sua renda ao Senhor e aos necessitados. Algumas igrejas foram construídas com base nesses princípios. Sider menciona várias delas em um livro de sua edição. Em um desses grupos, o Reba Place Fellowship, muitos membros moram em casas e apartamentos que pertencem à igreja. Os carros são compartilhados e a comida é adquirida de forma cooperada. Em 1980, o custo de vida médio mensal era de apenas 240 dólares por adulto. Cerca de 30% dos assalariados entregavam acima de 50% de seus ganhos à igreja; outros 20% entregavam mais de 30% de seus ganhos.

 

Proponentes históricos

 

Se alguém disser que o ensino do "estilo de vida simples" é um modismo recente, devemos esclarecer que não é. Talvez seu adepto mais famoso do passado seja John Wesley. Quando ele morreu, tudo o que deixou foi um casaco e duas colheres de chá de prata, apesar de, no final da vida, ganhar até 1.400 libras anuais com a venda de sermões e livros. Isso aconteceu porque Wesley não gastava mais de 30 libras por ano para viver, mesmo quando sua renda aumentou quarenta vezes. Wesley sentenciou: "Se eu deixar para trás dez libras, você e o mundo inteiro darão testemunho de que vivi e morri como ladrão e salteador". Outro homem que viveu em situação bastante humilde foi o notável George Mueller de Bristol. Quando morreu, ele tinha somente 850 dólares; contudo, estima-se que Mueller deu 180 mil dólares à obra de Deus.

 

O conceito do estilo de vida simples não ficou restrito a alguns líderes conhecidos. Ao contrário, era ensino comum nas igrejas evangélicas dos séculos 18 e 19. O pastor e compositor sacro John Newton escreveu uma carta muito interessante a um jovem pai de família que desejava saber quanto deveria ofertar aos pobres. Logo de início, Newton expressa seu desagrado com o jeito mundano de a maioria dos cristãos lidar com as questões financeiras:

 

“Geralmente, em primeiro lugar, tomamos providências para nos abastecermos o máximo possível de bens de primeira necessidade, de comodidades, e de não poucos refinamentos da vida. Depois, buscamos fazer um bom pé de meia, como se diz [...] para, quando olharmos para nossos filhos e familiares, aquietarmos o coração, dizendo: ‘Eles estão bem cuidados’. Depois de conseguirmos tudo isso e mais um pouco, talvez nos contentemos, por amor a Cristo, em ofertar aos pobres uma parte insignificante do que nos sobra, 10% ou 20% do que gastamos ou entesouramos para nós mesmos. Ora! Será que nesse aspecto fazemos mais do que os outros? Multidões de pessoas que nunca ouviram do amor de Cristo agem da mesma forma” (John Newton).

 

A seguir, Newton apresenta duas diretrizes para o ministério de misericórdia. Primeira, escolher um padrão de vida que seja "apenas decente" — as necessidades mais básicas da vida, sem (segundo ele classifica) "comodidades" e "refinamentos". Além disso, devemos gastar com os pobres o mesmo que gastamos conosco, centavo por centavo. Em outras palavras, devemos ofertar metade de nossa renda disponível. De certa forma, esse plano é menos austero que o "dízimo gradual" proposto por Sider, mas, em geral, é um desafio e tanto para o nosso estilo de vida.

 

A segunda diretriz de Newton desencoraja o cristão a receber ou entreter amigos que não sejam pobres. "Diga-lhes que você os ama", Newton afirma, mas explique que não pode recebê-los, "nem mesmo por uma noite". Por quê? "Chegamos quase a pensar que Lucas 14.12-14 não faz parte da Palavra de Deus": “Depois Jesus disse ao que o havia convidado: — Quando você der um jantar ou uma ceia, não convide os seus amigos, nem os seus irmãos, nem os seus parentes, nem os vizinhos ricos; para não acontecer que eles retribuam o convite e você seja recompensado.13 Pelo contrário, ao dar um banquete, convide os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos,14 e você será bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensá-lo. A sua recompensa você receberá na ressurreição dos justos.

 

Newton acreditava que a Bíblia nos manda alimentar e hospedar os estrangeiros e os pobres em nossa própria casa. Mas parece mais moderado em sua conclusão: "Não acho errado receber os amigos; mas se essas palavras [Lucas 14.12-14] não nos ensinam que em alguns aspectos temos de dar preferência aos pobres, então não sei o que elas estão dizendo". Resumindo, Newton admoestou os cristãos a pegarem o dinheiro que gastariam para receber e entreter os amigos e usá-lo no ministério de suas famílias para com os pobres.

 

Devemos ainda observar que, quando Newton insistia em um estilo de vida simples, ele não supunha que uma boa quantia dos nossos rendimentos fosse colocada na poupança: “Alguém talvez pergunte: ‘Então você não se importa que a esposa ou os filhos fiquem desprovidos?’. Muito ao contrário. Eu gostaria que você cuidasse disso muito bem e, atenção, as Escrituras nos apresentam um caminho mais excelente. Se tivesse algum dinheiro sobrando, você não me faria um empréstimo, se eu garantisse que pagaria na data combinada? [...] Provérbios 19.17 diz: ‘Quem se compadece do pobre empresta ao SENHOR, e este lhe retribuirá o seu benefício’. O que você acha desse versículo? Ele é ou não é a palavra de Deus? [...] Ouso apostar em nossa amizade tudo o que tenho ... se você agir conforme essa máxima, em espírito de oração e fé, e tendo em vista somente a glória de Deus, você jamais ficará decepcionado.”

 

John Newton aconselhou o jovem pai de família a: (1) escolher um padrão de vida que exigisse o mínimo possível de coisas materiais; (2) pegar o dinheiro destinado ao entretenimento e usá-lo no ministério da família para com os pobres; (3) fazer da generosidade aos pobres uma prioridade, acima da poupança e da aposentadoria. Existe indicação de que os conceitos de Newton não eram incomuns aos ministros do evangelho de sua época (Keller).

 

Contentamento bíblico

 

Os cristãos divergem bastante quanto às questões que estamos discutindo. Como observamos, algumas pessoas veem esse chamado na Bíblia inteira. John Wesley, em um sermão baseado em Mateus 6.19-23 ("Não ajunteis tesouros na terra"), afirma claramente que o cristão que possui mais do que o suficiente para suprir "as necessidades básicas da vida nega o Senhor de forma aberta e costumeira; conquistou para si riquezas e o fogo do inferno".

 

Outras pessoas têm muita dificuldade com essa perspectiva. David Chilton escreve: "A única exigência de Deus é que entreguemos 10% de nossa renda; uma vez que cumpramos a exigência, nada mais nos é exigido". De acordo com esse pensamento, ninguém, não importa o tamanho de sua riqueza, é obrigado a entregar mais do que o dízimo. Esse conceito rejeita totalmente o chamado a um estilo de vida simples proposto por Sider, Wesley e Newton.

 

Mas o que a Bíblia diz sobre viver com simplicidade?

 

Seja moderado

 

Não faltam ao cristão versículos bíblicos incentivando um estilo de vida moderado. Em Hebreus 13.5 lemos: "Que a vida de vocês seja isenta de avareza. Contentem-se com as coisas que vocês têm, porque Deus disse: ‘De maneira alguma deixarei você, nunca jamais o abandonarei.’" Para ser feliz, temos de nos livrar do amor ao dinheiro e da cobiça, aqui definida como o impulso contínuo de elevar nosso padrão de vida.

 

Entretanto, Hebreus 13.5 não é muito explícito sobre que padrão é esse. Mas 1Timóteo 6.6-9 é mais claro: "De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. 7 Porque nada trouxemos para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. 8 Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. 9 Mas os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas ...". Para alguns comentaristas a melhor tradução seria "alimento e abrigo" (William Hendricksen). Aqui Paulo está dizendo que precisamos de um padrão de vida suficiente para manter nossa saúde. Tendo isso, podemos ficar satisfeitos.

 

Contente-se

 

Esses textos guiavam John Newton quando ele desafiava os cristãos a: (1) estabelecer um padrão de vida apenas decente ("alimento e roupa"); (2) não investir pesado em poupança e aposentadoria ("nada podemos levar"), pois Deus é nossa aposentadoria ("nunca te deixarei, jamais te desampararei"). Os dois versículos dizem que devemos nos contentar, verbo que significa sentir uma satisfação genuína da alma (William Hendricksen).

 

Não há ansiedade, lamento corrosivo nem ressentimento contra quem possui, como o próprio Newton define, as "comodidades e os refinamentos" desta vida. A diferença entre cristãos e não cristãos é a confiança de que Deus proverá as coisas materiais. "... aquele que semeia pouco também colherá pouco; e o que semeia com fartura também colherá com fartura. [...] Deus pode tornar abundante em vocês toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, vocês sejam abundantes em toda boa obra, 9 como está escrito: ‘Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre.’" (2Co 9.6,8,9).

 

Isso quer dizer que os cristãos não têm motivo para ganhar dinheiro e aumentar seu patrimônio? De jeito nenhum! O motivo principal do cristão é ser excelente em seu trabalho para a glória de Deus. A Bíblia nos manda trabalhar com afinco e habilidade como forma de glorificarmos a Deus e servirmos ao próximo (Pv 18.9; 22.29; Ec 3.22). Em geral, dedicação ao trabalho resulta em aumento de renda (Pv 10.2-4; 12.1,24), embora esse não seja o objetivo principal do cristão em trabalhar (Pv 23.4: "Não se fatigue para ficar rico"; Cl 3.22-25).

 

O segundo motivo do cristão para aumentar o rendimento financeiro é ser frutífero em boas obras. Paulo, ao falar sobre ladrões que se converteram, diz: "Aquele que roubava, não roube mais; pelo contrário, trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com quem está passando necessidade" (Ef 4.28). Devemos acumular riqueza precisamente para fazer obras de misericórdia e expandir o reino de Deus. As riquezas não devem ser acumuladas "para vocês" (Mt 6.19-21, NVI).

 


Assista o Sermão completo no Youtube:






11 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page