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Foto do escritorChristian Lo Iacono

O Sofrimento e provação | Parte II

12 Amados, não estranhem o fogo que surge no meio de vocês, destinado a pô-los à prova, como se alguma coisa extraordinária estivesse acontecendo.13 Pelo contrário, alegrem-se na medida em que são coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vocês se alegrem, exultando.14 Se são insultados por causa do nome de Cristo, vocês são bem-aventurados, porque o Espírito da glória, que é o Espírito de Deus, repousa sobre vocês.15 Que nenhum de vocês sofra como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se mete na vida dos outros.16 Mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por causa disso.

17 Porque chegou o tempo de começar o juízo pela casa de Deus; e, se começa por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?18 E, "se é com dificuldade que o justo é salvo, que será do ímpio e do pecador?"

19 Por isso, também os que sofrem segundo a vontade de Deus entreguem a sua alma ao fiel Criador, na prática do bem.

1 Pedro 4.12-19


Sofrendo como cristão

 

Na semana passada, vimos que Pedro orientou seus destinatários, primeiramente, a "não estranharem o fogo que surgia no meio de deles". As injúrias dos pagãos eram como a fornalha onde metais preciosos eram testados e purificados. Ou seja, por detrás da hostilidade pagã estava o propósito maior de Deus, que era prová-los, isto é, testá-los, com o fim de amadurecê-los e edificá-los. Saber disso os ajudaria a suportar o sofrimento da maneira correta.

 

A segunda orientação de Pedro quanto às injúrias recebidas dos pagãos era de que eles deveriam "alegrar-se" no sofrimento que elas representam. Ele pressupõe que as injúrias estavam abatendo e desanimando os crentes. A razão apresentada era que, sofrendo pelo nome de Jesus, eles eram "coparticipantes dos sofrimentos de Cristo". Ora, Cristo sofreu injustamente nas mãos dos ímpios, sem injuriá-los, para fazer a vontade de Deus. Da mesma forma, os leitores de Pedro sofriam injustamente nas mãos dos gentios e deveriam suportar humildemente essas aflições, como Deus havia determinado.

 

E assim como Cristo sofreu e depois entrou na sua glória, assim também os cristãos, depois de terem sofrido aqui neste mundo pelo nome de Cristo, haverão de participar da vitória que Ele agora desfruta, quando da "revelação de sua glória". É como Paulo escreveu: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um eterno peso de glória, acima de toda comparação” (2Co 4.17).

 

4.14 – “Se são insultados por causa do nome de Cristo, vocês são bem-aventurados, porque o Espírito da glória, que é o Espírito de Deus, repousa sobre vocês. A terceira orientação de Pedro a seus leitores quanto às injúrias recebidas dos pagãos é que eles deveriam se considerar bem-aventurados por sofrerem dessa forma. "Se são insultados por causa do nome de Cristo [...]" não indica uma incerteza, mas um fato. Eles estavam realmente sendo "insultados". As injúrias faziam parte da hostilidade verbal dos contemporâneos dos leitores de Pedro; elas se constituíam na maior parte da perseguição contra eles. Incluía serem chamados de “malfeitores” (2.12), serem alvo dos comentários de pessoas “insensatas” (2.15), amaldiçoados (3.9), “ameaçados” (3.14) e difamados (4.4).

 

Alguém poderia pensar que injúrias não representam um sofrimento tão grande assim. Mas, como diz Calvino, “[Pedro] faz menção de insultos, porquanto neles às vezes há mais amargura do que na perda de bens, ou nos tormentos ou agonias do corpo; por isso não há nada que seja mais doloroso para as mentes ingênuas. Pois bem sabemos que muitos dos que são fortes em suportar a carência, corajosos nas tormentas, sim, ousados em encarar a morte, sucumbem sob as ofensas”.

 

Essas injúrias e demais abusos verbais eram "no nome de Cristo", isto é, por causa do comportamento fundamentado na fé e lealdade a Jesus Cristo. Isso incluía disposição para o martírio, vida santa e proclamação do senhorio de Cristo. "Pelo fato de os cristãos confessarem o nome de Jesus Cristo entre judeus e gentios, eram perseguidos sem piedade" (S. Kistemaker). Pedro já havia dito que eles eram bem-aventurados por sofrerem por causa da justiça (3.14). Agora, diz que são bem-aventurados ("felizes", NVI; NTLH) por sofrerem pelo nome de Jesus. Eram injuriados pelos homens, mas benditos por Deus. O padrão segue de perto as palavras de Jesus no Sermão do Monte: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados são vocês quando, por minha causa, os insultarem e os perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vocês(Mt 5.10-11).

 

Jesus também havia declarado bem-aventurados os que fossem perseguidos por causa da justiça e por causa do nome dele. Pedro agora explica por que eles são bem-aventurados: o Espírito da glória, que é o Espírito de Deus, repousa sobre vocês". "Repousar" aqui significa permanecer sobre alguma coisa ou alguém, trazendo efeitos benéficos. No AT lemos que o Espírito Santo "repousou" sobre os 70 anciãos (Nm 11.25-26; cf. 2Re 2.15). Mais importante, Isaías havia dito que o Espírito de Deus haveria de "repousar" sobre o Messias: "Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor" (Is 11.2).

 

Esse mesmo Espírito, diz Pedro, repousa sobre os seguidores do Messias (cf. 1.11-12). No dia de Pentecostes, Pedro anunciou a chegada do Espírito Santo, prometido pelos profetas (At 2.17-18) e derramado por Cristo (At 2.33). Pedro prometeu que os que viessem a crer em Jesus receberiam o mesmo Espírito que agia nos discípulos (At 2.38; cf. At 5.32; 10.47). Pedro se refere a ele como o “Espírito da glória, que é o Espírito de Deus”. A expressão pode ser traduzida como "o Espírito da glória de Deus" ou "o glorioso Espírito de Deus" (NTLH). Ele é o "Espírito da glória" porque não somente revela a glória que nos espera depois dos sofrimentos por causa de Cristo, mas também porque nos assegura da nossa participação nela. E é o "Espírito de Deus" porque procede de Deus, foi por ele enviado ao nosso coração como penhor das suas promessas e para que possamos nos dirigir a Deus como nosso Pai. Ser injuriados pelo nome de Cristo era uma evidência de que o Espírito da glória, sim, o Espírito de Deus, repousava sobre eles.

 

A evidência de que o Espírito repousava sobre os cristãos, segundo Pedro, era o fato de serem injuriados pelo nome de Jesus Cristo. Mas, qual a relação entre as duas coisas? É provável que Pedro se refira ao fato de as injúrias dos pagãos contra os cristãos serem provocadas pela maneira santa e justa segundo a qual procediam, bem como por sua recusa em se envolver com a devassidão da sociedade da época. Além disso, havia por parte dos cristãos a recusa de participar na idolatria predominante na cultura greco-romana. Se os cristãos andassem de acordo com o mundo, jamais seriam injuriados pelos gentios. Essa posição firme ao lado de Cristo, a disposição de perder tudo, inclusive a vida, por amor a Cristo, só poderia ser resultado da ação poderosa do Espírito de Deus em seus corações. Portanto, o suportar pacientemente o sofrimento era evidência da presença do Espírito neles e, portanto, da participação desses crentes na glória futura junto com o Senhor.

 

Esse ensino de Pedro é muito atual e relevante para nossos dias. Atualmente, a maior parte dos evangélicos identifica a obra do Espírito Santo somente com aquilo que entendem como a manifestação do dom de línguas, profecias, curas, visões e prosperidade. Poucos percebem que o Espírito da glória e de Deus repousa sobre aqueles cristãos que sofrem perseguições pelo nome do Senhor. A presença do Espírito da glória e de Deus nos cristãos não se manifesta, pelo menos no caso dos destinatários de Pedro, através de dons miraculosos, mas através da paciência, humildade e perseverança nas tribulações.

 

4.15 – “Que nenhum de vocês sofra como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se mete na vida dos outros. Pedro havia exortado seus leitores a suportar o sofrimento pelo nome de Cristo sem estranhar o fogo ardente das injúrias (4.12), alegrando-se no fato de que sofrer por Cristo era sinal de que experimentariam a glória vindoura (4.13) e conscientes de que eram bem-aventurados, pois o Espírito da glória e de Deus repousava sobre eles (4.14). A quarta orientação aos seus leitores é que deveriam se assegurar de que o sofrimento era realmente por causa do nome de Cristo, e não a consequência de pecados que eles cometeram (4.15).

 

É como se Pedro estivesse acrescentando uma condição ao que havia dito antes: eles eram bem-aventurados por sofrer, porém, somente se o sofrimento fosse por causa de Cristo, e não por causa de atos errados. Sofrer pelo nome de Cristo é bem-aventurança. Sofrer por serem assassinos, ladrões, malfeitores ou intrometidos é apenas a consequência que tais atos merecem. Pedro não está necessariamente dizendo que havia entre os cristãos da Ásia alguém que se enquadrasse nessa lista. Ele afirma, na verdade, que os cristãos deveriam viver de maneira a evitar que seus acusadores os atacassem com essas alegações, evitando dar-lhes quaisquer motivos, poupando a si próprios do sofrimento por causa disso.

 

A lista de Pedro, "assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se mete na vida dos outros”, talvez reflita as injúrias, calúnias e mentiras que já circulavam contra os cristãos no 1° século. Os gentios viam os cristãos como uma seita perigosa, inimiga do Estado, capaz de atos como canibalismo etc. Ou, mais provável, Pedro cita uma lista geral de atos que trazem consequências imediatas e duras sobre os que os cometem. Os cristãos deveriam viver de tal maneira a jamais vierem a sofrer por eles.

 

Assassinato e roubo eram crimes punidos pela lei. Pedro já havia se referido às autoridades constituídas por Deus para castigo dos malfeitores (2.14). Se alguém que se dissesse cristão sofresse a punição das autoridades por ter cometido um desses crimes, ou outros, não deveria dizer que estava sofrendo como cristão e nem deveria esperar a bem-aventurança da glória por isso. "Malfeitor", a terceira palavra da lista, é muito ampla, e os tradutores não têm certeza ao que Pedro se referia exatamente. Ela quer dizer, basicamente, aquele que faz o mal ("criminoso", NTLH). Malfeitores também estavam sujeitos a sofrerem punição por seus atos maus, quer da parte das autoridades, quer da parte da sociedade.

 

Já aquele que "se mete na vida dos outros", a quarta categoria da lista, é mais difícil de interpretar. Pedro usa uma palavra que só aparece aqui no Novo Testamento, e que não aparece nem mesmo em outros documentos gregos da época. Ao que parece, ela foi criada por Pedro para se referir a quem fica se intrometendo, opinando e interferindo na vida e atividade de outras pessoas. Esse tipo de atitude acaba provocando uma reação irada das pessoas contra o cristão bisbilhoteiro, convencido que agora que sabe a verdade, pode opinar sobre tudo e todos.

 

É importante que façamos a distinção entre esses dois tipos de sofrimento. Não poucas vezes os cristãos se fazem de vítima dizendo que estão sofrendo perseguição ou discriminação por serem crentes, quando na verdade estão sofrendo por causa de seu comportamento errado. Não poucos pedem orações nas igrejas porque perderam seu emprego por preconceito religioso do patrão, quando na verdade, eram péssimos empregados ou prestadores de serviço. Ou se queixam de que são mal-entendidos, quando na verdade são bisbilhoteiros e se intrometeram em coisas que não eram de sua conta.

 

4.16 – “Mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por causa disso. Aqui temos a quinta orientação de Pedro aos seus leitores da Ásia que sofriam perseguição da parte dos gentios. O apóstolo havia dito que eles não deveriam sofrer como criminosos, malfeitores ou intrometidos (4.15). Um cristão deveria se envergonhar profundamente de sofrer por cometer atos pecaminosos. Contudo, se ele sofrer por ser cristão, longe de envergonhar-se, ele deveria glorificar a Deus por isso. Aqui, portanto, Pedro contrasta a vergonha de sofrermos como malfeitores e a glória de sofrermos como cristãos.

 

O "se" indica uma condição de fato, como já vimos antes (4.14), e não uma suposição. Pedro assume que alguns deles estavam realmente sofrendo pelo nome de Jesus. O sofrimento, como já indicamos, era resultado principalmente do abuso verbal dos pagãos, desde injúrias até ameaças (2.12, 15; 3.9, 14; 4.4).

 

Essa é a única vez que Pedro usa a palavra "cristão". Ela aparece apenas três vezes no Novo Testamento. Designa aquele que se identifica como crente e seguidor de Cristo (Louw & Nida). O nome foi dado pelos pagãos aos discípulos de Cristo em Antioquia: "Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos" (At 11.26). Parece que antes disso eles eram conhecidos como "discípulos" (At 6.1), "crentes" (At 4.32), aqueles que eram "do Caminho" (At 9.2) (S. Kistemaker). Mais tarde, o rei Agripa usou o termo para se referir aos crentes em Cristo, o que indica que o nome já havia se tornado popular ao final da década de 50 (At 26.28) e ao tempo em que Pedro escreveu esta carta. "O nome foi dado pela primeira vez aos adoradores de Jesus pelos gentios, mas a partir do 2° século foi adotado por eles como título de honra" (J. H. Thayer).

 

"Sofrer como cristão" aqui na carta é a mesma coisa que sofrer injustamente por causa da consciência para com Deus, sofrer por causa da justiça, sofrer por praticar o que é bom e sofrer pelo nome de Cristo, sem revidar, pagar mal com mal ou injuriar de volta (2.19-20; 3.14,17; 4.14). É suportar todo tipo de sofrimento por causa do compromisso firme e público para com Jesus como Cristo e Senhor.

 

Pedro diz que eles não deveriam se envergonhar de sofrer por esse motivo. "Ficar envergonhado" significa sentir vergonha ou culpa por ter feito algo errado ou impróprio para sua situação moral ou social (Lc 16.3; 1Jo 2.28). Embora para os pagãos ser cristão fosse algo vergonhoso ou duvidoso, o cristão não deveria sentir vergonha ou culpa de declarar-se abertamente discípulo de Cristo e de sofrer por isso (Fp 1.20; 2Tm 1.12; Hb 12.2-3: “...sem se importar com a vergonha”).

 

Ao contrário, diz Pedro, ele deveria "[glorificar] a Deus por causa disso", isto é, louvar e agradecer a Deus pelo privilégio de sofrer pelo nome de Jesus.'' A glória de Deus é uma das principais preocupações de Pedro nesta carta: pelo comportamento dos cristãos, os pagãos poderiam chegar ao ponto de glorificar a Deus (2.21); e os cristãos, pelo exercício correto dos dons espirituais, trariam glória ao nome de Deus (4.11). Agora, pelo sofrimento em nome de Cristo, essa glória haveria de ser dada a ele (Rm 5.2-5; Tg 1.2-4).

 

Mais uma vez percebemos a importância de entendermos claramente a razão pela qual sofremos. Sofrer por fazer algo errado é uma coisa; sofrer pelo nome de Cristo, é outra. Se sofrermos por termos caído em pecado, devemos nos envergonhar disso. Ainda assim, lembremos que podemos, arrependidos, nos voltar para Deus com corações penitentes e humildes, pedir-lhe perdão e restauração. Deus sempre estará disposto a atender os corações quebrantados e contritos. Sofrer por Cristo, por outro lado, é uma glória, como reconheceram os primeiros discípulos em Jerusalém, os quais, depois de terem sido açoitados, "se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome" (At 5.41).

 

4.17 – Porque chegou o tempo de começar o juízo pela casa de Deus; e, se começa por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?” "Porque" faz a conexão com o verso anterior, dando a razão pela qual devemos procurar não sofrer como malfeitores, mas como cristãos (4.15-16). A razão apresentada por Pedro é que o juízo de Deus já chegou e que ele começa com os cristãos. Essa é a sexta orientação que o apóstolo dá nessa seção (4.12-19) aos seus leitores sofredores, sobre como eles deveriam ver a perseguição que estavam recebendo dos gentios.

 

Ele faz três declarações sobre esse ponto. Primeira, " chegou o tempo de começar o juízo pela casa de Deus". Por "juízo pela casa de Deus" Pedro se refere às perseguições intensas que, como fogo ardente, irrompiam no meio dos cristãos. “Juízo”, aqui, não deve ser entendido, obviamente, como uma execução da sentença de culpados e condenados, mas como o meio pelo qual Deus julgava e purificava seu próprio povo de suas iniquidades e pecados. A ocasião para que Deus julgasse e purificasse seu povo por meio da fornalha da aflição havia chegado. A ocasião a que Pedro se refere é o tempo entre as duas vindas de Cristo, o tempo presente, o evento final antes do retorno de Cristo. Os leitores de Pedro e os demais cristãos em todo o mundo (5.9) estavam experimentando esse momento. Eles não deveriam perder de vista essa perspectiva.

 

A segunda declaração de Pedro é que o juízo de Deus "começa por nós", isto é, vem primeiro sobre nós ("os que pertencem ao povo de Deus serão os primeiros a serem julgados”, NTLH). A perseguição sobre os cristãos era uma demonstração pública de que Deus não eximirá ninguém do sofrimento presente e do julgamento no dia final. Se ele submete sua "casa" ao juízo, significa que os que não são da sua casa irão igualmente experimentar do juízo. Aqui é preciso reforçar que Pedro usa o termo "juízo" com dois sentidos. Quando o juízo é sobre os cristãos, é a disciplina de um pai bondoso que deseja que seus filhos cresçam e amadureçam. Já quando se trata do juízo sobre os desobedientes, significa a condenação eterna. A diferença entre os dois tipos de juízo fica clara no verso seguinte (4.18).

 

O conceito de que o juízo começa primeiro com a casa de Deus tem origem no Antigo Testamento. "Casa de Deus" é uma expressão que se refere ao templo de Salomão, em Jerusalém, onde Deus habitava no meio de seu povo (1Cr 6.48; Es 1.4; Sl 42.4; Dn 1.2; J1 1.13). Vários profetas haviam declarado que Deus, ao exercer juízo purificador sobre o mundo, haveria de começar com a sua própria casa, o seu povo, os próprios sacerdotes. Ezequiel 9 descreve Deus julgando os ímpios de entre o seu povo e começando com a sua casa, o templo, os sacerdotes e os anciãos: "comecem pelo meu santuário" (Ez 9.6b).

 

Malaquias descreve o juízo de Deus sobre o mundo por meio do fogo purificador do ourives, começando com os levitas e sacerdotes que serviam na casa de Deus (Ml 3.2-3; veja ainda Am 3.2; Jr 25.29). Como nos diz Calvino, “Outrora era comum o Senhor, como todos os profetas testemunham, exibir os primeiros exemplos de seu castigo em seu próprio povo, como o chefe de uma família corrige seus próprios filhos antes que os filhos dos estranhos (Is 10.12). Pois ainda que Deus seja o juiz do mundo inteiro, contudo ele quer que sua providência seja especialmente reconhecida no governo de sua própria igreja.”

 

Já vimos que Pedro trata a igreja de Cristo como sendo o povo de Deus, a continuação legítima de Israel. Os cristãos são a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de propriedade exclusiva de Deus (2.9). Eles são o edifício espiritual onde Deus habita (2.5); são, dessa forma, a "casa de Deus" (4.17). Como consequência, da mesma forma que aconteceu com Israel, o juízo purificador de Deus começa com a sua atual casa, a igreja de Cristo.

 

A terceira declaração vem sob a forma de uma pergunta. Diante desse fato, "qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?". Ou seja, se Deus submete os que são seus a intensos sofrimentos neste mundo, o que não fará aos que não são seus, aos que não são de "sua casa", enfim, aos “que não obedecem ao evangelho de Deus"? E aqui, sem dúvida, Pedro está se referindo ao dia do juízo final, no qual o "fim" dos descrentes será selado.

 

Diante desses fatos, os cristãos sofredores deveriam viver de maneira santa e irrepreensível, suportando humildemente – e mesmo se gloriando (4.16) – nos sofrimentos por Cristo, aguardando o juízo de Deus sobre seus perseguidores, e deixando com ele toda justiça (cf. 4.19).

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