Irmãos, quando estive com vocês, anunciando-lhes o mistério de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria.
Porque decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado.
E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vocês.
A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder,
para que a fé que vocês têm não se apoiasse em sabedoria humana, mas no poder de Deus.
Nesse parágrafo, Paulo conclui seu argumento de que tanto a mensagem da cruz – com o Messias crucificado – como os próprios crentes coríntios – cidadãos comuns, nada excepcionais em termos de conhecimento – mostram que a ideia deles de “sabedoria” era equivocada, pois ela não podia levá-los a Deus. Paulo, o pregador do evangelho entre os coríntios, apesar de sua “fraqueza” (v. 3) – por não atender a expectativa que eles tinham de uma fala eloquente –, mostra que Deus está em processo de derrubar os valores vigentes no mundo. Portanto, o meio (a cruz), as pessoas (os crentes coríntios) e o pregador (Paulo) mostram que o poder pertence a Deus! Assim, Paulo quer alertar para a loucura do fascínio dos coríntios pela “sabedoria” humana, que traz em si a autossuficiência e o louvor próprio.
v. 1. Paulo precisou recapitular a pregação dele entre os coríntios, tanto na forma (“ostentação de linguagem”) quanto no conteúdo (“mistério de Deus”). O texto se liga ao versículo anterior (v. 31), destacando que no caso da pregação de Paulo, a glória também pertence a Deus. Paulo precisou abrir mão de sua autossuficiência, para que o poder de Deus pudesse se manifestar e a fé dos coríntios pudesse se basear apenas em Deus. Paulo aqui pode ter desejado destacar que aqueles que buscam sabedoria em Corinto talvez estejam pensando estar envolvidos em um assunto muito nobre; na realidade, eles estão envolvidos em várias formas de competição em termos de retórica ou eloquência, tudo em busca de louvor, e, assim, causando divisões na igreja. Ora, Paulo foi pregar entre eles o testemunho de Deus.
v. 2. Paulo justifica a fala anterior. Ele não tentou se destacar pela eloquência ou pelo raciocínio filosófico, porque já havia decidido “nada saber entre [eles], a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado”. “Nada saber” não indica que Paulo abandonou qualquer outro conhecimento, mas que sua atenção e entusiasmo se concentraram no conteúdo do evangelho. “Decidi” não foi uma mudança de estratégia a partir do que aconteceu em Atenas (At 17.34), como se Paulo estivesse arrependido de sua pregação nessa cidade. Paulo seguiu com o seu costume de pregar a respeito de Jesus Cristo (At 18.1-8). Nem mesmo o acréscimo “crucificado” aqui foi uma mudança (1.23), mas referenda o argumento inicial (1.18-25). Seu “decidi” está em contraste com os sofistas e oradores itinerantes, com quem Paulo estava sendo comparado. Em Tessalônica ele já tinha tomado essa “decisão”, quando se distanciou dos “bajuladores” e “aduladores” itinerantes (1Ts 2.1-10*).
v. 3. É provável que Paulo tivesse demonstrado sua “fraqueza” através de alguma condição física observável, como algum tipo de sofrimento ou outra dificuldade visível (o sentido certo é desconhecido). Para ele, havia uma correspondência real entre suas fraquezas pessoais e o evangelho, como escreveu aos colossenses: “Agora me alegro nos meus sofrimentos por vocês e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja” (Cl 1.24). No âmago da sua pregação estava a “fraqueza de Deus” (1.25), a história de um Messias crucificado (v. 2). As fraquezas de Paulo serviam de demonstração visível adicional da mesma mensagem, mas, de modo especial, para demonstrar que a sua pregação não era de origem humana, mas divina (2Co 4.7; 13.4*). Assim, Paulo se gloria regularmente em suas fraquezas no NT (4.9-13; Gl 4.13-14; 2Co 4.7-12; 6.4-10; 11.30; 12.7-10; Rm 8.17-27; Fp 1.29-30; Cl 1.24-27), não porque tivesse prazer com os problemas de saúde, mas porque elas eram uma indicação segura de que o poder era de Deus, e não dele próprio. Ao que parece, isso se tornou um ponto de discórdia real entre Paulo e essa igreja, conforme revelam as longas seções apologéticas da carta seguinte (2Co 4.7-5.10 e 11.17-12.10). É possível que os informantes de Paulo já lhe tenham dado aqui alguma ideia desse problema, o que explica essa passagem e em especial seu desabafo em 1Co 4.8-13.
“Com temor e grande tremor” parece indicar o quadro geral apresentado em Atos 18.9-11, em que, por motivos desconhecidos para nós, Paulo parece sentir um peso muito grande com a tarefa de evangelizar nessa grande cidade. De todo modo, é uma situação que, com satisfação, ele quer que os coríntios agora recordem, para que sejam lembrados do quanto sua pregação e sua aparência eram realmente diferentes da atitude dos sofistas.
v. 4-5. Mas Paulo não se gloria em suas fraquezas em si mesmas, nem simplesmente para se diferenciar dos sofistas. Ele procede assim para lembrar aos coríntios que o verdadeiro poder não está na pessoa ou na apresentação do pregador (v. 1), mas na obra do Espírito Santo, conforme demonstrado pela existência dos próprios coríntios. Logos e kerigma se referem ao conteúdo e à forma da efetiva enunciação feita por Paulo. De propósito, ele evitou justamente aquilo que fascinava os coríntios, a “linguagem persuasiva de sabedoria”. Nem por isso faltou persuasão à sua pregação; o que faltou foi o tipo de persuasão dos sofistas e retóricos, em que o poder estava na pessoa e na apresentação. A pregação de Paulo gerou fé nos coríntios.
O que acompanhou a pregação de Paulo foi “demonstração do Espírito e de poder” (v. 4). Na retórica grega, a palavra apodeixei era um termo técnico para uma conclusão convincente a que se chegou com base nas premissas. Mas Paulo muda o sentido da palavra defendendo que a “prova” não reside na retórica convincente, mas na concomitante e visível demonstração do poder do Espírito (Hartmann). Será que Paulo corre o risco de reconstruir aquilo que vinha pondo por terra, dando a entender que foram sinais visíveis que levaram os coríntios a crer? Dificilmente. O contexto deixa clara a sua intenção: ainda que ele fosse fraco e que faltasse “retórica” e “sabedoria” à sua pregação, o próprio fato de os coríntios terem vindo à fé demonstrava que não faltava poder a ela.
Assim, em acordo com a mensagem em si (1.23-25), a pregação de Paulo exibia a “fraqueza de Deus”, a qual é mais forte do que a força humana (1.25). O que não se sabe com certeza é a que “demonstração” específica ele poderia estar se referindo. Ora, falar do Espírito é falar de poder (Rm 15.13, 19). É possível, embora improvável por causa do contexto de “fraqueza”, que essa demonstração reflita os “sinais e maravilhas” mencionados na carta seguinte (2Co 12.12*). O mais provável é que se refira, na verdade, à conversão deles, com a concomitante dádiva do Espírito, a qual provavelmente era demonstrada pelos dons do Espírito, especialmente o de línguas. A “demonstração” não está em “provas” externas que Paulo reunirá contra a mera sabedoria e retórica, mas sim nos próprios coríntios e na própria experiência que eles mesmos tiveram do Espírito, quando responderam à mensagem do evangelho.
Essa é a primeira menção específica ao Espírito em 1Coríntios. Para os “arrogantes” que se opuseram a Paulo em Corinto (4.18), o Espírito significava o dom de línguas; significava terem chegado à “excelência de sabedoria” (v. 1; 4.8, 10), ou terem entrado em uma nova existência que, sem relação alguma com um comportamento ético autêntico, os elevava acima da existência simplesmente terrena. Por outro lado, para Paulo “Espírito” incluía falas inspiradas – desde que edificassem –, embora para ele a ênfase recaia no poder do Espírito, no poder de transformar vidas (como aqui), de revelar a sabedoria secreta de Deus (2.6-16), de capacitá-lo a ministrar em fraqueza (4.9-13) e de operar santidade na comunhão dos crentes (5.3-5). Em outras palavras, o propósito da vinda do Espírito não era elevar alguém acima da era presente, mas capacitar o crente a viver nela.
O versículo 5 indica propósito, retomando o argumento iniciado em 1Co 1.18. O objetivo de toda atividade divina – tanto na cruz quanto na escolha deles, e agora na pregação de Paulo conectando a cruz e os coríntios – tem sido desarmar os sábios e poderosos, para que os que creem tenham de confiar apenas e completamente em Deus. De modo que, assim como a citação de Jeremias conclui o versículo 31 do capítulo anterior, o fim deste parágrafo conclui com: “para que a fé que vocês têm não se apoiasse em sabedoria humana, mas no poder de Deus”. O sentido aqui não é sugerir que a fé se baseia em evidências! Não faria sentido. Ao longo de toda essa passagem, o poder de Deus tem a cruz como referência. A verdadeira alternativa à sabedoria concebida pelo ser humano não são “sinais”, mas é o evangelho, que, de maneira poderosa, o Espírito aplica à nossa vida (Gordon Fee).
Sobre esse texto de 1Co 2.1-5, alguns enfatizam hoje o que Paulo não fez, ou seja, o pregar com excelência de palavra e sabedoria e o se gloriar em uma apresentação menos elaborada (que, curiosamente, vem com frequência acompanhada de uma espécie de pomposidade que parece desejosa de persuadir pela retórica, apesar de protestos em contrário). Outros desejam enfatizar o lado “positivo”, as “provas” do poder do Espírito, as quais, na visão deles, contrastam com a mera pregação. Por outro lado, a oratória refinada às vezes ouvida em nossos púlpitos, onde parece que o sermão em si é o objetivo daquilo que é dito, leva-nos a perguntar se esse texto tem sido ouvido de fato. A mensagem de Paulo precisa de uma nova oportunidade de ser ouvida. O que ele está rejeitando não é a pregação, não é nem mesmo a pregação persuasiva; em vez disso, o que ele rejeita é o verdadeiro perigo em toda pregação: a autossuficiência! O perigo está sempre em deixar que a forma e o conteúdo interfiram naquilo que deve ser a preocupação maior: o evangelho proclamado por meio da fraqueza humana, mas acompanhado pela obra poderosa do Espírito para que vidas sejam transformadas mediante um encontro divino-humano.
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