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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Oração – Parte III

— E, quando orarem, não sejam como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos pelos outros. Em verdade lhes digo que eles já receberam a sua recompensa. 6 Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada a porta, ore ao seu Pai, que está em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa. 7 E, orando, não usem vãs repetições, como os gentios; porque eles pensam que por muito falar serão ouvidos. 8 Não sejam, portanto, como eles; porque o Pai de vocês sabe o que vocês precisam, antes mesmo de lhe pedirem. 9 — Portanto, orem assim: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; 10 venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; 11 o pão nosso de cada dia nos dá hoje; 12 e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores; 13 e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!” 14 — Porque, se perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês, que está no céu, perdoará vocês; 15 se, porém, não perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês não perdoará as ofensas de vocês.

Na última mensagem a respeito do Pai Nosso, vimos que “santificado seja o teu nome”, apesar de ser uma súplica para que o nome de Deus seja santificado e, portanto, um pedido para que Deus santifique seu próprio nome, trata-se, contudo, de uma oração que, quando atendida, significa que nós vamos santificar o nome de Deus. Ou seja, os seguidores de Cristo estão pedindo a seu Pai celestial que aja de tal maneira que eles e um número cada vez maior de pessoas reverenciem a Deus, glorifiquem o seu nome e o reconheçam. Também vimos que “venha o teu reino” (v. 10) refere-se ao reino salvífico de Deus, que, em um aspecto já está presente, mas em outro ainda aguarda sua plena consumação no futuro. Ao longo dos séculos, os seguidores de Jesus debaixo de perseguição brutal têm feito essa oração com consciência e fervor. E a terceira petição, “seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”, pode bem ser um pedido para que o reino de Deus venha em sua plenitude. Contudo, os que agora pertencem a esse reino, como ele já está entre nós, têm o dever de cumprir essa vontade.


Além disso, verificamos que, se estamos orando para que a vontade de Deus seja feita na terra, estamos assumindo duas responsabilidades: 1) estamos nos comprometendo a aprender tudo o que pudermos sobre a vontade dele; 2) se o anseio profundo do meu coração é que a vontade de Deus seja feita, então, ao fazer essa oração, também estou prometendo que, com a ajuda e a graça de Deus, vou fazer a vontade dele até onde eu a conheço! Vimos também que a pessoa é insensata quando vive para suas posses, para sua própria segurança, se o fim está bem próximo. Portanto, essas são as 3 petições da oração-modelo do Senhor. Os principais interesses e prazeres do seguidor de Jesus são a glória de Deus, o reino de Deus e a vontade de Deus. Só depois disso o cristão pensa em suas necessidades pessoais e nas dos outros!


A primeira petição da próxima parte da oração é: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” (v. 11). A palavra traduzida por “de cada dia” ocorre muito raramente em grego. Na verdade, ela é encontrada com certeza somente nessa oração, mas muito provavelmente aparece também em um dos papiros, no qual a palavra está rasurada mais ou menos no meio. Parece tratar-se de um adjetivo que significa “do dia que está vindo”. Se pedimos pela manhã o nosso alimento “[d]o dia que está vindo”, estamos querendo dizer “o alimento de hoje”; se pedimos à noite, estamos falando do alimento de amanhã. O propósito é o mesmo, mas ele se perdeu nas complicadas estruturas da sociedade ocidental moderna. Na época de Jesus, os trabalhadores normalmente eram pagos pelo trabalho que haviam realizado no mesmo dia, e o que recebiam era tão ínfimo que era quase impossível poupar um pouco. Portanto, o pagamento do dia comprava a comida daquele dia. Além disso, a sociedade era basicamente agrária: qualquer problema na colheita podia significar um grande desastre. Nesse tipo de sociedade, orar “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” não era retórica vazia. Vivendo de forma relativamente precária, os seguidores de Jesus deviam aprender a confiar que seu Pai celestial lhes supriria todas as necessidades físicas.


Contudo, um princípio ainda maior está em jogo aqui. Tiago, o meio-irmão de Jesus, nos lembra: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (1.17). Paulo ainda é mais contundente: “Pois quem é que faz com que você sobressaia? E o que é que você tem que não tenha recebido? E, se o recebeu, por que se gloria, como se não tivesse recebido?” (1Co 4.7) – isto é, como se o tivesse conquistado por seus próprios méritos ou cultivado sozinho. Em outras palavras, as Escrituras ensinam que Deus é a fonte suprema de todo bem, seja comida, roupa, trabalho, lazer, inteligência, amizade, seja qualquer outra coisa! Além do mais, Ele não nos deve essas coisas. Uma vez que todos nós, em um ou outro momento da vida, trilhamos caminhos indignos, fizemos nossa própria vontade e mostramos os punhos cerrados para Deus, afirmando nossa independência, Ele não seria injusto se não nos concedesse essas bênçãos. Nossa própria ingratidão é um insulto à Divindade; esta geração ingrata é uma afronta a Ele. Tratamos suas dádivas como algo corriqueiro e garantido e, quando elas começam a escassear, reclamamos e questionamos a própria existência desse Deus benigno.


A vida em boa parte da sociedade ocidental atual não é precária como era no primeiro século. Recebemos muito mais dádivas. Infelizmente, porém, essa riqueza contribuiu para nossa ingratidão, para nossa falência espiritual. Me pergunto se Deus não está começando a advertir o Ocidente usando a linguagem terrível do juízo, até aprendermos algumas lições de arrependimento, gratidão, pobreza de espírito e, talvez mais do que qualquer outra coisa, de consciência da nossa dependência dele? Se tempos difíceis nos sobrevierem, o seguidor de Jesus é quem encontrará refúgio nesta petição: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Não se trata de uma simples questão de orar assim para aprendermos a depender de Deus, embora em parte isso também ocorra. A verdade é que os registros da história cristã estão repletos de testemunhos de que Deus é capaz de atender a esse pedido com a maior fidelidade possível.


A segunda petição encontra-se no versículo 12. “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Ora, após terminar sua oração-modelo, Jesus prossegue, ampliando a questão, pois no versículo 14 e 15 acrescenta: “Porque, se perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês, que está no céu, perdoará vocês; se, porém, não perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês não perdoará as ofensas de vocês”. O pecado é figurado na oração como dívida. É uma dívida que precisa ser paga. Portanto, se alguém tem tal dívida para conosco, e nós não o libertamos, perdoando-lhe a dívida, o Pai também não nos perdoará as dívidas que temos com Ele. Na verdade, em aramaico, a língua em que provavelmente Jesus pregou esse sermão, não é incomum referir-se ao pecado como dívida. Será que Jesus está nos falando de algum tipo de esquema toma lá dá cá? Eu perdoo o João, e então o Senhor me perdoa (na verdade, para que o Senhor me perdoe)? A tradução do v. 12 reforça essa interpretação, embora o original grego possa simplesmente significar “perdoa-nos as nossas dívidas como nós, com isso, perdoamos [presente] os nossos devedores”, e não necessariamente “assim como nós também perdoamos [pretérito] os nossos devedores”. Mas, então, o que significam as condições tão explícitas dos vv. 14 e 15?


Vejamos a parábola que Jesus conta em Mateus 18.23-35. Ela lança um pouco de luz sobre o texto que estamos examinando. Parece que o ponto principal da parábola não é tanto a sequência temporal (X precisa perdoar Y antes que Z perdoe X), mas, sim, a atitude. Não há perdão para quem não perdoa. E não poderia ser de outra forma. O espírito incapaz de perdoar dá forte testemunho de que nunca se arrependeu. É da essência da vida cristã a abnegação. Todo aquele que considera a si ou à sua própria vida fundamental para uma existência significativa perde tudo; todo aquele que toma sua cruz, segue a Cristo e perde sua vida a encontra de fato. Nesse sentido, a famosa oração atribuída a Francisco de Assis analisa as categorias em que esse pedido da oração-modelo do Senhor deve ser entendida:

Senhor, faze de mim um instrumento de tua paz. Onde há ódio, que eu leve o amor. Onde há ofensa, que eu leve o perdão. Onde há dúvida, que eu leve a fé. Onde há desespero, que eu leve a esperança. Onde há trevas, que eu leve a luz. Onde há tristeza, que eu leve a alegria. Ó Mestre Divino, faze que eu procure mais consolar que ser consolado; Compreender que ser compreendido; Amar que ser amado. Pois é dando que se recebe, É perdoando que se é perdoado E é morrendo que se vive para a vida eterna.


A última petição do Pai Nosso é: “e não nos deixes cair em tentação; mas livranos do mal” (Mt 6.13). Assim como devemos depender conscientemente de Deus para nosso sustento físico, também devemos perceber que somos dependentes dele para ter triunfo moral e vitória espiritual. Aliás, falhar nesse ponto é já ter caído em tentação, pois isso faz parte daquela horrível luta pela independência que se recusa a reconhecer nossa posição de criaturas diante de Deus. À medida que o cristão progride na santidade de vida, ele percebe sua fraqueza moral inata e se alegra de saber que qualquer virtude que tem brota como fruto do Espírito. Cada vez mais, ele reconhece as sutilezas enganadoras de seu próprio coração e as astúcias destruidoras do Maligno, e clama com fervor ao seu Pai celestial: “não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal”. Qual foi a última vez que você fez essa oração? Será que deixar de lado essas orações não é sinal de desleixo espiritual e insensibilidade aos aspectos espirituais da existência humana?


O fato de a súplica para evitar a tentação estar situada entre o pedido referente ao perdão (v. 12) e seu esclarecimento posterior (vv. 14-15) talvez dê a entender que a principal tentação em vista nessa passagem é a da amargura – a tentação de manter um verniz de religião verdadeira mesmo quando os pensamentos secretos estão arrebentando de corrupção, como uvas fermentando. Isso também se ajusta ao tema predominante da passagem (6.1-18), que é a descrição e a destruição da hipocrisia religiosa. Aqui, a comunidade cristã tem um papel fundamental: “Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros, para que vocês sejam curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16). O reconhecimento da função do pastor por parte da comunidade cristã também é essencial para o progresso de cada um no discipulado cristão, tanto que Paulo escreveu a Timóteo: “pregue a palavra, insista, quer seja oportuno, quer não, corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina” (2Tm 4.2).


A doxologia impressa em algumas versões (“[pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!”) ao que parece foi acrescentada no segundo século, não antes disso. Essa observação não questiona que o reino, o poder e a glória de fato pertencem a Deus eternamente; muitas outras passagens dizem coisa semelhante. Contudo, não há comprovação de que Jesus tenha ensinado esse trecho como parte de sua oração-modelo.


Temos muito que aprender a respeito de oração; a maioria de nós ainda é pouco mais que um aprendiz. Um dos mais proveitosos estudos das Escrituras é a análise das orações registradas em suas páginas. Depois, é claro, quem estuda precisa praticar o que aprendeu. Porém, por mais tesouros que venha a descobrir, ele jamais encontrará uma oração mais abrangente, mais precisa, mais exemplar que a oração-modelo do Senhor. Bem-aventurado o seguidor de Jesus que pode cantar com sinceridade, sem se sentir envergonhado nem intimidado:

Doce hora de oração! Doce hora de oração! Que me chama desde mundo de aflições Para levar ao trono de meu Pai Todos os meus anseios e petições. Nos momentos tristes de pesar, Minh’alma pode descansar, E se livrar do laço do tentador, pela tua retribuição, bendita hora de oração! Doce hora de oração! Doce hora de oração! Tuas asas levam minha petição àquele cuja verdade e fidelidade Fazem minh’alma esperançosa louvar. E, como ele me convida a sua face buscar, Crer em sua palavra e em sua graça confiar, Sobre ele ponho todo o meu cuidado, e espero por ti, doce hora de oração.

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