Entrando em Jericó, Jesus atravessava a cidade.
Eis que um homem rico, chamado Zaqueu, chefe dos publicanos,
procurava ver quem era Jesus, mas não podia, por causa da multidão, por ser ele de pequena estatura.
Então, correndo adiante, subiu num sicômoro a fim de ver Jesus, porque ele havia de passar por ali.
Quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, disse: — Zaqueu, desça depressa, porque hoje preciso ficar na sua casa.
Zaqueu desceu depressa e o recebeu com alegria.
Todos os que viram isto murmuravam, dizendo que Jesus tinha se hospedado com um homem pecador.
Zaqueu, por sua vez, se levantou e disse ao Senhor: — Senhor, vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, se roubei alguma coisa de alguém, vou restituir quatro vezes mais.
Então Jesus lhe disse: — Hoje houve salvação nesta casa, pois também este é filho de Abraão.
Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido.
Ernest Becker escreveu que nossa cultura substituiria Deus pelo sexo e pelo romance. Antes dele, Nietzsche tinha uma teoria diferente. Ele escreveu que, com a ausência crescente de Deus na cultura ocidental, haveríamos de substituí-lo pelo dinheiro:
“O que leva um homem a usar pesos adulterados, outro, a atear fogo na própria casa depois de tê-la segurado acima de seu valor real, enquanto três quartos de nossa classe fazem vistas grossas à fraude legalizada [...] o que provoca tudo isso? Não é o desejo real – pois sua existência não é, de modo algum, precária [...] mas são incentivados dia e noite por uma impaciência terrível ao ver sua própria riqueza se acumular muito devagar e por um anseio e um amor igualmente terríveis por essas pilhas de dinheiro. [...] O que antes era feito “pelo amor a Deus” hoje é feito por amor ao dinheiro, isto é, por amor ao que, no presente, permite-nos o mais elevado sentimento de pode e uma boa consciência” (Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais, 1911).
Em resumo, Nietzsche profetizou que, na cultura ocidental, o dinheiro talvez se tornaria o principal deus falso. Inúmeros escritores e pensadores têm chamado a atenção para a “cultura da ganância” que vem corroendo nossa alma e produzindo colapso econômico. Entretanto, ninguém imagina que a transformação esteja logo ali. Por quê? Porque é particularmente difícil enxergar a ganância e a avareza em nós mesmos.
É raro o pastor ser procurado por alguém que luta contra esse tipo de pecado, por alguém que diz: “Gasto dinheiro demais comigo. Creio que minha cobiça gananciosa por dinheiro é prejudicial para a minha família, para minha alma e para as pessoas que me rodeiam”. A ganância se esconde da própria vítima. O modus operandi do deus dinheiro inclui a cegueira em nosso próprio coração.
Por que ninguém que vive dominado pela ganância consegue enxergá-la? O deus falso do dinheiro usa dinâmicas sociológicas e psicológicas muito efetivas. Todo o mundo vive em determinada categoria socioeconômica. A partir do momento que tiver condições financeiras para morar em certo bairro, mandar os filhos para as escolhas da vizinhança e participar da vida social dela, você se descobrirá cercado por um bom número de pessoas com mais dinheiro do que você. Ninguém se compara ao restante do mundo, mas às pessoas com as quais compartilha a categoria socioeconômica. O coração humano sempre quer se justificar e essa é uma das maneiras mais fáceis. Você diz: “Não vivo tão bem quanto ele ou ela ou eles. Meus meios são modestos comparados com os deles”. Você pode argumentar e pensar assim, não importa quão prodigamente viva. O resultado disso, por exemplo, é que a maioria dos americanos se considera de classe média, e só 2% se consideram “classe alta” (2008). Mas o restante do mundo não se deixou enganar. Quando visitam os EUA, ficam chocados ao constatar o nível de conforto material que a maioria dos americanos aprendeu a considerar uma necessidade.
Jesus adverte as pessoas com bem mais frequência contra a ganância do que contra o sexo. Contudo, quase ninguém se considera culpado por ser ganancioso. Portanto, todos deveríamos começar com a hipótese de que “isso poderia facilmente ser um problema para mim”. Se a ganância se esconde em lugares tão profundos, ninguém deveria se sentir confiante de que ela não seja um problema em sua vida. Como reconhecer o poder que o dinheiro tem para nos cegar e, então, podermos nos libertar dele?
O Evangelho de Lucas nos apresenta Zaqueu. Ele era um cobrador de impostos marginalizado pela sociedade. Até hoje, pessoas que trabalham para a Receita Federal não fazem propaganda disso nas festas, mas precisamos compreender o que isso significava naquela época e lugar. Israel era uma nação conquistada, sob ocupação militar. Seus conquistadores, os romanos, arrecadavam impostos opressivos de cada colônia como forma de transferir a maior parte da riqueza e do capital da nação para Roma e seus cidadãos. Isso empobrecia as nações conquistadas, o que as mantinha subjugadas. As únicas pessoas que viviam com conforto e bem-estar em Israel eram os governantes romanos e seus colaboradores locais, os coletores de impostos. O sistema tributário dependia de oficiais encarregados de extrair, para os senhores romanos, a receita dos tributos de cada região designada para arrecadação. Todo o mundo os desprezava. As pessoas chamam Zaqueu de “pecador” (Lc 19.7), que significava apóstata ou pária.
Para se ter uma noção de como esses funcionários eram vistos, imagine o que as pessoas pensavam dos colaboradores que, sob as ordens dos nazistas, oprimiam o próprio povo durante a Segunda Guerra Mundial; pense nos líderes dos carteis de droga que enriquecem escravizando milhares das pessoas mais frágeis das regiões mais carentes das cidades; pense nos magnatas corruptos dos dias atuais que adquirem empresas e depois as destroem, ou vendem hipotecas a pessoas simples que não podem pagar, enquanto enchem os bolsos em milhões de dólares.
Por que alguém aceitaria um emprego de cobrador de impostos? O que poderia seduzir um homem a trair a família e o país e viver como um pária da própria sociedade? O dinheiro. O incentivo que os romanos ofereciam aos cobradores de impostos era quase irresistível. Auxiliados pela força militar, os cobradores de impostos tinham permissão de exigir muito mais dinheiro dos conterrâneos judeus do que haviam se comprometido a pagar ao governo. Hoje damos a isso o nome de extorsão. Era uma prática extremamente lucrativa. Os cobradores de impostos eram as pessoas mais ricas da sociedade, bem como as mais odiadas.
Um dos motivos por que Lucas chamou nossa atenção para Zaqueu foi o fato de ele não ser apenas um cobrador de impostos comum. Ele era um architelones (v. 2), literalmente, o cobrador chefe. Não surpreende que o encontraremos em Jericó, um grande centro alfandegário. Como um dos chefes de todo o sistema, ele seria um de seus membros mais ricos e odiados. Viveu em uma época diferente da nossa, em que havia um estigma associado ao consumo ostensivo e ao deleite na riqueza. Mas isso não tinha importância para ele. Zaqueu havia sacrificado tudo o mais a fim de ganhar dinheiro.
Paulo ensina que a avareza é uma forma de idolatria (Cl 3.5; Ef 5.5: “a avareza é idolatria”). Lucas nos ensina a mesma verdade em seu Evangelho, bem como em Atos. A ganância é um sinal daqueles que rejeitam o chamado para seguir Jesus, seja ele Judas (At 1.17-20), seja Ananias e Safira (5.1-11), seja Simão, o mágico (8.18-24). Mais impressionante ainda, há dois motins contra cristãos descritos no livro de Atos, e, nos dois casos, a oposição ao evangelho foi motivada pela avareza (16.19-24 – jovem adivinhadora; 19.23-41). O tumulto em Éfeso, narrado em Atos 19, é particularmente elucidativo. O cristianismo estava se espalhando e fazendo com que as pessoas se afastassem dos ídolos. Isso afetou a economia, uma vez que o sistema bancário e os fabricantes de ídolos e santuários estavam todos interrelacionados. O cristianismo mudou a maneira como as pessoas gastavam e usavam seu dinheiro, o que ameaçavam o status quo cultural.
Em Lucas 12.15, Jesus diz aos ouvintes: “Tenham cuidado e não se deixem dominar por qualquer tipo de avareza, porque a vida de uma pessoa não consiste na abundância dos bens que ela tem”. O que é cobiça? No contexto próximo de Lucas 11 e 12, Jesus advertiu o povo acerca da preocupação com suas posses. Para Jesus, a cobiça não é apenas o amor ao dinheiro, mas a ansiedade excessiva por causa dele. Jesus explica a razão de termos as emoções tão poderosamente controladas por nossa conta bancária – “a vida de uma pessoa não consiste na abundância dos bens que ela tem”. “Consistir” em relação a bens é ser definido pelo que se tem e consome. O termo descreve a identidade pessoal com base em suas posses e consumo. Refere-se a pessoas que, se perderem o patrimônio, não lhes restará um “eu”, pois o valor pessoal delas se baseia em seu valor financeiro. Em uma passagem posterior, Jesus é mais direto e dá nome aos bois:
“Nenhum servo pode servira dois senhores; porque irá odiar um e amar o outro ou irá se dedicar a um e desprezar o outro. Vocês não podem servir a Deus e à riqueza. Os fariseus, que eram avarentos, ouviam tudo isto e zombavam de Jesus. Mas Jesus lhes disse: — Vocês são os que se justificam diante dos homens, mas Deus conhece o coração de vocês; pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” (Lc 16.13-15).
Jesus usa todas as metáforas bíblicas padrão para a idolatria e as aplica à ganância e ao dinheiro. De acordo com a Bíblia, os idólatras fazem três coisas com seus ídolos. Amam-nos, confiam neles e lhes obedecem. Os que “amam o dinheiro” são aqueles que se acham sonhando acordados, fantasiando com novas maneiras de ganhar dinheiro e com novos bens para comprar e olhando com inveja para quem tem mais do que eles. Os que “confiam no dinheiro” sentem ter o controle da própria vida e estar seguros e garantidos por causa de sua fortuna.
Mas a idolatria também nos torna “servos do dinheiro”. Como servimos reis e magistrados terrenos, assim “vendemos a alma” a nossos ídolos. Ao buscarmos neles significado (amor) e segurança (confiança), precisamos tê-los e, portanto, somos motivados a servi-los e, essencialmente, obedecer-lhes. Quando Jesus afirma que “servimos” ao dinheiro, usa uma palavra que indica o serviço solene oferecido a um rei e fundamentado em uma aliança. Se você vive para o dinheiro, é um escravo dele. Se, no entanto, Deus se torna o centro de sua vida, isso destrona e rebaixa o dinheiro. Se sua identidade e segurança estão em Deus, as riquezas não podem controlá-lo por meio da preocupação e do desejo. É uma coisa ou outra. Ou você serve a Deus ou se entrega à escravidão a Mamom.
Em parte alguma essa escravidão é mais evidente que na cegueira de pessoas gananciosas para o próprio materialismo. Observe-se que em Lucas 12 Jesus diz: “Tenham cuidado e não se deixem dominar por qualquer tipo de avareza” (v. 15). Uma declaração notável! Pense em outro pecado tradicional contra o qual a Bíblia nos adverte – o adultério. Jesus não recomenda: “Cuidado! Evitai cometer adultério!” Não precisa. Quando se está na cama com o cônjuge de outra pessoa, se sabe o que está sendo feito. No meio do caminho você não diz: “Oh, espere um pouco! Acho que isso é adultério!” Você sabe que é. Todavia, apesar de ser claro que o mundo está cheio de ganância e materialismo, quase ninguém percebe que essas coisas se aplicam à própria vida. Negamos a realidade!
Podemos continuar observando a história de Zaqueu e perguntar: “Como pode ter traído e prejudicado tanta gente? Como foi capaz de dispor-se a ser tão odioso? Como pode se deixar cegar pelo dinheiro a ponto de fazer tudo isso e viver dessa forma?” Zaqueu é só um exemplo do que Jesus vem ensinando ao longo de todo o livro de Lucas. O dinheiro é um dos deuses falsos mais comuns que existe. Quando ele domina seu coração, cega-o para o que está acontecendo, controla-o por meio de ansiedades e cobiças e leva você a priorizá-lo acima de todas as outras coisas.
Voltemos ao texto sobre Zaqueu: “...procurava ver quem era Jesus, mas não podia, por causa da multidão, por ser ele de pequena estatura. Então, correndo adiante, subiu num sicômoro a fim de ver Jesus, porque ele havia de passar por ali. Quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, disse: — Zaqueu, desça depressa, porque hoje preciso ficar na sua casa. Zaqueu desceu depressa e o recebeu com alegria. Todos os que viram isto murmuravam, dizendo que Jesus tinha se hospedado com um homem pecador” (Lc 19.3-7).
Zaqueu era um homem baixo, mas por que um homem baixo não poderia ficar na rua à frente das pessoas mais altas? Evidentemente, o povo não lhe daria lugar. Em razão disso, Zaqueu tomou uma atitude surpreendente. Subiu em uma árvore. Precisamos avaliar com exatidão o significado disso. Em culturas tradicionais, não eram a liberdade e os direitos que importavam, mas honra e dignidade. Para qualquer homem adulto o ato de subir em uma árvore implicava ser alvo de grande zombaria. Com certeza, alguém como Zaqueu, já desprezado e ainda por cima baixinho, seria mais cuidadoso em se portar de maneira honrada. Então, por que ele agiu assim? Lucas nos revela: “procurava ver quem era Jesus” (v. 3). Zaqueu estava ansioso para ter um relacionamento com Jesus. Ansioso pode até ser uma palavra branda demais. A prontidão com que escalou a árvore indica algo mais próximo do desespero.
Jesus se aproximou e viu uma multidão em sua maioria de pessoas respeitáveis, religiosas, todas se sentindo superiores a prostitutas e cobradores de impostos (Lc 19.7; Mt 21.31). Em vez de dirigir a palavra a uma delas, ele escolheu o “pecador” mais notório em toda aquela multidão. Zaqueu era o chefe dos cobradores. Contudo, diante daquela multidão virtuosa, Jesus escolheu esse homem não só para lhe falar, mas também para comer em sua companhia. Naquela cultura, comer com alguém significava amizade. Todo o mundo ficou ofendido, mas Jesus não se importou. Disse: “Zaqueu, não quero ir para a casa deles, mas para a sua”. E Zaqueu o recebeu com alegria.
Esse intercâmbio simples não poderia ser mais elucidativo para nós. Zaqueu não se aproximou de Jesus com orgulho, mas com humildade. Não se valeu de sua dignidade e riqueza; antes, deixou de lado sua condição de vida e se dispôs a ser ridicularizado a fim de ter um vislumbre de Jesus. No fim, não foi Zaqueu que convidou Jesus a entrar em sua vida, mas Jesus que o convidou a entrar na sua. Quase se pode ouvir Jesus rindo ao dizer isso. “Zaqueu! Sim, você mesmo! É com você que vou para casa hoje!” Ele sabia quão escandaloso era seu gesto para a multidão, o quanto contradizia tudo o que as pessoas conheciam sobre religião e quão surpreendente era para o próprio homenzinho espantado no alto da árvore.
Quando Zaqueu viu que Jesus havia escolhido a pessoa menos virtuosa da multidão para manter um relacionamento pessoal, todo o seu entendimento espiritual começou a mudar. Embora seja pouco provável que tivesse um entendimento claro e consciente disso, Zaqueu começou a perceber que a salvação de Deus era pela graça, não por meio de realização ou desempenho morais. Essa descoberta penetrou nele como um raio, e ele recebeu Jesus com alegria.
“Zaqueu, por sua vez, se levantou e disse ao Senhor: — Senhor, vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, se roubei alguma coisa de alguém, vou restituir quatro vezes mais. Então Jesus lhe disse: — Hoje houve salvação nesta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lc 19.8-10). Zaqueu queria seguir Jesus e logo constatou que, se o fizesse, o dinheiro seria um problema. Por isso, fez duas promessas extraordinárias.
Prometeu dar 50% de sua renda aos pobres. Isso era muito mais que os 10% exigidos pela lei mosaica. Hoje, mesmo a doação de 10% da nossa renda para a caridade parece uma quantia enorme, mesmo considerando que pessoas ricas poderiam fazer muito mais e ainda viver em conforto. Zaqueu sabia disso quando fez essa oferta. Seu coração havia sido impactado. Por saber que a salvação não era pela Lei, mas pela graça, não pretendia viver apenas satisfazendo a letra da Lei. Queria superá-la.
Há ocasiões em que as pessoas nos procuram como pastor e perguntam sobre “dizimar”, ou seja, ofertar um décimo da renda anual. Observam que no AT havia muitos mandamentos claros no sentido de que os crentes deveriam dar 10%. No NT, contudo, as exigências específicas e quantitativas são menos evidentes. Costumam perguntar: “Você não acha que hoje, de acordo com o NT, exige-se que os crentes contribuam com 10%, não é?” Eu respondo que não, e eles soltam um suspiro de alívio. Mas podemos perguntar o seguinte: “nós recebemos mais ou menos revelação, verdade e graça que os crentes do AT? Estamos mais em ‘débito com a graça’ do que eles? Jesus deu 10% de sua vida e sangue para nos salvar ou deu tudo?”
O dízimo é o padrão mínimo para os crentes em Cristo. Com certeza, não gostaríamos de estar em posição de contribuir menos de nossa renda do que aqueles que tinham uma compreensão bem mais restrita do que Deus fez para salvá-los.
A segunda promessa de Zaqueu não estava relacionada com caridade e misericórdia, mas com justiça. Ele havia ganhado muito dinheiro trapaceando. Cobrava impostos exorbitantes de muita gente. Aqui, mais uma vez, a Lei mosaica estabeleceu uma prescrição. Lv 5.16 e Nm 5.7 instruíam que, se tivesse roubado alguma coisa, você precisaria fazer a restituição com juros. Tinha de devolver com 20% de juros. No entanto, Zaqueu quis ir muito além. Restituiria “quatro vezes mais” o que roubara. Isso são juros de 300%.
Em resposta a essas promessas, Jesus declarou: “Hoje houve salvação nesta casa”. Observe-se que ele não disse: “Se viver dessa maneira, a salvação chegará em tua casa”. Não, ela já chegou. A salvação de Deus não chega em resposta a uma vida transformada. A vida transformada chega em resposta à salvação, oferecida como um dom gratuito.
Essa era a razão do novo coração e da nova vida de Zaqueu. Se a salvação fosse merecida de acordo com a obediência ao código moral, então a pergunta de Zaqueu teria sido: “Quanto sou obrigado a dar?” Contudo, essas promessas eram reações à graça superabundante, generosa, por isso a pergunta foi: “Quando posso dar?” Ele entendeu que apesar de ser rico no aspecto financeiro, estivera falido espiritualmente, mas Jesus despejara riquezas espirituais sobre ele com liberalidade. Zaqueu deixou de ser opressor dos pobres para tornar-se defensor da justiça. Passou de acumulador de riqueza à custa de quem estivesse a seu redor para servo das pessoas a despeito da própria riqueza. Por quê? Jesus tinha substituído o dinheiro como salvador de Zaqueu, de modo que o dinheiro voltou a ser simplesmente dinheiro. Agora, ele era um instrumento para fazer o bem, para servir às pessoas. Agora que a identidade e segurança de Zaqueu estavam fundamentadas em Cristo, ele tinha mais dinheiro do que necessitava. A graça de Deus havia transformado sua atitude para com a própria riqueza.
Para entender como o coração de Zaqueu começou a mudar, temos de considerar que os deuses falsos se apresentam em grupo, tornando complexa a estrutura idolátrica do coração. Existem “ídolos profundos” no interior do coração por trás dos “ídolos superficiais” mais concretos e visíveis a que servimos.
O pecado em nosso coração afeta nossos impulsos motivacionais básicos de modo que se tornam idólatras, “ídolos profundos”. Algumas pessoas são fortemente motivadas pelo desejo de influência e poder, ao passo que outras se entusiasmam mais com a aprovação e a estima. Algumas querem conforto emocional e físico mais do que qualquer outra coisa, ao passo que outras desejam segurança, o controle do próprio ambiente. Pessoas dominadas pelo ídolo profundo do poder não se importam em ser impopulares e fim de obter influência. As mais motivadas pela aprovação são o oposto – perdem poder e controle com alegria, desde que todo mundo pense o melhor a seu respeito. Cada ídolo profundo – poder, aprovação, conforto ou controle – gera um conjunto diferente de temores e um grupo distinto de esperanças.
“Ídolos superficiais” são coisas como dinheiro, nosso cônjuge ou filhos, pelos quais nossos “ídolos profundos” buscam satisfação. Em geral, não nos aprofundamos na análise de nossas estruturas de ídolos. Por exemplo, o dinheiro pode ser um ídolo superficial que serve para satisfazer impulsos mais fundamentais. Algumas pessoas querem uma grande quantidade de dinheiro para controlar seu mundo e sua vida. Essas pessoas normalmente não gastam muito dinheiro e vivem de maneira bastante modesta. Mantêm tudo guardado e investido com segurança; assim podem se sentir absolutamente seguras no mundo.
Outras querem dinheiro para ter acesso a círculos sociais e para se tornarem belas e atraentes. Essas pessoas de fato gastam consigo mesmas em abundância. Outras querem dinheiro porque lhes confere grande poder sobre os outros. Em todos os casos, o dinheiro funciona como um ídolo e, no entanto, em virtude dos vários ídolos profundos, resulta em padrões muito diferentes de comportamento.
A pessoa que usa o dinheiro para servir a um ídolo profundo de controle muitas vezes se sentirá superior a todos que dele se servem para conquistar poder ou aprovação social. Em todos os casos, no entanto, a idolatria ao dinheiro escraviza e deforma vidas. Esbanjar ou ser mesquinho são igualmente formas de idolatria.
Essa é a razão por que os ídolos não podem ser tratados pela simples eliminação dos ídolos superficiais como dinheiro ou sexo. Podemos olhar para eles e dizer: “Preciso tirar toda ênfase nisso de minha vida. Não posso deixar que me controle. Vou dar um basta nisso”. Apelos diretos como esse não funcionarão porque é preciso lidar com os ídolos no nível do coração. Só há uma maneira de mudar em nível de coração: mediante a fé no evangelho.
Em 2Co 8 e 9, Paulo pede à igreja que faça uma oferta aos pobres. Apesar de sua autoridade como apóstolo, ele escreve: “Não digo isto na forma de mandamento” (8.8). Ou seja: “Não quero mandar que façam nada. Não quero que essa oferta seja apenas a resposta a uma determinação”. Ele não exerce pressão direta sobre a vontade alheia dizendo: “Sou apóstolo, portanto, ficam o que digo”. Antes, prefere ver “a sinceridade do vosso amor”. E em seguida escreve as famosas palavras: “Pois vocês conhecem a graça do nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que, por meio da pobreza dele, vocês se tornassem ricos” (8.9).
Jesus, o Deus-homem, era dono de uma fortuna infinita. Mas, caso se apegasse a ela, morreríamos em nossa pobreza espiritual. Essa era a opção – se permanecesse rico, morreríamos pobres. Se morresse pobre, nós nos tornaríamos ricos. Nossos pecados seriam perdoados, e seríamos admitidos à família de Deus. Paulo não estava transmitindo a essa igreja um mero preceito ético, exortando-os a pararem de amar tanto o dinheiro e a se tornarem mais generosos. Antes, ele apresentou um resumo do evangelho.
Eis o que Paulo estava dizendo. Jesus abriu mão de toda sua riqueza no céu a fim de fazer de nós seu tesouro – pois nós somos um povo valioso como um tesouro (1Pe 2.9-10). Quando você o vir morrendo para torná-lo o tesouro dele, então você se apropriará de Jesus. O dinheiro deixará de ser a moeda que lhe dá significado e segurança, e você desejará abençoar outras pessoas com o que tem. À medida que você compreender o evangelho, o dinheiro não terá domínio sobre sua vida. Pense na graça preciosa de Jesus até ela transformá-lo em uma pessoa generosa.
A solução para a mesquinhez é a reorientação para a generosidade de Cristo no evangelho, observando como ele derramou sua riqueza por você. Agora, você não precisa se preocupar com o dinheiro – a cruz demonstra o cuidado de Deus por você e lhe dá segurança. Você não precisa mais invejar o dinheiro dos outros. O amor e a salvação de Jesus lhe concedem uma condição extraordinária que o dinheiro não pode lhe conceder. O dinheiro não pode poupá-lo da tragédia ou lhe dar o controle em um mundo caótico. Só Deus tem poder para isso.
O que interrompe o poder do dinheiro sobre nós não é apenas o esforço redobrado de seguir o exemplo de Cristo. Antes, é o aprofundamento do seu entendimento da salvação de Cristo, do que você tem nele e, depois, a prática das mudanças que esse entendimento provoca em seu coração – o centro de sua mente, vontade e emoções. A fé no evangelho reestrutura nossas motivações, o entendimento acerca de nós mesmos e de nossa identidade, nossa cosmovisão. O consentimento comportamental com as regras sem uma transformação completa de coração será superficial e passageiro. O ídolo do dinheiro não pode ser removido, apenas substituído. Deve ser suplantado por aquele que, embora rico, se fez pobre, a fim de que pudéssemos ser verdadeiramente ricos.