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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O Sofrimento e a provação | Parte I

Atualizado: 27 de mai.


[12] Amados, não estranhem o fogo que surge no meio de vocês, destinado a pô-los à prova, como se alguma coisa extraordinária estivesse acontecendo. [13] Pelo contrário, alegrem-se na medida em que são coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vocês se alegrem, exultando. [14] Se são insultados por causa do nome de Cristo, vocês são bem-aventurados, porque o Espírito da glória, que é o Espírito de Deus, repousa sobre vocês. [15] Que nenhum de vocês sofra como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se mete na vida dos outros. [16] Mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por causa disso. [17] Porque chegou o tempo de começar o juízo pela casa de Deus; e, se começa por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus? [18] E, “se é com dificuldade que o justo é salvo, que será do ímpio e do pecador?” [19] Por isso, também os que sofrem segundo a vontade de Deus entreguem a sua alma ao fiel Criador, na prática do bem.


‭1Pedro 4:12-19


Sofrendo como cristão


Após exortar os seus leitores ao serviço mútuo mediante os dons espirituais (vv. 10-11), Pedro retoma o assunto central de sua carta: como eles deveriam enfrentar os dias difíceis de perseguição e sofrimento que experimentavam. Ele já havia tratado da questão do sofrimento em 1.3-9; 2.12; 2.18-25; 3.8-12; 3.13-17. Alguns comentaristas sugerem que ele pode ter tomado conhecimento de uma nova onda de perseguição enquanto escrevia a carta. Ou, mais provável, que ele sentiu que era necessário reforçar seu ensino nessa área. O sofrimento de seus leitores vinha, na maior parte, das injúrias, ameaças, maledicências, acusações e críticas dos gentios contra eles. Alguma violência física é possível que tenha ocorrido. Paulo, então, coloca várias orientações sobre como eles deveriam reagir nessa situação.


4.12 – “Amados, não estranhem o fogo que surge no meio de vocês, destinado a pô-los à prova, como se alguma coisa extraordinária estivesse acontecendo”. Pedro inicia essa seção dirigindo-se aos seus leitores como "amados", termo bem apropriado para a situação. "Amados" é a maneira predileta de Pedro se dirigir aos seus leitores para introduzir exortações e temas novos (cf. 2.11; 2Pe 3.1,8,14,17). Os destinatários da carta podiam ser hostilizados pelos amigos, vizinhos e pagãos em geral, mas eram amados de Pedro e de Deus. Lembrar do amor de Deus por nós em meio às nossas tribulações é fonte de grande conforto.


Aqui temos a primeira orientação de Pedro sobre como eles deveriam reagir diante das injúrias dos pagãos por causa do nome de Cristo: "não estranhem o fogo que surge no meio de vocês". "Estranhar" é experimentar um sentimento súbito com o acontecimento de algo surpreendente (Louw & Nida). Pedro já tinha usado o verbo no v. 4 para se referir ao estranhamento dos pagãos quanto ao comportamento cristão. Agora, ele diz aos seus leitores para não se surpreenderem (NVI) ou ficarem admirados (NTLH) com os ataques inflamados deles. "Eles poderiam achar estranho que Deus permitisse que seus filhos escolhidos fossem provados de forma tão dolorosa" (R. Jamieson). Não é esse o sentimento que habita muitos corações durante esta calamidade em nosso Estado?


O "fogo" a que Pedro se refere são as injúrias dos pagãos contra eles (cf. 4.14, "são insultados [...]"). Os pagãos estavam falando mal dos cristãos como de malfeitores (2.12), injuriando-os (3.9), ameaçando-os (3.14), difamando-os (3.16) e outros tipos de abuso verbal. Com a palavra "fogo" poderia parecer que Pedro estivesse se referindo ao martírio de cristãos queimados vivos nas fogueiras do Coliseu ou nas ruas de Roma. Contudo, é mais provável que Pedro esteja usando "fogo" de maneira figurativa, como já havia feito em 1.6-7. Isso porque quando Pedro escreveu essa carta o Império Romano ainda não havia começado as perseguições contra os cristãos, quando, então, muitos crentes foram embebidos em piche e queimados vivos para iluminar as ruas de Roma.


As injúrias dos pagãos eram como a fornalha onde metais preciosos eram testados e purificados. Pedro já tinha usado essa analogia no início da carta: "[...] o valor da fé que vocês têm, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado pelo fogo" (1.7). A fé sendo provada pelo sofrimento, assim como o metal é provado pelo fogo, tem origem no AT (cf. Pv 27.21; Sl 66.10; Zc 13.9). Talvez Pedro tenha em mente, mais especificamente, Malaquias 3.2-4, em que o profeta usa termos similares para se referir à purificação dos sacerdotes.


Pedro explica que o "fogo" das injúrias era "destinado a pô-los à prova" (peipasmós). A palavra grega tanto significa “tentação” como “provação”. O sentido é sempre determinado pelo contexto. Neste caso, provação é o correto. Os sofrimentos do cristão são provas ou testes da sua fé, com o objetivo de fazê-lo crescer espiritualmente. Ou seja, por detrás da hostilidade pagã estava o propósito maior de Deus, que era prová-los, isto é, testá-los, com o fim de amadurecê-los e edificá-los (Tg 1.2-4; Rm 5.3-5). "A perseguição era uma fornalha ardente, ateada entre eles para prová-los, para testar a força de sua fé" (H. D. M. Spence-Jones). Saber isso os ajudaria a suportar o sofrimento da maneira correta. Nem sempre podemos discernir os intentos específicos de Deus com a adversidade, mas sabemos por sua Palavra que seu propósito geral em todo sofrimento sempre é o nosso crescimento e santificação.


Os cristãos não deveriam imaginar que "alguma coisa extraordinária estivesse acontecendo". "Extraordinária" designa algo inesperado, fora do comum, estranho. O surgimento súbito e inesperado do fogo ardente do sofrimento com o propósito de prová-los fazia parte da vida cristã, e eles não deveriam se surpreender com isso. Também não era sinal da ira de Deus sobre eles, como se Deus os estivesse castigando e não os amasse. Além disso, eles não deveriam pensar que eram os únicos a passar por provações ("os irmãos de vocês, espalhados pelo mundo, estão passando por sofrimentos iguais aos de vocês”, 5.9). Pedro deseja que seus leitores estejam conscientes e preparados para enfrentar a perseguição dos pagãos.


Embora sempre nos cause alguma surpresa e estranhamento, os cristãos deveriam saber que neste mundo sofrerão hostilidade dos incrédulos, a qualquer momento e em qualquer lugar. E o sofrimento nem sempre é resultado de pecados específicos nossos. Nosso Deus nos ama, e todo sofrimento que nos toca tem como objetivo purificar a corrupção de nossos corações pelo fogo das aflições (1Co 5).


4.13 – “Pelo contrário, alegrem-se na medida em que são coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vocês se alegrem, exultando”. Aqui temos a segunda orientação de Pedro aos seus leitores quanto às injúrias recebidas dos pagãos. No versículo anterior Pedro disse que eles não deveriam estranhá-las, pois elas eram como uma fornalha destinada por Deus a prová-los. “Pelo contrário”, eles deveriam "alegrar-se" no sofrimento que elas representam. Ele pressupõe que as injúrias estavam abatendo e desanimando os crentes. Sua recomendação é para que eles se alegrem!


Pedro havia aprendido com o Senhor Jesus que seus discípulos deveriam regozijar-se quando sofressem por causa do Senhor (Mt 5.11-12). Ele colocou isso em prática em Jerusalém, quando juntamente com os demais discípulos eles foram ameaçados e castigados pelas autoridades (“[...] regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas [...]", At 5.41). Outros autores no Novo Testamento viveram e ensinaram a mesma coisa, como Paulo quando estava preso com Silas em Filipos (At 16.25: “cantavam louvores a Deus”; cf. Rm 5.3). Tiago também escreveu: "Meus irmãos, tenham por motivo de grande alegria o fato de passarem por várias provações, sabendo que a provação da fé que vocês têm produz perseverança" (Tg 1.2-3). Nesta mesma carta, Pedro já havia ensinado isso aos seus leitores: "Nisso vocês exultam, embora [...] sejam contristados por várias provações, [...] exultam com uma alegria indescritível e cheia de glória” (1.6-9).


No v. 13, a razão apresentada por Pedro pela qual os leitores deveriam alegrar-se era que, sofrendo pelo nome de Jesus, eles eram "coparticipantes dos sofrimentos de Cristo". “Sofrimentos de Cristo” significa os sofrimentos que Cristo experimentou nas mãos dos judeus e romanos, desde sua traição até sua morte de cruz. "Coparticipante" significa aquele que participa com outro em alguma coisa ("tomar parte", NTLH). Isso não significa que o sofrimento dos cristãos é vicário e serve para pagar pecados, como se eles de alguma forma participassem na sua própria justificação e redenção. "Cristãos participam nos sofrimentos de Cristo não contribuindo para a obra propiciatória já completa de Cristo, mas experimentando maus-tratos iguais aos dele, porque estão unidos e identificados com Cristo" (R. C. Sproul).


Aqui, Pedro ensina que os cristãos que sofriam por causa de sua lealdade a Cristo eram coparticipantes daqueles sofrimentos. Em que sentido os sofrimentos por Cristo eram similares aos sofrimentos de Cristo? O contexto da carta nos ajuda a decidir. Cristo sofreu injustamente nas mãos dos ímpios, sem injuriá-los, para fazer a vontade de Deus. Da mesma forma, os leitores de Pedro sofriam injustamente nas mãos dos gentios e deveriam suportar humildemente essas aflições, como Deus havia determinado.


E o sofrimento deles por Cristo era sinal da participação deles na glória de Cristo. Pedro diz que eles deveriam alegrar-se agora "para que" se alegrassem exultando na glória futura. A sequência padrão "sofrimento-glória" de Cristo aparece várias vezes na carta (cf. 1.11; 3.18 e 22). Pedro já a havia usado pelo menos três vezes aqui como base para confortar os cristãos: eles experimentarão a mesma sequência, sofrimento-glória (veja 2.20-21; 3.17-18; 4.1-2). A origem é o ensino de Jesus, que constantemente disse aos seus discípulos que depois da cruz vem a glória (Mt 10.38-39; 16.24-25; Lc 9.23-24; 14.27; Jo 12.26; 14.3; 17.24; Mt 5.12; Lc 6.22-23).


Assim, da mesma forma que Cristo sofreu e depois entrou na sua glória, assim também os cristãos, depois de terem sofrido aqui nesse mundo pelo nome de Cristo, haverão de participar da vitória que ele agora desfruta, quando da "revelação de sua glória". A glória de Cristo no presente está velada, oculta dos olhos humanos. Quando chegar o dia do fim de todas as coisas, a glória de Cristo – sua majestade, domínio e poder – será revelada ao mundo. Cristo descerá dos céus, e todo olho o verá. E naquela ocasião, seus discípulos se "alegrarão exultando" (cf. 1.8). A consciência da glória futura e da participação nela deveria consolá-los e enchê-los de alegria no presente.


Muito embora Deus use de meios para nos consolar aqui neste mundo diante de nossas aflições, não há nada mais duradouro e eficiente para nos confortar do que a esperança da vida eterna no novo céu e na nova terra, nos quais habita a justiça.


Também é necessário dizer que alegrar-se no sofrimento não é cinismo ou estoicismo (Sêneca dizia que a verdadeira alegria está em aceitar as coisas como elas acontecem, e ao mesmo tempo transformá-las da melhor forma possível). Alegra-se no sofrimento não é uma negação da dor e da frustração. Cristãos não se alegram porque estão sofrendo perseguição, mas se alegram porque eles sabem que o sofrimento tem um propósito que supera, em muito, as aflições presentes (2Co 4.17: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um eterno peso de glória, acima de toda comparação”). Somente crentes firmes nas promessas de Deus podem experimentar paz e alegria reais em meio às tribulações.


A maneira como Pedro construiu esse versículo também sugere que a alegria nos sofrimentos por causa de Cristo é um indicador seguro da salvação. Os que agora se alegram em meio à perseguição decorrente da fidelidade a Cristo se alegrarão na manifestação de sua glória. Os que desanimam, voltam atrás, revoltam-se contra Deus e abandonam a fé diante das aflições por amor de Cristo, não se alegrarão no dia do juízo. "Se não suportarmos o sofrimento por Cristo agora, teremos de suportar o sofrimento eterno adiante" (R. Jamieson).



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