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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O Medo da Morte | Parte III



“Irmãos, não queremos que vocês ignorem a verdade a respeito dos que dormem, para que não fiquem tristes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, na companhia dele, os que dormem. E, pela palavra do Senhor, ainda lhes declaramos o seguinte: nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, de modo nenhum precederemos os que dormem. Porque o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolem uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4.13-18).


Na semana passada, vimos que nosso futuro não será um mundo impessoal e imaterial de espiritualidade abstrata, mas será um futuro pessoal de relacionamentos de amor e de restauração de todas as coisas. Se a consciência desse futuro estivesse sempre presente em nossa mente, será que ficaríamos tão desanimados quanto ficamos por vezes? Por exemplo, por que pensar em vingança contra quem o tratou de forma injusta se você sabe que receberá não apenas tudo o que desejou na vida, mas ainda mais do que ousa pedir ou imaginar? Por que ter inveja de alguém? Assim, essa esperança é transformadora.


Prosseguindo hoje com esse tema das características da esperança cristã, podemos dizer também que a (1) esperança pessoal e a (2) esperança material são acompanhadas de (3) esperança beatífica. Paulo não diz que após a morte simplesmente estaremos junto com outros. Ele também não gasta muito tempo explicando como o mundo será lindo quando for restaurado. Essa não é a ideia central em sua mente. A nota final, a ênfase maior é que estaremos “com o Senhor para sempre” (1Ts 4.17). Em outras palavras, teremos perfeita comunhão com ele e o veremos face a face. Historicamente, essa realidade é chamada de “visão beatífica”.


Paulo fala sobre isso em 1Coríntios 13.12: “Agora, pois, vemos apenas um reflexo, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, assim como sou plenamente conhecido”. João também fala dessa visão em 1João 3.2: “Sabemos que, quando Cristo se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é”. Ou seja, quando olharmos para a face de Cristo no futuro, seremos completamente transformados, pois, como Paulo diz, finalmente seremos plenamente conhecidos e, no entanto, plenamente amados.


Quando Moisés pediu, com temor e tremor, para ver a glória divina (Êx 33.18), Deus respondeu que seria fatal para qualquer ser humano contemplar sua glória diretamente (Êx 33.19-20). Seres humanos pecadores não podem entrar na presença do Deus santo e viver. Contudo, Moisés certamente sabia desse perigo. Por que, afinal de contas, ele buscou essa visão direta da glória de Deus? Porque sabia intuitivamente que fomos criados para conhecer e amar a Deus de modo supremo, para ter comunhão com seu amor e ver sua beleza. Moisés sabia, em alguma medida, que nossa inquietação humana, aquilo que nos leva a buscar aprovação, consolo, experiências estéticas, amor, poder, realização é uma forma de preencher o que Agostinho chamou, celebremente, “um vazio do formato de Deus” dentro de nós. Porque em todos os braços, na verdade, procuramos os braços de Deus, em toda a face cheia de amor procuramos a face de Deus, em toda a realização procuramos a aprovação de Deus, diria Agostinho.


Moisés estava em busca da visão beatífica, do relacionamento direto, face a face, com Deus, para o qual fomos criados. A resposta de Deus a Moisés é, basicamente, o tema do restante da Bíblia e do próprio evangelho. Deus disse a Moisés que ele teria de ser coberto ou escondido na fenda de uma rocha para que visse apenas as “costas” de Deus (Êx 33.19-23). No AT, vemos a glória de Deus residir no Santo dos Santos no Tabernáculo, presente no meio de seu povo, mas, em sua maior parte, inacessível. Quando Jesus vem ao mundo, porém, João anuncia que, em Cristo, “vimos a sua glória” (Jo 1.14), e Paulo acrescenta que, graças à morte e à obra de Cristo em nosso favor, aqueles que creem nele experimentam, pela fé, um antegosto dessa futura visão transformadora: “Porque Deus, que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo” (2Co 4.6).


Esse não é o encontro direto, face a face, que Moisés pediu e que, de acordo com Paulo e João, ainda está no futuro. Antes, é uma “visão pela fé” que podemos ter no presente. Ainda não podemos ver a glória de Deus com nossos olhos físicos, mas, pela fé, a Palavra e o Espírito podem nos dar forte percepção de sua presença e realidade em nossa vida e em nosso coração. Por vezes, lemos promessas e verdades das Escrituras, e Jesus se torna irresistivelmente real e consolador para nós. Paulo expressa esse fato da seguinte forma: “E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, que é o Espírito” (2Co 3.18).


Paulo fala de algo que ocorre muito mais raramente do que deveria, mas não é uma experiência reservada para uns poucos santos. Em Romanos, ele escreve: “A esperança não nos deixa decepcionados, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (5.5). Ele afirma que nossa esperança futura é fortalecida na proporção em que não apenas conhecemos intelectualmente o amor de Deus, mas em que ele é derramado em nosso coração – é experimentado – por meio do Espírito Santo. Muitos vivenciaram aquilo a que Paulo se refere. Talvez você esteja lendo a Bíblia, orando ou cantando louvores a Deus quando percebe sua grandeza e seu amor. É apenas parcial, apenas pela fé, mas o consola e o transforma. É a luz de sua face que resplandece em nosso coração. William Cowper escreveu: “Por vezes, uma luz surpreende o cristão enquanto ele louva; é o Senhor que ascende com sua cura que repousa”.


Como C. S. Lewis observa, se essa parte da glória de Deus que se encontra correnteza abaixo é tão inebriante, como será beber diretamente da fonte? (O Peso da Glória). Para isso fomos projetados. O salmo 16 termina com uma frase que diz literalmente: “Na tua presença há plenitude de alegria, à tua direita, há delícias perpetuamente” (16.11). De acordo com o salmo 17.15, depois da morte, “quando acordar, me satisfarei com a tua semelhança”. John Flavel, pastor e teólogo inglês do século XVII, escreveu sobre Salmos 17.15 e sobre a visão de Deus em nosso futuro: “Será uma visão que proporcionará satisfação (Sl 17.15). [...] O entendimento não pode mais saber, a vontade não pode mais desejar, as afeições de alegria, deleite e amor descansam plenamente e se aquietam em seu devido centro. [...] Tudo o que lhe dá prazer nas coisas terrenas jamais poderá satisfazê-lo, pois todos os seus desejos são, eminentemente, pelo próprio Deus. [...] Os consolos que você teve aqui são apenas gotas que estimulam, em vez de satisfazer, os apetites de sua alma; mas o Cordeiro [...] os conduzirá a fontes de água viva (Ap 7.17)”.


“Uma das coisas boas da glória futura é que não precisamos comprar souvenirs”, já disse alguém. Não vivemos com arrependimentos. Não dizemos: “Não tirei fotos quando visitei aquele lugar” ou “Não tive esta ou aquela experiência”. Qualquer coisa maravilhosa ou extraordinária neste mundo é apenas um eco ou antegosto do que está presente na visão de Deus e no novo céu e nova terra, o seu mundo de amor. Quando, por fim, você vir o Deus do Universo olhar para você com amor, todas as potencialidades de sua alma serão liberadas, e você experimentará a gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8.21).


Há mais um aspecto singular da esperança disponível aos cristãos. Enquanto outras religiões talvez creiam em vida depois da morte, não oferecem firme garantia quanto a quem a desfrutará. Teócrito escreveu: “Esperanças são para os vivos; os mortos não têm esperança” (F. F. Bruce). Outras religiões não têm como oferecer a nenhum indivíduo a certeza de que ele é suficientemente virtuoso para merecer uma boa existência na vida depois da morte (N. T. Wright). No entanto, Paulo escreve: “se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, na companhia dele, os que dormem” (1Ts 4.14).


Sobre o que Paulo está falando? O salário do pecado é a morte (Rm 6.23). É isso que merecemos. Quando um prisioneiro paga toda a sua dívida, ele é liberto; a lei não tem mais o direito de detê-lo. Portanto, quando Jesus pagou toda a dívida do pecado com sua morte, foi ressuscitado. A lei e a morte não podiam mais detê-lo. E também não podem nos deter se cremos nele. “Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Quando depositamos nele nossa fé, estamos livres de condenação, como se nós mesmos tivéssemos cumprido a pena, como se tivéssemos morrido. “Ora, se morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos” (Rm 6.8). É isso que Paulo diz em 1Tessalonicenses 4. Não apenas sabemos do mundo futuro de amor, da visão de Deus e de um Universo renovado. (4) Recebemos a garantia de que essas coisas espantosas são nossas! Não imaginamos, cheios de ansiedade, se fomos bons o suficiente para estar com Deus quando morrermos. Vivemos com a profunda certeza de todas essas coisas. Ela também faz parte de nossa esperança cristã sem igual.


O que mais poderíamos pedir? Em Marcos 5, Jesus é levado a um quarto em que há uma garotinha morta. Todos choram alto e se lamentam, mas Jesus está calmo. Senta-se e segura a mão da menina. O relato de testemunhas oculares registra as palavras em aramaico que Jesus disse a ela: “Talitha koum”, cuja tradução mais apropriada é: “Meu amor, levante-se”. E ela se levantou. Jesus senta-se, segura a mão da menina e fala com ela como um pai ou uma mãe fala com uma criança em uma manhã ensolarada. Jesus diz: “Meu amor, é hora de se levantar”.


O que Jesus tem diante de si naquele momento? A força mais tremenda, inexorável e implacável que a raça humana precisa enfrentar: a morte. E, com um leve movimento da mão, ele faz a menina se levantar! É sua forma de dizer: “Se eu o seguro pela mão, e se você me conhece pela fé, nada pode lhe fazer mal. Até mesmo a morte, quando chegar, será apenas como despertar de uma boa noite de sono. Se eu o seguro pela mão, até mesmo a morte, quando chegar, apenas o transformará em alguém mais extraordinário. Nada pode lhe fazer mal. Fique em paz”. C. S. Lewis diz: “Ele transformará o mais fraco e o mais imundo dentre nós [...] em uma esplendorosa e radiante criatura imortal, que pulsa com energia, alegria, sabedoria e amor inimagináveis, um espelho límpido, sem manchas, que reflete Deus com perfeição (embora, evidentemente, em menor escala). Seu poder, prazer e bondade infinitos. [...] É isso que nos espera. Nada menos” (Cristianismo Puro e Simples).


Em nossa cultura, um dos poucos lugares em que é aceitável falar sobre morte é em um funeral. As pessoas comparecem a funerais por diferentes motivos. Um deles, obviamente, é honrar o falecido e expressar admiração por sua vida singular. No entanto, nossa mente também é obrigada a refletir sobre coisas de importância suprema. Assim como pensamos em nosso casamento (em lembrança ou em expectativa) quando assistimos a uma cerimônia de casamento, um funeral nos confronta com o fato de que, um dia, outros comparecerão a nosso funeral. Com frequência, esse fato volta nossa atenção para perguntas sobre a realidade de Deus e da vida depois da morte, mesmo que esses pensamentos não surjam habitualmente. Depois de um funeral, porém, a menos que o falecido seja um membro da família ou um amigo chegado, a mente volta a seu modo habitual para manter os pensamentos sobre a morte afastados ao máximo!


Em um culto fúnebre (em contraste com um culto em memória do falecido), estamos literalmente na presença da morte. Há um corpo no caixão. Embora as pessoas tenham várias reações na presença da morte, podemos cometer dois erros opostos: um é desesperar-nos em excesso; outro é dar de ombros e deixar de aprender uma lição necessária. Nenhuma dessas atitudes nos beneficia; logo, devemos seguir a instrução que a Bíblia nos dá: devemos nos entristecer e ter esperança; devemos despertar da negação e descobrir uma fonte de paz que não nos abandonará; e, por fim, devemos rir e cantar.


Sim, a Bíblia diz que, quando o Filho de Deus voltar, os montes e os bosques cantarão de alegria. Quando o Filho de Deus se levantar trazendo cura em suas asas, quando Jesus Cristo voltar, a Bíblia diz que os montes e as árvores cantarão de alegria, pois nas mãos dele finalmente nos tornaremos tudo o que Deus planejou que fôssemos. E se é verdade que os montes e as árvores cantarão de alegria, o que seremos capazes de fazer? O poeta cristão George Herbert (séc. 17) imaginou o seguinte diálogo entre a morte e o cristão com base em 1Co 15:


“CRISTÃO: Ai, pobre Morte! Onde está tua glória? Onde está tua afamada força, teu antigo aguilhão? MORTE: Ai, pobre mortal, ignorante da história! Vai e lê como matei teu Rei. CRISTÃO: Pobre morte! E quem com isso foi ferido? Tua maldição, lançada sobre ele, torna-te amaldiçoada. MORTE: Os vencidos podem falar, mas um dia tu morrerás; estes braços te esmagarão. CRISTÃO: Não me poupes; faze o pior que puderes. Um dia, serei melhor que antes; e tu, muito pior, deixarás de existir”. Em outro texto, Herbert diz: “A morte costumava ser carrasco, mas o evangelho a transformou em jardineiro”. A morte podia nos esmagar, mas agora a única coisa que pode fazer é nos plantar no solo de Deus para que nos tornemos algo extraordinário.


Muitos anos atrás, pouco antes de o conhecido pastor de Chicago, Moody, falecer, ele disse: “Em breve, vocês lerão nos jornais de Chicago que Dwight Moody faleceu. Não acreditem. Estarei mais vivo que agora”. Assim, meus irmãos, entristeçam-se com esperança; despertem e fiquem em paz; riam diante da morte e cantem de alegria por aquilo que os espera. Se Jesus os segura pela mão, vocês podem cantar. Amém!


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