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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O que Deus espera de um pastor? - Série Coríntios (Parte X)

Mas, como está escrito: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam.”

Deus, porém, revelou isso a nós por meio do Espírito. Porque o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus.

Pois quem conhece as coisas do ser humano, a não ser o próprio espírito humano, que nele está? Assim, ninguém conhece as coisas de Deus, a não ser o Espírito de Deus.

E nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente.

Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais.

Ora, a pessoa natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura. E ela não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.

Porém a pessoa espiritual julga todas as coisas, mas ela não é julgada por ninguém.

Pois quem conheceu a mente do Senhor, para que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo.



v.9

Paulo conclui o argumento anterior com uma base bíblica. Os poderosos deste mundo não compreenderam (v. 8), “mas”, ao mesmo tempo, está escrito (v. 9)! A Escritura reconhece que na era presente as pessoas não compreendem o que Deus realizou em Cristo: os caminhos de Deus (a sabedoria de Deus) não são sequer concebíveis na mente simplesmente humana. Além disso, aquilo que ignoram é a salvação que Deus “preparou para aqueles que o amam”, conforme já havia sido anunciado no versículo 7: “Deus predeterminou desde a eternidade para a nossa glória”. “O que nenhum olho jamais viu etc, Deus preparou tudo isso para aqueles que o amam”. A passagem mais próxima dessa citação é uma espécie de fusão de Isaías 64.4; 65.17.


v.10

A sabedoria de Deus pode ser conhecida somente pelos que pertencem a Deus, porque só eles têm o Espírito. A base do argumento de Paulo é o princípio filosófico grego de que “o semelhante é conhecido apenas pelo semelhante”, isto é, em si mesmos os seres humanos não têm a qualidade que lhes possibilita conhecer a Deus ou a sabedoria de Deus. Só Deus é capaz de conhecer a Deus (v. 14). Por isso, o Espírito de Deus se torna a ligação entre Deus e a humanidade, a “qualidade” da parte do próprio Deus que torna possível esse conhecimento.


Por sua própria experiência do Espírito de Deus, os coríntios se consideram “espirituais”. Ao que parece, eles imaginavam a espiritualidade principalmente da perspectiva do êxtase e experiência, o que levou alguns deles a negar o corpo físico, por um lado, e, por outro, levou alguns à ideia de “terem chegado lá” (4.8). O que Paulo está prestes a fazer é apresentar o Espírito como a chave para a correta compreensão do evangelho em si, em especial de sua própria pregação (v. 13) e dos dons dos próprios coríntios (v. 12); e nesse contexto, como era de esperar, o evangelho, a sabedoria de Deus, é a mensagem de salvação por meio do Crucificado.


Porque o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus” (v. 10; Rm 11.33: “profundidade da riqueza da sabedoria”). A explicação dessa sondagem está no versículo seguinte. Há aqui uma leve ironia. Os coríntios achavam que a pregação de Paulo era “leite”. Mas ele mostra que a redenção por meio da cruz procede das abismais profundezas da sabedoria do próprio Deus, a qual o Espírito, dado àqueles que amam a Deus, tem sondado e nos revelado.


v.11

“Pois” encaminha a apresentação de uma analogia que fortalece o fato de que o Espírito conhece as coisas de Deus, e de que só o Espírito as conhece. Ora, pela tradição do próprio AT sabe-se que ninguém jamais viu a Deus. Pois assim como a única pessoa que sabe o que se passa dentro da sua mente é ela mesma, da mesma maneira só Deus conhece as coisas de Deus. Assim, ainda que Paulo entenda o “espírito” (ou “mente”, v. 16) humano como um componente identificável da personalidade humana, essa frase não está tentando fazer uma declaração antropológica conclusiva nem está sugerindo que a analogia da Trindade seja apropriada para a personalidade humana. Paulo só está usando uma analogia, sem maiores pretensões. No plano humano, só eu sei o que estou pensando e ninguém mais, a menos que eu escolha revelar meus segredos na forma de palavras. Então também só Deus conhece Deus de fato. Portanto, o Espírito de Deus, que na condição de Deus conhece a mente de Deus, se torna o elo para também conhecermos a Deus: “nós temos recebido... o Espírito que vem de Deus” (v. 12).


v.12

Agora chegamos à questão central do parágrafo. Paulo havia argumentado que transmitiu sabedoria entre os “maduros” (v. 6) e que essa sabedoria não é um conhecimento esotérico de verdades mais profundas sobre Deus; em vez disso, é o próprio plano de Deus para salvar seu povo. Por isso, essa sabedoria é contrastada com a “sabedoria” dos líderes da era presente, que não podem conhecer a sabedoria de Deus porque ela é a “secreta e oculta” que foi destinada àqueles que amam a Deus e lhes foi finalmente revelada pelo Espírito, que “recebemos” (v. 12). Paulo está o tempo todo lembrando os coríntios que eles pertencem a uma ordem mundial diferente, de modo que não devem buscar a sophia simplesmente humana ou pensando apenas da perspectiva dela. Quando recebemos o Espírito, não foi “o espírito do mundo” que recebemos (v. 12). Paulo não está sugerindo que existe um “espírito” do mundo comparável ao Espírito Santo nem está se referindo a “espíritos” demoníacos. Na verdade, ele está dizendo que o Espírito Santo não é deste mundo, mas Ele vem de Deus! Logo, para os coríntios crentes, não é possível mais pensar como este mundo.


“Para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (v. 12): finalidade do recebimento do Espírito. A sabedoria de Deus em toda a passagem está se referindo à salvação por meio do Cristo crucificado (1.23, 24; 2.2).


v.13

Paulo já tinha dito que a sua pregação era, de fato, sabedoria de Deus (vv. 6-7). Retomando esse argumento, ele alega que a sua mensagem é entregue em palavras “ensinadas pelo Espírito”, “não em palavras ensinadas pela sabedoria humana” (v. 13). Ou seja, o Espírito é a chave da pregação, da conversão deles e da compreensão dos coríntios. É claro que “palavras” aqui não se refere apenas a palavras enquanto palavras, mas ao significado (ou mensagem) contigo nas palavras à medida que dão expressão ao evangelho. “Conferindo coisas espirituais com espirituais”: “explicamos realidades espirituais [v. 12] por meio das palavras espirituais ensinadas a nós pelo Espírito”, ou seja, com linguagem adequada à mensagem, e não com sabedoria humana.


v.14

Os que pertencem a esta era são chamados “naturais” (psychikoi; aquilo que é apenas humano: nephesh) em contraste com os que têm o Espírito (pneumatikoi, v. 15). Quando Paulo se dirige aos coríntios, que estão agindo como as pessoas que não têm o Espírito, ele usa o termo sarkinoi (3.1). Essas pessoas naturais são descritas como quem “não aceita as coisas do Espírito”, o que as contrasta com a situação do versículo anterior. O sentido é que elas não somente são incapazes de compreender as coisas do Espírito, mas elas rejeitam o que vem dele. O motivo é que o que vem do Espírito parece “loucura” (1.18, 23). As pessoas revelam quem são por meio de sua resposta à cruz; considerá-la loucura significa opor-se a Deus e a tudo aquilo que Ele nos deu gratuitamente.


Por fim, o ser humano natural não consegue compreender justamente as coisas que aquele que recebeu o Espírito consegue. Para Paulo, “ser espiritual” e “discernir espiritualmente” significa simplesmente ter o Espírito, que capacita equipa e capacita. “Discernem” é provavelmente uma palavra coríntia (ocorre 10 X apenas em 1Co). É provável que signifique ser capaz de fazer juízos apropriados sobre o que Deus está fazendo no mundo!


v.15-16

“Porém” indica contraste com o psychikos. A pessoa que tem o Espírito pode “fazer juízos sobre todas as coisas”. Tal declaração, porém, deve observar o seu contexto. Não quer dizer necessariamente discernir todas as coisas, mas todas as coisas que dizem respeito à obra de salvação, questões anteriormente ocultas em Deus, mas agora reveladas por meio do Espírito. Nesse sentido, a pessoa sem o Espírito não pode “examinar” ou “fazer juízos” com relação à pessoa que tem o Espírito. Ela não pode julgar como “louca” aquela que não pertence a este mundo. “A pessoa profana não consegue entender a santidade; mas a pessoa santa consegue compreender muito bem o alcance do mal” (Gordon Fee). Porém, sempre há aqueles que se consideram tão cheios do Espírito que estão a salvo de disciplina ou do conselho de outros. Tal interpretação do texto é uma distorção infeliz, visto que essas pessoas estão, em geral, entre aquelas que mais precisam dessa disciplina.


Ora, os coríntios se consideram “espirituais” e, nessa condição, também estão “analisando” o apóstolo. Mas porque Paulo entende dessa maneira “a mente de Cristo”, Paulo não permite que eles o julguem. Com suas ações, os coríntios demonstram que são “carnais”, como se não tivessem o Espírito, razão porque Paulo não se submete a eles. Ele também vai argumentar adiante que ser julgado por qualquer tribunal humano é irrelevante (4.3-4), pois ele pertence ao Senhor, o único que o jugará, bem como a todos os outros.


Paulo reelabora Isaias 40.13 (v. 16). Pergunta retórica que exige um “ninguém!” Como os “naturais” podem esperar conhecer a verdadeira sabedoria e, então, julgar quem tem o Espírito, quando eles não têm a mente do Senhor? Quem é a pessoa que quer competir em inteligência com Deus? Além disso, quem dentre seus detratores, agora fascinados com a sabedoria humana e julgando Paulo, consegue conhecer tanto a mente do Senhor a ponto de poder passar por cima da própria sabedoria de Deus conforme revelada na cruz? Quem quer que buscasse a sabedoria com o intuito de evitar a história da cruz não se sairia melhor do que a pessoa que cometesse a loucura suprema de pensar que poderia instruir o próprio Senhor.


“Nós, porém, temos a mente de Cristo” (v. 16). Contraste com aqueles que não têm o Espírito. Na Bíblia grega, que Paulo cita (LXX), a palavra “mente” traduz o hebraico ruah, que normalmente significa “espírito”. De todo modo, Paulo está indiretamente instando-os a “usar a cabeça”, como pessoas que foram iluminadas pelo Espírito. Proclamar o “Messias crucificado” de Deus é a “mente de Cristo” para a qual eles precisam voltar. Daqui pra frente, Paulo vai pressioná-los a reconhecerem a loucura de sua sabedoria, que se manifesta em brigas e, dessa forma, destrói a própria igreja pela qual Cristo morreu.


É uma pena que essa passagem das Escrituras nem sempre é interpretada em seu devido contexto. Por causa disso, algumas leituras dela têm favorecido vários tipos de “elistismos espirituais”, gerando ensoberbecimentos e divisões na igreja, como o que ocorre nos casos das “revelações especiais”, por exemplo, isso sem falar nas situações em que as interpretações desse parágrafo se aproximam de uma espécie de gnosticismo cristão. O problema é que raramente o evangelho de Cristo é central nas abordagens desse texto, infelizmente, muito em razão da sede “poder”, às vezes inconsciente, que alguns pregadores geralmente possuem quando se aproximam do texto. Não há motivo de vanglória alguma nessa nossa nova posição em Cristo. Afinal, “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são... a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus... [Portanto] vocês são dele, em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e redenção, para que, como está escrito, ‘aquele que se gloria, glorie-se no Senhor’” (1Co 1.28-31).


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