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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Oração - Parte I


— E, quando orarem, não sejam como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos pelos outros. Em verdade lhes digo que eles já receberam a sua recompensa.

Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada a porta, ore ao seu Pai, que está em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa.

E, orando, não usem vãs repetições, como os gentios; porque eles pensam que por muito falar serão ouvidos.

Não sejam, portanto, como eles; porque o Pai de vocês sabe o que vocês precisam, antes mesmo de lhe pedirem.

— Portanto, orem assim: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;

venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;

o pão nosso de cada dia nos dá hoje;

e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores;

e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!”

— Porque, se perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês, que está no céu, perdoará vocês;

se, porém, não perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês não perdoará as ofensas de vocês.



Assim como Jesus não se opunha a dar esmolas, Ele também não se opõe à oração. Ele presume que seus seguidores vão orar: “orem assim...”. O que Ele rejeita é a atitude dos que “gostam de orar... para serem vistos pelos outros”. Nas sinagogas, a oração pública era normalmente liderada por um homem, membro da congregação, que ficava em pé diante da arca da lei e cumpria essa responsabilidade. Era muito fácil sucumbir à tentação de orar para impressionar a plateia/congregação. Os clichês aceitáveis, os sentimentos apropriados, o tom de voz, o fervor expresso na hora certa, tudo isso se transformava em meios de receber aprovação e talvez de competir com o colega que dirigiu a oração na semana anterior.


Além disso, nas ocasiões de jejum público, e talvez no momento do sacrifício diário que acontecia toda tarde no templo, as trombetas soavam avisando que estava na hora de se orar. Exatamente onde estivesse, mesmo na rua, um homem tinha de se voltar para a direção do templo e fazer a sua oração. Essa oportunidade de ostentar piedade era mesmo muito “gratificante!” Não devemos ser tão rígidos para com os judeus da época de Jesus antes de fazer um autoexame adequado. Sei muito bem o quanto sou capaz de me enganar e me iludir, e acho que não sou um caso isolado nisso. O crente convidado a orar num culto ou reunião menor, ou o leitor solicitado a participar da leitura bíblica, ou alguém convidado a pregar – todos são extremamente tentados nessa área. E todos recebem a mesma recompensa: o desejado louvor de seus pares. Porém, não há outra recompensa!


O que deve caracterizar nossas orações? Jesus menciona dois requisitos. Primeiro, “entre no seu quarto... ore ao seu Pai”. Não acredito que Jesus aqui esteja tentando proibir toda oração pública. Se estava, a igreja primitiva não o entendeu; basta ver os exemplos de oração pública no livro de Atos (1.24; 3.1; 4.24; etc). Para entender isso melhor, talvez possamos nos fazer as seguintes perguntas: “Oro com maior frequência e maior fervor quando estou a sós com Deus ou quando estou em público?” “Amo o local de oração em segredo?” “Minha oração pública é apenas o transbordar da minha oração particular?” Se as respostas não forem “sim”, talvez também estejam incluídos na advertência de Jesus e sejamos hipócritas. Será que o principal motivo de não termos mais orações atendidas é que estamos menos preocupados em apresentar nossos pedidos a Deus do que em nos mostrar diante dos outros? Em que penso quando estou orando em público? Jesus insiste em que o melhor meio de vencer esse mal de “buscar ser visto pelos outros” é se dedicar à oração a sós. Assim, o “Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa”.


Jesus menciona um segundo aspecto que deve caracterizar nossa oração: “não usem vãs repetições, como os gentios... eles pensam que por muito falar serão ouvidos” (v. 7). Alguns pagãos acreditavam que, se mencionassem o nome de todos os seus deuses e dirigissem a cada um deles suas petições, e depois as repetissem algumas vezes, teriam mais chances de ser atendidos. Jesus diz a seus contemporâneos judeus que grande parte das orações deles é semelhante à ladainha dos pagãos; e tenho certeza de que diria o mesmo a nós hoje. A oração não deve ser uma sucessão de chavões, de repetições vãs, nem deve basear-se na hipótese absurda de que a probabilidade de ser atendido é diretamente proporcional ao número de palavras da oração. “Que a sua boca não se precipite, nem se apresse o seu coração em pronunciar uma palavra diante de Deus. Porque Deus está nos céus, e você, aqui na terra. Portanto, sejam poucas as suas palavras” (Ec 5.2). É uma pena pensar que podemos conseguir favores de Deus pelo tamanho maior de uma oração, entoada mecanicamente.


Mas não é importante orar continuamente (Lc 18.1-8)? Ora, se tomamos a passagem de Mateus 6.7-8 em sentido absoluto, a conclusão lógica é que os seguidores de Jesus nunca devem fazer orações longas e raramente, ou nunca, devem pedir nada, uma vez que Deus já sabe de todas as necessidades deles. Se tomarmos, em vez disso, a passagem de Lucas 18.1-8 em sentido absoluto, chegaremos à conclusão de que, se levamos Deus a sério, não só faremos orações longas, mas também poderemos esperar que as bênçãos recebidas sejam proporcionais à nossa verbosidade. Contudo, se ouvirmos as duas passagens com mais sensibilidade, vamos descobrir que Mateus 6.7-8 na verdade não diz respeito ao tamanho das orações, mas, sim, à atitude do coração que pensa que será ouvido por causa de suas muitas palavras. Da mesma forma, descobrimos que o propósito de Lucas 18.1-8 não é determinar o tamanho das orações, mas, sim, combater a tendência que certos seguidores de Cristo têm de desistir de orar.

Esses cristãos, quando pressionados pelas circunstâncias, geralmente correm o risco de jogar a toalha. Mas eles precisam perseverar.


O melhor exemplo quando se trata de oração é Jesus. Embora orasse muito em público, orava muito mais a sós. O evangelista Lucas faz questão de demonstrar isso (5.16; 6.12; 9.18, 28; 11.1; 22.41, 41). Apesar de às vezes orar com extrema brevidade, Jesus também se dedicava a longas vigílias noturnas. E ensinou seus seguidores a se dirigirem a Deus como Pai, não apenas garantindo-lhes que seu Pai celestial conhece as necessidades de seus filhos antes que estes lhe peçam, mas também incentivando-os a pedir com confiança e fé. Assim, Jesus nos ensina que a oração: não deve ser feita com ostentação, mas deve ser dirigida ao Pai, e não a homens; e deve ser feita sobretudo em particular, sem a ilusão de que Deus pode ser manipulado por tagarelice vazia.


Para isso, Jesus nos oferece uma oração modelo, o “Pai-Nosso”, paradigma para as orações dos seus discípulos. É irônico o contexto que proíbe vãs repetições na oração situar-se na passagem da “Oração do Senhor”, pois nenhuma oração tem sido mais repetida do que essa, embora muitas vezes sem entendimento. Já no segundo século, um documento hoje chamado de Didaquê determinava que os cristãos repetissem essa oração três vezes ao dia. Isso não é necessariamente ruim, assim como não é necessariamente ruim repeti-la em uníssono nos cultos da igreja. Mas não devemos jamais fazer isso mecanicamente e temos de nos lembrar de que o próprio Jesus concebia essa oração como um modelo, uma estrutura.


Essa oração tem seis petições. As três primeiras dizem respeito a Deus: seu nome, seu reino e sua vontade. Logo, os principais interesses e preocupações do crente são a glorificação do nome de Deus, a vinda de seu reino e a realização de sua vontade na terra, assim como no céu. Só depois vêm as outras três petições, e elas têm a ver diretamente com o ser humano: nosso alimento diário, nossos pecados e nossas tentações. É alentador saber que nessa oração modelo Jesus contempla tanto as nossas necessidades físicas quanto as espirituais.


Antes de examinar essas seis petições um pouco mais detalhadamente, devemos prestar atenção à invocação inicial: “Pai nosso, que estás nos céus”. Jesus não nos ensinou a orar: “Meu Pai”, mas “Pai nosso”. Os cristãos não devem orar em isolamento e não devem conceber a espiritualidade de acordo com o individualismo extremado que tanto caracteriza a mentalidade ocidental. O apóstolo João reflete um dos grandes temas do NT quando diz em 1Jo 5.1: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus, e quem ama aquele que o gerou ama também o que dele é nascido [i. e., outros cristãos]”. É claro que há lugar para se orar individualmente a Deus, mas o padrão geral da nossa oração deve ser mais amplo que isso. Portanto, quando eu, como um seguidor de Cristo entre muitos, me dirijo a nosso Pai, minha preocupação é com o nosso pão de cada dia, os nossos pecados e as nossas tentações – não somente com as minhas.


Com relação à designação “Pai”, três coisas precisam ser ditas. Primeiramente, apesar de ser encontrada em escritos judaicos da época de Cristo, a designação “Pai” é muito rara. Joachim Jeremias, estudioso alemão bem conhecido, mostrou quanto os primeiros seguidores de Jesus devem ter ficado estarrecidos com o uso que Ele fez desse vocativo “Pai”. Os judeus naquele tempo preferiam empregar títulos elevados para se referir a Deus, como “Senhor soberano”, “Rei do universo” e outros semelhantes. Jesus o chamava de Pai (Mt 11.25; 26.39, 42; Mc 14.36; Lc 23.34; Jo 11.41; 12.27; 17.1, 5, 11, 21, 24, 25). “Aba”, ele disse a Deus. Essa é uma palavra aramaica usada pelas crianças para chamar seus pais. Não é tão íntimo quanto “meu papaizinho”, mas é mais íntimo que “meu pai”.


Sem dúvida, Jesus era o Filho de Deus em um sentido singular; Deus era singularmente seu Pai. O modo de Jesus se dirigir a Deus faz parte de um quadro mais amplo em que Ele afirma, de muitas maneiras diferentes, ser excepcionalmente um com Deus. Porém, o extraordinário nesse modelo de oração é que Jesus está ensinando seus discípulos a se dirigirem a Deus da mesma forma. Isso nos leva a outro grande tema do NT. É comum os seus autores se referirem a tornar-se um discípulo de Jesus como tornar-se um filho de Deus. Os que se arrependem de seus pecados e confiam em Jesus como aquele que pagou por esses pecados ao morrer por eles, que prometem fidelidade e obediência a Jesus, que confessam: “Jesus é o Senhor!” – esses são os mesmos que a Bíblia diz serem nascido de Deus (Jo 3), filhos de Deus por adoção (Rm 8). Antes destinados para a ira (Ef 2.3), agora foram vivificados diante de Deus. Eles desfrutam a nova relação com o próprio Deus. Embora a filiação deles em alguns aspectos seja qualitativamente diferente da filiação de Jesus, ainda assim herdarão junto com o Cristo os esplendores de um novo céu e uma nova terra (Rm 8.15ss.). Mesmo agora, Deus enviou o Espírito de seu Filho para habitar o coração deles – o Espírito que clama “Aba, Pai” (Gl 4.6). Não admira que, depois da morte e ressurreição, Jesus, vitorioso, tenha orientado Maria: “Vá até os meus irmãos e diga a eles: ‘Subo para o meu Pai e o Pai de vocês, para o meu Deus e o Deus de vocês’” (Jo 20.17).


Esta é, portanto, a segunda observação que precisa ser feita sobre a designação “Pai”: o modo pelo qual Deus é considerado Pai nas Escrituras normalmente não está relacionado à noção genérica de “paternidade de Deus” (“Deus é o Pai, e todos os homens são irmãos”), mas à relação especial entre Deus e os seguidores de Jesus. É verdade, claro, que todos os seres humanos são “descendência de Deus” (At 17.29) no sentido de que Deus criou a todos e tem soberania sobre eles como Criador e Sustentador. Contudo, não é nesse sentido que os autores do NT em geral usam as metáforas da relação “pai-filho” relativamente a Deus e os seres humanos. Por exemplo, em 1Jo 3.1, João distingue entre os “filhos de Deus” e “o mundo”. Escrevendo a crentes, ele diz: “Vejam que grande amor o Pai nos tem concedido, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porque não o conheceu”. Portanto, é muito rica a relação entre Deus, o Pai celestial, e os que se tornaram seus filhos pela fé no seu Filho e obediência a Ele. Existe vida, perdão, aceitação, herança, família e disciplina nesse relacionamento. Sim, até disciplina. Porém, nosso Pai perfeito e amoroso ministra essa disciplina “a fim de sermos participantes de sua santidade” (Hb 12.10; 12.4-11).


Além disso, na oração dizemos que Deus é o nosso Pai “no céu”. Essa é a terceira observação a respeito de “Pai”. Em geral, os judeus da época de Jesus eram propensos a conceber Deus de uma forma tão exaltada que dificilmente conseguiam imaginar um relacionamento pessoal com Ele. Deus era tão transcendente que muitas vezes se perdia de vista a riqueza de sua personalidade. A maior parte do evangelicalismo moderno, ao contrário, costuma retratá-lo como um Deus exclusivamente pessoal e carinhoso. Não se sabe por que, a soberania e a elevada transcendência divinas desaparecem. Se você entrar em certas igrejas, ouvirá algum corinho animado quase levando você a imaginar Deus como um ursinho de pelúcia. Esses “corinhos” não chegam a ser heréticos nem blasfemos. Como diz Carson, “às vezes eu gostaria que fossem, pois assim poderiam ser prontamente condenados por um mal específico... Fazem parte de um modelo de irreverência, de teologia superficial e critérios religiosos

dominados pela experiência, o que aniquilou considerável parte do vigor evangélico no Ocidente.”


Quando Jesus ensinou seus discípulos a orarem “Pai nosso, que estás nos céus”, Ele estava falando com homens que já estavam convencidos da grandiosidade da transcendência de Deus, da magnificência da inefável sublimidade de Deus. Quando eles, ainda tímidos, oraram pela primeira vez: “Pai nosso, que estás nos céus”, sem dúvida sentiram profundamente o tremendo privilégio de se aproximarem desse Deus maravilhoso de uma forma tão pessoal e íntima. Mas hoje os que perderam de vista a transcendência de Deus não conseguem mais dar o devido valor ao privilégio de chamá-lo de Pai.


Assim, quando os crentes orarem “Pai nosso, que estás nos céus”, considerando a sublimidade do seu conhecimento, não poderão senão calar-se e humilhar-se diante de Deus.

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