top of page
Foto do escritorChristian Lo Iacono

O Reinado da Graça de Deus | Parte II

Fomos sepultados com ele na morte pelo batismo, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós andemos em novidade de vida.

Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição,

sabendo isto: que a nossa velha natureza foi crucificada com ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sejamos mais escravos do pecado.

Pois quem morreu está justificado do pecado.

Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele.

Sabemos que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele.

Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.



Na sermão passado, vimos que o cristão foi justificado pela fé em Cristo, e não por suas obras, e que, então, ele está agora firme na graça de Deus. Superabundou e reinou a graça de Deus sobre o pecado, escreveu Paulo (Rm 5.20-21). Além disso, ele vai dizer que o Deus da graça não somente perdoa pecados, mas também nos liberta de pecar. Pois a graça, além de justificar, também santifica. Ela nos une a Cristo (vv. 1-14) e nos insere em um novo processo de escravidão: a escravidão da justiça (vv. 15-23). O que Paulo está declarando aqui não é a impossibilidade literal da prática do pecado por parte dos crentes, mas a incongruidade moral disso.


Ao escrever que nós “morremos para o pecado” (vv. 2-3), Paulo está falando que, quando fomos unidos com Cristo, é possível dizer que nós também carregamos a penalidade do pecado. O NT nos diz não apenas que Cristo morreu em nosso lugar, mas também que ele morreu por nós, como nosso representante; dessa forma, pode-se dizer também que nós morremos nele e através dele. “Estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram” (2Co 5.14). Ou seja, “morrer para o pecado” aqui não é ficar insensível a ele.


vv. 4-5

A morte e a ressurreição de Jesus Cristo não são apenas fatos históricos e doutrinas significativas, mas são também experiências pessoais, pois através da fé (batismo) viemos a participar delas. Portanto, nós fomos sepultados com Cristo na morte pelo batismo, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado mediante a glória do Pai – ou seja, através do seu imenso poder (Ef 1.19ss.) –, assim também vivamos a “nova vida de ressurreição” de Cristo (Barrett), que começa agora e se completará no dia da ressurreição.


O v. 5 parece endossar essa ideia de nossa participação, destacando a figura do batismo. “O mergulho nas águas correntes foi como uma morte; o momento em que as águas passaram sobre a cabeça foi como um sepultamento; e o erguer-se outra vez para respirar a luz do sol foi uma espécie de ressurreição” (Sanday e Headlam). Estamos longe de saber ao certo se os primeiros batismos eram feitos por imersão total. Alguns quadros primitivos do batismo de Jesus o retratam de pé dentro do rio, com a água pela cintura, enquanto João Batista derrama água sobre sua cabeça. Porém a verdade simbólica de morrer para a velha vida e ressurgir para a nova vida permanece. Ou seja, “o nosso batismo foi uma espécie de funeral” (Vaughan). Um enterro, sim, como também um ressurgir da sepultura, pois interiormente pela fé e abertamente através do batismo nós nos unimos a Cristo em sua morte e ressurreição, vindo assim a compartilhar dessas duas bênçãos.


vv. 6-7

Que bênçãos são essas? Ora, o propósito final de Deus a ser obtido no fim do v. 6 é a libertação do pecado. Um pouco antes disso, porém, é dito que o “corpo do pecado” deve ser destruído. Isso não quer dizer que “o corpo é pecaminoso”, mas se refere ao “corpo enquanto condicionado pelo pecado” (Murray), já que o pecado usa o nosso corpo para seus propósitos malignos, pervertendo nossos instintos naturais e transformando a sonolência em preguiça, a fome em glutonaria e o desejo sexual em luxúria. Outros sugerem que o “corpo do pecado” aqui seria o “eu pecaminoso”, nossa natureza caída e egocêntrica; nesse caso, soma (corpo) seria usado aqui como um sinônimo de sarx (carne). Esta parece ser uma interpretação mais coerente com o contexto.


Destruir (katargeo) não tem o sentido de “eliminar” ou “erradicar”. O verbo também é usado em Hb 2.14 em relação ao diabo. Assim, deve significar que a nossa natureza egoísta foi derrotada, incapacitada, destituída de poder.


Pra entender como isso aconteceu, vamos à primeira parte do v. 6 – “nossa velha natureza foi crucificada com ele”. Nossa velha natureza não significa “nosso eu interior”, mas sim “nosso eu anterior”, aquilo que éramos antes, a pessoa que nós éramos em Adão. Portanto, o que foi crucificado com Cristo não foi uma parte isolada de nosso ser chamada de “velha natureza”, mas sim o nosso todo, tal como éramos antes de nos convertermos. Isso deveria estar claro, uma vez que a frase “a nossa velha natureza foi crucificada” é equivalente a “nós morremos para o pecado” (v. 2).


Uma das causas da confusão que se estabelece quando se tenta entender o v. 6 é o uso que Paulo faz da forma verbal “crucificado”, pois muita gente a associa com Gl 5.24, onde se diz que “os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as paixões e desejos”. Uma ligação entre esses dois versículos haveria de sugerir que aqui também no v. 6 Paulo estaria aludindo à crucificação de nossa velha natureza. Porém, os dois versículos são diferentes, uma vez que Rm 6.6. descreve algo que aconteceu conosco, enquanto Gl 5.24 se refere a uma coisa que nós mesmos fizemos. Existem duas maneiras distintas nas quais o NT fala de crucificação em relação à santidade. A primeira é a nossa morte para o pecado através da identificação com Cristo; a segunda é a nossa morte para o eu através da imitação de Cristo.


Por um lado, nós fomos crucificados com Cristo. Mas, por outro, crucificamos a nossa natureza pecaminosa com todos os seus desejos, de forma que todo dia nós renovamos essa atitude tomando a nossa cruz e seguindo a Cristo para a crucificação (Lc 9.23). A primeira é uma morte legal, um morrer à penalidade do pecado; a segunda é uma morte moral, um morrer ao poder do pecado. A primeira faz parte do passado e é única e irrepetível; a segunda pertence ao presente e se repete continuamente. Eu morri para o pecado (em Cristo) uma vez, definitivamente; eu morro para o eu (como Cristo) diariamente. A preocupação principal de Rm 6 é com a primeira dessas duas mortes, embora a primeira tenha em vista a segunda, e a segunda não possa ocorrer sem que a primeira aconteça.


Contudo, como é que o fato de o nosso velho eu ter sido crucificado com Cristo resultou na incapacitação do nosso eu pecaminoso e, assim, em nosso resgate da escravidão do pecado? A resposta está no v. 7. Mas de que maneira a nossa morte e consequente justificação (v. 7) podem constituir-se em fundamento para a nossa libertação do pecado (v. 6)?


O único jeito de se ser justificado do pecado é se alguém pagar o preço do pecado, quer seja o pecador, quer seja um substituto apontado por Deus para pagar a dívida. Não existe meio de escapar, a não ser que alguém assuma a culpa. Como pode ser justificada uma pessoa que foi condenada por um crime e sentenciada à prisão? Somente indo para a cadeia e pagando a penalidade de seu crime. Uma vez cumprida a sentença, então poderá deixar a prisão, justificada. Não precisa mais temer a polícia ou os magistrados, pois as demandas da lei já foram satisfeitas. O criminoso está justificado de seu pecado.


O mesmo princípio prevalece se a penalidade for a morte. Não há meio de ser justificado, a não ser cumprindo a pena. Você pode dizer que, neste caso, pagar a pena não é um meio de escape. E você teria toda a razão, caso estivéssemos falando de pena capital na terra. Uma vez executado o assassino, sua vida na terra acabou. Ele não pode voltar a viver justificado na terra, tal como uma pessoa que cumpriu uma sentença de prisão. Está morto. O maravilhoso no que se refere a nossa justificação cristã, no entanto, é que a nossa morte é seguida por uma ressurreição, na qual nós podemos viver a vida de uma pessoa justificada, tendo pago a pena da morte (em e através de Cristo) pelo nosso pecado.


Conosco, portanto, é assim que acontece. Nós merecíamos morrer pelos nossos pecados. E de fato morremos, se bem que não pessoalmente, mas na pessoa de Jesus Cristo, nosso substituto, que morreu em nosso lugar e com quem nós fomos unidos pela fé e pelo batismo. E pela união com esse mesmo Cristo nós ressurgimos uma vez mais. Assim a antiga vida de pecado se acabou, pois nós morremos para ela, e começou uma nova vida de pecadores justificados. Em virtude de nossa morte e nossa ressurreição com Cristo, é inconcebível retornarmos à velha vida. É nesse sentido que a nossa natureza pecaminosa perdeu o seu poder e nós fomos libertados.


vv. 8-9

Vida é ressurreição antecipada; ressureição é vida consumada (Stott). A garantia de que a natureza da nossa nova vida vai continuar, começando agora e durando para sempre, é a ressurreição de Cristo (v. 9a) Isso porque Cristo não foi ressuscitado no sentido de ter sido trazido de volta à vida, como ocorreu com Lázaro. Mas Cristo ressurgiu para um novo plano de existência, totalmente novo. Liberto da tirania da morte, ele ultrapassou para sempre os limites da sua jurisdição. Como declara o próprio Senhor glorificado: “Sou aquele que vive; estive morto mas agora estou vivo para sempre” (Ap 1.18).


v. 10

Há uma diferença de tempo (o evento passado da morte versus a experiência presente da vida), de natureza (ele morreu para o pecado, assumindo o seu castigo, mas vive para Deus, buscando sua glória) e de qualidade (a morte “uma vez por todas” versus a vida de ressurreição contínua). Tais diferenças são de grande importância para a nossa compreensão, não apenas da obra de Cristo mas também de nosso discipulado cristão, o qual, por causa de nossa união com Cristo, começa com uma morte definitiva (“uma vez por todas”) para o pecado e continua com uma vida infindável de serviço a Deus.


Imagine um crente idoso, chamado João da Silva, dando uma revisada em sua longa vida. A conversão divide-se em duas partes, o velho eu (João antes de se converter) e o novo eu (João depois da conversão). Essas não são suas duas naturezas, mas suas duas vidas consecutivas. Pela fé e pelo batismo João uniu-se a Cristo. Seu “velho eu” morreu para o pecado, quando Cristo levou sua culpa e acabou com sua pena. Ao mesmo tempo, João da Silva ressurgiu outra vez com Cristo, tornando-se um novo homem, para viver uma nova vida para Deus. João representa todo crente. Nós somos João se somos um com Cristo. Nós morremos com Cristo; ressuscitamos com Cristo. Nossa velha vida terminou com a morte que, por juízo, ela merecia; nossa nova vida começou com uma ressurreição.


v. 11

Esse “considerar” não é um faz-de-conta. Não se trata de forçar a nossa fé até o limite, a fim de acreditarmos naquilo que na verdade não acreditamos. Não é uma questão de fingir que a nossa velha natureza morreu, quando nós sabemos bem que ela não morreu. Trata-se de nos apercebermos e de lembrarmos que o nosso velho eu de fato morreu com Cristo, o que colocou um fim em sua carreira. Temos de considerar o que de fato nós somos, a saber, que estamos mortos para o pecado e vivos para Deus, assim como Cristo (v. 10). Uma vez compreendido isso – que nossa velha vida terminou, que o resultado final foi lançado, a dívida paga e a lei satisfeita – não vamos mais querer coisa alguma com ela.


Voltando ao sr. João. Vimos que sua vida se dividia em duas partes, sua biografia em dois volumes. O volume 1 encerrou-se com a morte legal do seu antigo eu; o volume 2 abriu-se com a sua ressurreição. Ele não pode esquecer esses fatos acerca de si mesmo. Paulo convoca-o, não a fingir ou ignorar, mas sim a refletir e a rememorar. Ele tem de se lembrar constantemente: “o volume 1 foi fechado há muito tempo. Agora eu estou vivendo o volume 2. É inconcebível que eu reabra o volume 1, como se minha morte e ressurreição com Cristo nunca tivessem ocorrido”.


Pode uma mulher casada viver como se ainda fosse solteira? Bem, poder ela pode, eu acho; não é algo impossível. Mas é bom ela lembrar quem ela é. É só olhar para a aliança de casamento, o símbolo de sua nova vida de união com seu marido, e ela há de querer viver de acordo com sua posição de mulher casada. Pode um cristão nascido de novo viver como se ainda continuasse em seus pecados? Bem, poder, eu acho que ele pode, pelo menos por um tempo. Mas deixe ele lembrar quem ele é. É só recordar o seu batismo, símbolo de sua nova vida de união com Cristo, e ele há de querer viver de conformidade com o compromisso.


Assim, o maior segredo de uma vida santificado está na mente. Consiste em saber (v. 6a) que o nosso velho eu foi crucificado com Cristo, em saber (v. 3) que o batismo em Cristo é batismo na morte e ressurreição de Cristo, e é em considerar (v. 11) que através de Cristo nós estamos mortos para o pecado e vivos para Deus. Precisamos relembrar, ponderar, compreender, registrar essas verdades até que elas se tornem parte tão integrante de nossa mente que um retorno à antiga vida seja algo inconcebível. Para um cristão regenerado, o simples contemplar a possibilidade de uma volta à vida de antes deveria ser tão inconcebível quanto um adulto querer voltar à infância, uma pessoa casada querer voltar a ser solteira ou um prisioneiro libertado querer voltar à sua cela na prisão. Pois a nossa união com Cristo rompeu com a nossa velha vida e nos comprometeu com uma vida totalmente nova. E entre essas duas vidas coloca-se o nosso batismo, como uma porta entre dois cômodos, fechando-se para um e abrindo-se para o outro. Nós já morremos, e ressuscitamos. Como poderíamos viver de novo naquilo para o qual já morremos?



Assista o sermão na integra pelo Youtube



5 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page