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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O que é o evangelho?

A mensagem da cruz

18 Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus.19 Pois está escrito:

"Destruirei a sabedoria

dos sábios

e aniquilarei a inteligência

dos inteligentes."

20 Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o questionador deste mundo? Não é fato que Deus tornou louca a sabedoria deste mundo?21 Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, Deus achou por bem salvar os que creem por meio da loucura da pregação.22 Porque os judeus pedem sinais e os gregos buscam sabedoria,23 mas nós pregamos o Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios.24 Mas, para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus.25 Porque a loucura de Deus é mais sábia do que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte do que a força humana.

 

1Coríntios 1.18-25


O evangelho não corresponde a tudo

 

O que queremos dizer com "evangelho"? Responder a essa pergunta é um pouco mais complicado do que normalmente imaginamos. Nem tudo o que mesmo a Bíblia ensina pode ser considerado "evangelho" (embora seja possível dizer que a Bíblia serve de base para se entender o evangelho). O evangelho é uma mensagem sobre como fomos resgatados de um perigo. O próprio termo “evangelho” tem origem em uma notícia sobre um fato já ocorrido e capaz de transformar a existência. Lc 2.10: “O anjo, porém, lhes disse (pastores): — Não tenham medo! Estou aqui para lhes trazer boa-nova de grande alegria, que será para todo o povo: é que hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor(Mc 1.1; 1Co 1.16-17; 15.1-11).

 

1. O evangelho é uma boa notícia, não um bom conselho. O evangelho não é fundamentalmente um modo de vida. Não é algo que fazemos, mas que foi feito por nós e ao qual devemos responder. Como vemos no salmo 40.9 – "Proclamei as boas-novas de justiça na grande congregação" –, o termo é geralmente usado para anunciar a boa notícia de algo que aconteceu para resgatar e libertar o povo de um perigo. No Novo Testamento, as palavras relacionadas euangelion (boas-novas), euangelizo (proclamar as boas-novas) e euangelistês (aquele que proclama as boas-novas) ocorrem pelo menos 133 vezes. D. A. Carson conclui:

 

“Visto que o evangelho é notícia, boa notícia [...], deve ser anunciado; é isso que se faz com as notícias. O elemento essencialmente proclamatório da pregação está ligado ao fato de que a mensagem central não é um código de ética a ser debatido, menos ainda uma lista de aforismos (máximas) a ser admirada e ponderada, e certamente não é uma teologia sistemática a ser esboçada e esquematizada. Embora o evangelho seja o ponto de partida correto para a ética, ... ele é uma notícia, boa notícia, e, portanto, deve ser publicamente anunciado”.

 

2. O evangelho é uma boa notícia que anuncia que fomos resgatados ou salvos. E fomos resgatados de quê? De que perigo fomos salvos? Ao olharmos para a mensagem do evangelho no Novo Testamento, vemos que fomos resgatados da "ira vindoura" no fim dos tempos (1Ts 1.10). Mas essa ira não é uma força impessoal: é a ira de Deus mesmo. Deixamos, por causa do pecado, de nos relacionar com Deus; nosso relacionamento com ele foi rompido.

 

Paulo identifica no livro de Romanos a ira de Deus como o maior problema da condição humana (Rm 1.18-32). Aqui vemos que a ira de Deus tem muitas implicações. O texto-base para isso é Gênesis 3.17-19, em que, por causa do pecado humano, a maldição de Deus recai sobre toda a criação. Por estarmos separados de Deus, estamos psicologicamente separados de nós mesmos – sentimos vergonha e medo (Gn 3.10). Por estarmos separados de Deus, também estamos socialmente separados uns dos outros (o v. 7 relata como Adão e Eva tiveram de se vestir, e o v. 16 fala do afastamento do homem em relação à mulher; nos v. 11-13 vemos a transferência de culpa no diálogo deles). Por estarmos separados de Deus, também estamos fisicamente separados da própria natureza. Agora experimentamos sofrimento, trabalho árduo, degeneração física e morte (v.16-19). Na verdade, a própria terra é amaldiçoada (v. 17; veja Rm 8.18-25).

 

Desde o Éden, vivemos em um mundo repleto de sofrimento, doenças, pobreza, racismo, desastres naturais, guerras, envelhecimento e morte – e tudo é resultado do pecado e da ira e a maldição de Deus sobre o mundo. O mundo está desajustado, e precisamos ser resgatados. Mas esses relacionamentos "horizontais” não são a raiz de nosso problema, embora, quase sempre, sejam os que mais facilmente enxergamos; a raiz é o nosso relacionamento "vertical" com Deus. Em última análise, todos os problemas humanos são sintomas, e nossa separação de Deus é a causa. O motivo de toda a infelicidade – todos os efeitos da maldição – é que não estamos reconciliados com Deus. (Rm 5.8 e 2Co 5.20). Assim, o objetivo mais importante de qualquer resgate legítimo da raça humana – a coisa mais importante que nos salvará – é a restauração do nosso relacionamento com Deus.

 

3. O evangelho é a boa notícia sobre o que Jesus Cristo fez para restaurar o nosso relacionamento com Deus. Tornar-se cristão diz respeito a uma mudança de condição. Lemos em 1João 3.14 que "já passamos da morte para a vida", e não que estamos passando da morte para a vida (Jo 5.24; Cl 1.13). Ou você está em Cristo, ou não está; ou está perdoado e aceito, ou não está; ou tem vida eterna, ou não tem. É por isso que Martyn Lloyd-Jones usava muito essa pergunta diagnóstica para aferir a compreensão de uma pessoa: "Você está pronto agora para afirmar que é cristão?" Ele explica que, com o passar dos anos, sempre que fazia essa pergunta, as pessoas geralmente hesitavam e então respondiam: "Acho que ainda não sou bom o bastante para isso". Para essa afirmação, ele dá a seguinte resposta:

 

“Imediatamente sei que [...] elas estão pensando da perspectiva de si mesmas; ainda acham que têm de ser boas o bastante para ser cristãs [...] Parece muita modéstia, mas é uma mentira do diabo, é a negação da fé [...] você nunca será bom o bastante; ninguém jamais foi bom o bastante. A essência da salvação cristã é afirmar que ele é bom o bastante e que eu estou nele!

 

Lloyd-Jones ressalta que tornar-se cristão é uma mudança no relacionamento com Deus. Quando cremos e descansamos na obra de Jesus, ela transforma instantaneamente nossa posição diante de Deus. Passamos a estar "nele". No famoso ensaio de J. I. Packer que abre o livro de John Owen A Morte da Morte na Morte de Cristo, a frase "Deus salva pecadores" é um bom resumo do evangelho:

Deus salva pecadores. Deus – ... o Pai elegendo, o Filho realizando a vontade do Pai por meio da redenção, o Espírito executando o propósito do Pai e do Filho por meio da regeneração. Salva – do começo ao fim, faz tudo o que significa levar o ser humano da morte no pecado para a vida na glória: planeja, conquista e comunica a redenção, chama e guarda, justifica, santifica, glorifica. Pecadores – os seres humanos como são encontrados por Deus, culpados, vis, desamparados, impotentes, incapazes de levantar um dedo para fazer a vontade de Deus ou para melhorar sua condição espiritual”.

 

Evangelho não são os resultados do evangelho

 

O evangelho não diz respeito ao que fazemos, mas ao que foi feito por nós; mesmo assim, o evangelho resulta em um modo de viver completamente novo. A graça e as boas obras dela resultantes precisam ser tanto distinguidas quanto associadas. O evangelho, seus resultados e suas implicações precisam estar cuidadosamente relacionados entre si – não podem ser confundidos nem separados. Uma das máximas de Martinho Lutero era que somos salvos só pela fé, mas não uma fé que permanece só. O que ele queria dizer é que a crença verdadeira no evangelho sempre e necessariamente levará às boas obras, mas de modo nenhum a salvação ocorre por meio ou por causa das boas obras. Fé e obras não podem jamais ser confundidas uma com a outra, tampouco separadas uma da outra (Ef 2.8-10; Tg 2.14, 17, 18, 20, 22, 24, 26).

 

A crença no evangelho nos leva a cuidar dos pobres e a participar ativamente em nossa cultura, tão certamente quanto, segundo Lutero, a fé verdadeira conduz às boas obras. Entretanto, assim como a fé e as obras não podem ser separadas nem confundidas, também os resultados do evangelho não podem ser separados dele nem confundidos com ele. Ouço muitos pregadores afirmarem: "A boa notícia é que Deus está curando e curará o mundo de todos os seus males; portanto, a obra do evangelho é trabalhar por justiça e paz no mundo".

 

O perigo dessa linha de pensamento não é que os pormenores não sejam verdadeiros (eles são), mas é o fato de que isso confunde resultados com as causas. Confunde o que o evangelho é com o que o evangelho faz. Quando Paulo fala da criação material restaurada, ele afirma que os novos céus e a nova terra nos estão garantidos porque Jesus, na cruz, restaurou nosso relacionamento com Deus como filhos verdadeiros dele. Romanos 8.1-25 ensina que a redenção do nosso corpo e de todo o mundo físico acontece quando recebemos "nossa adoção". Como filhos de Deus, nossa herança futura nos é assegurada (Ef 1.13,14,18; CI 1.12; 3.24; Hb 9.15; 1Pe 1.4) e, por causa dessa herança, o mundo é renovado. O futuro nos pertence por causa da obra consumada que Cristo realizou no passado.

 

Não podemos, então, deixar a impressão de que o evangelho é simplesmente um programa de reabilitação divina para o mundo, mas, em vez disso, ele é uma obra substitutiva totalmente consumada. Não podemos dizer que evangelho significa primeiramente que passamos a fazer parte de alguma coisa (o programa do reino de Cristo), mas antes que recebemos alguma coisa (a obra consumada de Cristo). Se cometermos esse erro, o evangelho se transforma em mais um tipo de salvação pelas obras, e não a salvação pela fé. Como J. I. Packer escreve:

 

“O evangelho apresenta soluções para esses problemas [de sofrimento e injustiça], mas o faz primeiro resolvendo [...] o mais profundo de todos os problemas humanos, o problema do relacionamento do homem com seu Criador; e, se não esclarecermos que a solução daqueles problemas depende da solução desse último, estaremos deturpando a mensagem e tornando-nos falsas testemunhas de Deus”.

 

Uma questão relacionada é se anunciamos o evangelho por meio de atos de justiça. Não somente a Bíblia repete várias e várias vezes que o evangelho é anunciado pela pregação, mas o bom senso nos diz que as obras de amor, por mais importantes que sejam como acompanhantes da pregação, não têm em si mesmas o poder de levar as pessoas ao conhecimento salvador de Jesus Cristo. Francis Schaeffer argumentou acertadamente que os relacionamentos entre os cristãos formam o critério que o mundo usa para julgar se a mensagem deles é mesmo verdadeira – assim, a comunidade cristã é a "apologética definitiva" (Schaeffer).

 

No entanto, observe novamente a relação entre fé e obras. Jesus afirmou que uma comunidade de amor é necessária para que o mundo saiba que Deus o enviou (Jo 17.23; cf. 13.35). Dividir nossos bens uns com os outros e com o necessitado é um sinal poderoso a não cristãos (veja a relação entre testemunhar e compartilhar em Atos 4.31-37 e em Atos 6). Mas as boas obras – apesar de incorporarem as verdades do evangelho e de não ser possível separá-las da pregação – não devem ser confundidas com o evangelho.

 

O evangelho é, então, antes de qualquer coisa, um relato sobre a obra de Cristo a nosso favor – é por esse motivo e dessa maneira que o evangelho é salvação pela graça. O evangelho é boa notícia porque se trata de uma salvação realizada a nosso favor. É uma boa notícia que cria uma vida de amor, mas a vida de amor não é, em si, o evangelho (Carson).

 

O evangelho tem dois inimigos iguais e opostos

 

Consta que Tertuliano, um dos pais da igreja, fez a seguinte afirmação: "Assim como Jesus foi crucificado entre dois ladrões, o evangelho também é sempre crucificado entre esses dois erros". Que erros são esses a que Tertuliano se refere? Eu costumo chamá-los de religião e irreligião; os termos teológicos são legalismo e antinomismo. Outra maneira de designá-los poderia ser moralismo e relativismo (ou pragmatismo).

 

Esses dois erros constantemente buscam perverter a mensagem e nos privar do poder do evangelho. O legalismo afirma que, para sermos salvos, precisamos ter uma vida santa e moralmente boa. O antinomismo prega que, como já somos salvos, não precisamos ter uma vida santa e moralmente boa.

 

É aqui que se encontra a "ponta de lança" do evangelho. Uma distinção clara e bem definida entre legalismo, antinomismo e evangelho é muitas vezes vital para que o poder transformador do Espírito Santo opere. Se nossa pregação do evangelho deixa transparecer, ainda que muito levemente, que "é preciso crer e viver corretamente para ser salvo" ou "Deus ama e aceita a todos assim como são”, descobriremos que nossa proclamação não está realizando a obra transformadora do evangelho, a qual molda o coração e muda a identidade.

 

Se pregamos somente doutrinas e éticas gerais da Escritura, não estamos pregando o evangelho. O evangelho é a boa notícia de que Deus consumou nossa salvação por nós, por meio de Cristo, para nos levar a um relacionamento restaurado com ele e, por fim, destruir todos os efeitos do pecado no mundo.

 

Mesmo assim, é possível argumentar que, para entender tudo isso – quem Deus é, por que precisamos de salvação, o que ele fez para nos salvar –, precisamos conhecer os ensinos básicos de toda a Bíblia. J. Gresham Machen, por exemplo, refere-se às doutrinas bíblicas de Deus e do homem como os "pressupostos do evangelho". Isso significa que o entendimento de tópicos como Trindade, encarnação de Cristo, pecado original e pecado em geral é indispensável.

 

Se não entendemos, por exemplo, que Jesus não era simplesmente um homem bom, mas também Deus, ou se não entendemos o significado de "ira de Deus", é impossível entender o que Jesus realizou na cruz. Não só isso, mas o Novo Testamento explica constantemente a obra de Cristo usando os termos do Antigo Testamento – com o vocabulário do sacerdócio, do sacrifício e da aliança.

 

Em outras palavras, não devemos simplesmente pregar a Bíblia de forma geral; devemos pregar o evangelho. Entretanto, se os ouvintes da mensagem não entenderem a Bíblia de forma geral, poderão não entender o evangelho. Quanto mais entendermos a obra completa da doutrina bíblica, mais entenderemos o próprio evangelho – e quanto mais entendermos o evangelho, mais claramente veremos que, no final de tudo, é disso que a Bíblia trata. O conhecimento bíblico é indispensável ao evangelho e é, ao mesmo tempo, diferente do evangelho, mas é tão comum que ocupe o lugar do evangelho quando este não está presente, que as pessoas passaram a confundir sua identidade.

 

“Se necessário, use palavras”

 

A frase muito conhecida "Pregue o evangelho; se necessário, use palavras" é útil, mas também enganosa. Se o evangelho se referisse acima de tudo ao que temos de fazer para ser salvos, poderia ser transmitido tanto por ações (a serem imitadas) quanto por palavras. Mas, se o evangelho diz respeito, acima de tudo, ao que Deus fez para nos salvar e à maneira em que recebemos isso por fé, ele só pode ser anunciado com palavras. A fé não pode vir senão pelo ouvir. Por isso, Gálatas 2.5 afirma que a heresia ameaça a verdade do evangelho, e Filipenses 1.16 declara que a mente da pessoa tem de ser persuadida sobre a verdade do evangelho. Efésios 1.13 também afirma que o evangelho é a palavra da verdade. Ef 6.19 e Cl 1.23 ensinam que proclamamos o evangelho por meio da comunicação verbal, particularmente da pregação. “Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, Deus achou por bem salvar os que creem por meio da loucura da pregação.”


Assista o Sermão completo no Youtube:


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