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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O Medo da Morte | Parte II


“Irmãos, não queremos que vocês ignorem a verdade a respeito dos que dormem, para que não fiquem tristes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, na companhia dele, os que dormem” (1Ts 4.13-14).


Como enfrentar a morte de nossos queridos? Porque é certo que haverá muitas mortes em nosso futuro. E se tivermos a felicidade de viver por muitos anos, nos depararemos cada vez mais com a morte, inclusive de pessoas muito amadas. De acordo com esse texto de Paulo, a fé cristã nos dá recursos extraordinários para lidar com a nossa morte e também com a perda de pessoas que amamos.


Paulo, em outras palavras, está aqui dizendo: “Quero que se entristeçam com esperança”. Ele pede um equilíbrio extremo diante desse Grande Inimigo, a morte. Quando imaginamos alguém “equilibrado” geralmente pensamos em alguém que evita extremos. Mas Paulo nos exorta a buscar uma combinação equilibrada de dois extremos. Ele não diz: “Não se entristeçam”. Ele quer que os cristãos se entristeçam quando seus queridos morrerem, mas quer que o façam de um modo específico. Também não diz: “Em vez de se entristecerem, quero que tenham esperança”, nem “Não há esperança nenhuma, então é melhor chorar e se entristecer”. Antes, ele diz que os cristãos podem e devem se entristecer profunda e plenamente, e, no entanto, fazê-lo com esperança. Mas como?


Devemos nos entristecer, e não adotar uma abordagem estoica. Embora a tristeza seja apropriada, pode se transformar em amargura; pode tornar a vida amarga e sombria e sufocar a alegria, a menos que seja temperada com esperança. O exemplo mais notável disso é Jesus no túmulo de seu amigo Lázaro em João 11. Jesus não foi até Maria e Marta, as irmãs enlutadas, e aconselhou: “Não fiquem assim. Nada de drama. Cabeça erguida. Sejam fortes”. Não falou nada disso. Quando Maria se dirige a ele, o texto nos informa que “Jesus chorou” (Jo 11.35). Ele não fala, mas apenas chora. E, então, quando Jesus vai ao túmulo de Lázaro, o texto dá a entender que ele estava indignado (v. 38). Jesus, o Filho de Deus, sabia muito bem que estava prestes a realizar um grande milagre e ressuscitar seu amigo. Seria de imaginar que ele caminharia para o túmulo serenamente, sorrindo e pensando: “Esperem até ver o que farei! Vai ficar tudo bem!”. Em vez disso, ele chora, se entristece, fica irado (“agitando-se novamente em si mesmo”, v.38).


Como é possível o Criador do mundo se irar com algo em seu mundo? Só é possível se a morte for uma intrusa. A morte não fazia parte do plano original de Deus para o mundo e para a vida humana. Veja os três primeiros capítulos de Gênesis. Não fomos criados para morrer; fomos criados para permanecer. Fomos criados para nos tornar cada vez mais belos com a passagem do tempo, e não cada vez mais debilitados. Fomos criados para nos fortalecer, e não enfraquecer e morrer. Paulo explica em Romanos 8.18-23 que, quando nos afastamos de Deus e nos tornamos nossos próprios senhores e salvadores, tudo se desintegrou. Nosso corpo, a ordem natural, nosso coração, nossos relacionamentos, nada funciona como foi criado originalmente para funcionar. Tudo está desfigurado, distorcido e quebrado, e a morte faz parte desse quadro (Gn 3.7-19). Por isso, Jesus chora e fica irado com a monstruosidade da morte. Ela é uma terrível distorção da criação que ele ama.


Portanto, a reação estoica de “nada de drama” diante da morte e da tristeza é equivocada. Há muitas versões dessa reação. Uma delas diz: “Não fique assim. Ele está com o Senhor. O Senhor faz todas as coisas cooperarem para o bem. Não precisa chorar tanto. Claro que você vai sentir saudades dele, mas agora ele está no céu. E tudo acontece por um motivo”. Tecnicamente, talvez não haja nada de errado com essas declarações. É possível que sejam verdadeiras. Mas Jesus também conhecia todas elas. Sabia que Lázaro seria ressuscitado. Sabia dessa parte do plano do Pai para seu ministério. E, ainda assim, ele se entristeceu profundamente e se indignou. Por quê? Porque essa é a reação correta diante do mal e da não naturalidade da morte.


A maioria dos conselhos não cristãos para os enlutados é uma versão do estoicismo. Encontramos um exemplo antigo na Ilíada, em que Aquiles diz ao pai do falecido Heitor: “Seja forte... De nada adiantará entristecer-se por seu filho”. Os céticos atuais dirão: “A morte é o fim. Nada mais. Entristecer-se por causa dela não faz diferença. Não ajuda em nada. As coisas são assim”. Uma versão moderna mais sofisticada da perspectiva secular nos instruiu a considerar a morte uma parte perfeitamente natural do ciclo da vida. Ela diz: “A morte é natural. Faz parte da vida. Não há motivo para ter medo. Nosso corpo enriquece o solo como fazem a grama, as árvores e os outros animais quando morrem. Por fim, tornamo-nos poeira cósmica. Continuamos a fazer parte do Universo. É tranquilo”. Mas será que esse conceito de morte corresponde a nossas intuições mais profundas?


O filósofo cristão Peter Kreeft conta a história de um casal de amigos dele. Nenhum dos dois era religioso. Tinham um filho de 7 anos cujo primo de 3 anos faleceu. Sentaram-se com o menino e procuraram consolá-lo. Disseram: “A morte é perfeitamente natural. Quando você morre, seu corpo vai para a terra, enriquece o solo e outras coisas podem crescer. Você viu no Rei Leão, lembra?” Em vez de o garoto ser consolado, ele saiu do quarto correndo e gritando: “Eu não quero que ele seja adubo!” Esse menino estava mais próximo da perspectiva de Jesus que seus pais. Estava triste. A morte não é normal. Não é como deve ser. Não é como Deus criou o mundo.


Dizer “a morte é natural” é endurecer e talvez até matar uma parte da esperança de nosso coração que nos torna humanos. Sabemos, lá no fundo, que não somos como as árvores ou a grama. Fomos criados para permanecer. Não queremos ser efêmeros e irrelevantes. Não queremos ser apenas uma onda sobre a areia. Desejamos no mais recôndito de nosso coração um amor duradouro. A morte não é o ideal; é anormal, não é uma amiga e não é correta. Não faz parte verdadeiramente do círculo da vida. Por isso nos entristecemos, choramos. A Bíblia nos instrui não apenas a chorar, mas a chorar com os que choram (Rm 12.15). E, assim, acabamos tendo de chorar um bocado.


Embora certamente tenhamos o direito de nos entristecer, Paulo diz que devemos nos entristecer com esperança. Reprimir a tristeza e a ira diante da morte não apenas faz mal para nós, mas também é prejudicial para nossa humanidade. E, no entanto, a ira também pode ser desumanizadora e nos tornar amargurados e endurecidos. Isso significa que não podemos apenas nos indignar com a morte. Também precisamos de uma esperança que influencie nossa forma de nos entristecer. Mas que motivos temos para esperança? Observe Jesus no túmulo de seu antigo amigo Lázaro. Jesus estava triste, chorava e estava irado, embora soubesse que, em poucos minutos, ressuscitaria seu amigo. Ele tem conhecimento, porém, de algo que ninguém mais poderia imaginar. No fim do capítulo 11 de João, depois que Jesus ressuscita Lázaro, todos os seus adversários dizem: “É a gota d’água. Agora vamos ter de matá-lo. Vamos ter de matar Jesus”.


Jesus sabia que a ressurreição de Lázaro forçaria seus inimigos a tomar medidas extremas. Por isso, estava ciente de que a única forma de tirar Lázaro do túmulo era ele próprio se colocar lá dentro. A fim de Jesus garantir ressurreição para todos que creem nele, precisa colocar-se na sepultura. Foi o ele que fez na cruz. Graças à morte de Jesus, somos libertos do pecado e da morte, e participamos de sua ressurreição, como está escrito em Romanos 6.5-9: “Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição, sabendo isto: que a nossa velha natureza foi crucificada com ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sejamos mais escravos do pecado. Pois quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele. Sabemos que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele”.


Jesus venceu a morte, e participaremos de sua ressurreição. Essa é a nossa esperança. Se você não tem essa esperança, não sei ao certo o que você faz na presença da morte. Mas sei o que pode fazer: pode deixá-la envenenar sua alma e causar desespero. Ou pode acrescentar esperança à sua tristeza. Costumamos imaginar que tristeza e esperança são mutuamente exclusivas, mas Paulo diz que não é o caso. Quando nos entristecemos e nos iramos diante da morte, reagimos a um grande mal de forma apropriada. No entanto, os cristãos têm uma esperança que pode ser adicionada à nossa tristeza e ira como o sal é aplicado na carne. Não é certo reprimir a ira nem dar lugar ao desespero. Nem a ira reprimida nem a fúria desenfreada fazem bem à alma. Mas aplicar esperança à tristeza nos torna sábios, compassivos, humildades e bondosos. Entristeça-se plenamente, mas com profunda esperança! Uma coisa é dizer às pessoas “os cristãos têm esperança diante da morte”; e outra, apropriar-se dessa esperança de modo pessoal e prático quando temos um câncer que pode nos matar.


Alguns comentaristas ressaltam que existem muitas religiões, e quase todas elas acreditam em algum tipo de vida depois da morte. Como é possível, então, Paulo dizer que o restante da raça humana não tem esperança diante da morte? (1Ts 4.13b) Ora, Paulo fala de modo relativo. Quando Jesus diz em Lc 14.26 que seus seguidores devem “odiar seu pai e sua mãe”, quer dizer que a devoção ao Senhor deve ser tão grande que, em comparação com ela, todos os outros vínculos de lealdade empalidecem e parecem ódio. De modo semelhante, Paulo não diz que ninguém tem expectativa de vida depois da morte, mas que a esperança futura dos cristãos é singularmente poderosa. Ele nos chama a ter prazer na grandeza de nossa esperança a fim de que nos preparemos para a morte.


Quais são algumas das características dessa esperança singular que temos diante da morte? (1) É uma esperança pessoal. O futuro daqueles que morrem em Cristo é um mundo de amor infinito. Algumas religiões dizem: “Sim, há vida depois da morte, mas perde-se a consciência pessoal. Perde-se a percepção de individualidade que, aliás, é uma ilusão. É como se você fosse uma gota d’água que volta para o mar. Deixa de ser uma gota e torna-se parte da Alma Única. Depois da morte, não há mais você ou eu, mas continuamos a fazer parte do Universo”. Contudo, Paulo escreve: “Porque o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolem uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4.16-18).


Observe todas as referências ao fato de que estaremos juntos uns com os outros. Você estará com as pessoas que perdeu. Veja, também, a expressão “com o Senhor”. Estaremos com ele para sempre. Essas são palavras que significam relacionamentos pessoais, relacionamentos perfeitos de amor que duram para sempre. O conhecido sermão de Jonathan Edwards “O céu é um mundo de amor” começa com a afirmação de que a maior felicidade que podemos conhecer é ser amados por outra pessoa; ele acrescenta, porém, que na terra os mais extraordinários relacionamentos de amor são como um cano entupido pelo qual passa apenas um pouco de água (ou de amor). No céu, porém, todos os pontos de “entupimento” serão removidos, e o amor que experimentaremos será infinito e inexprimivelmente maior que qualquer coisa que tenhamos vivenciado aqui. Na terra, escondemo-nos por trás de fachadas, pois temos medo de ser rejeitados; isso significa que jamais experimentaremos o poder transformador de sermos plenamente conhecidos e, ainda assim, inteiramente amados. Além disso, amamos de forma egoísta e invejosa, que atrapalha, enfraquece e até acaba com relacionamentos de amor.


Por fim, segundo Edwards, nossos relacionamentos de amor se desenvolvem à sombra do medo de perder a outra pessoa, o que pode nos tornar controladores a ponto de afastar as pessoas ou, em outros casos, nos levar a ter medo de assumir qualquer compromisso. Edwards encerra o sermão com a declaração de que todas essas coisas que podem reduzir o amor neste mundo e transformá-lo em apenas um fio de água no leito de um rio são removidas quando chegamos ao céu, onde o amor é uma torrente perpétua e uma fonte de prazer e êxtase que flui infinita e eternamente para nós e de nós. A esperança cristã é de um futuro pessoal de relacionamentos de amor.


Nossa (2) esperança também é material. Observe que Paulo não diz apenas que iremos para o céu. Ele diz que “os mortos em Cristo ressuscitarão”. Sim, cremos que nossa alma vai para o céu quando morremos, mas esse não é o final culminante da salvação. No fim de todas as coisas, teremos um novo corpo. Seremos ressuscitados como Jesus foi. Lembre-se de que quando o Jesus ressurreto encontrou seus discípulos, disse que tinha “carne e osso”, que não era um espírito. Para provar isso, comeu diante deles (Lc 24.37-43). Ensinou seus discípulos que, ao contrário de todas as outras religiões, a fé cristã não promete somente um futuro espiritual, mas céus e terra renovados, um mundo material aperfeiçoado do qual terão sido eliminados lágrimas, enfermidades, o mal, a injustiça e a morte.


Nosso futuro não é imaterial. No reino de Deus não vamos levitar como fantasmas. Vamos caminhar, comer, abraçar e ser abraçados. Vamos amar. Vamos cantar, pois teremos cordas vocais. E vamos fazer tudo isso com graus de alegria, excelência, satisfação, beleza e poder que não somos capazes de imaginar no presente. Vamos comer e beber com o Filho de Deus. E essa é a derrota definitiva da morte. Não é apenas um consolo no céu para a vida material que perdemos. É a restauração dessa vida. É receber o amor, o corpo, a mente, o ser pelos quais sempre ansiamos. Você tem uma identidade verdadeira, uma essência autêntica dentro de si, mas também tem uma porção de falhas e fraquezas que encobrem, desfiguram e escondem essa identidade. A esperança cristã, porém, é de que o amor e a santidade de Deus consumirão as falhas e as fraquezas. Naquele dia, olharemos uns para os outros e diremos: “Sabia que você poderia ser assim. Tive lampejos e vislumbres de seu verdadeiro eu. E agora, olhe só!”


Paulo, que tinha algum conhecimento de outras culturas e religiões do mundo, diz que nosso futuro não é um mundo impessoal e imaterial de espiritualidade abstrata, mas um futuro pessoal de relacionamentos de amor e de restauração de todas as coisas. Se a consciência desse futuro estivesse sempre presente em nossa mente, será que ficaríamos tão desanimados quanto ficamos por vezes? Por que pensar em vingança contra quem o tratou de forma injusta se você sabe que receberá não apenas tudo o que desejou, mas ainda mais do que ousa pedir ou imaginar? Por que ter inveja de alguém? Essa esperança é transformadora!


(CONTINUAR na outra semana) A esperança pessoal e a esperança material são acompanhadas de (3) esperança beatífica. Paulo não diz que simplesmente estaremos junto com outros. E também não gasta muito tempo explicando como o mundo será lindo quando for restaurado. Essa não é a ideia central em sua mente. A nota final, a ênfase maior é que estaremos “com o Senhor para sempre” (1Ts 4.17). Em outras palavras, teremos perfeita comunhão com ele e o veremos face a face. Historicamente, essa realidade é chamada de “visão beatífica”.


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