Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não por sua própria vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança. Pois quem espera o que está vendo? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos. Romanos 8:18-25
No último sermão, vimos que o sofrimento é tanto justo quanto injusto. Ele começa quando Adão e Eva, ao desobedecerem a Deus, são expulsos do Jardim do Éden. O mundo agora se encontra numa condição amaldiçoada e muito distante de seu propósito original. Mesmo usando o sofrimento para exercer juízo sobre o mundo, Deus planejava a redenção de todas as coisas. Quando os seres humanos se afastaram de Deus, restaram apenas duas alternativas: destruição imediata ou um caminho que levasse à redenção por meio da perda, sofrimento e dor imensas, não apenas para os seres humanos, mas para o próprio Deus. O sofrimento acontece porque determinado comportamento foi contra a natureza do universo e infringiu a ordem moral de Deus. Porém, embora a humanidade como um todo mereça viver em um mundo caído, o mal não é distribuído de modo proporcional e justo (ex. Jó e Jesus). Enquanto Provérbios nos mostra a realidade da ordem de Deus, Jó enfatiza seu lado “oculto” e Eclesiastes, sua “complexidade”. Outro exemplo encontramos na cura do cego de nascença (Jo 9). Logo, as pessoas que estão sofrendo não deveriam ser automaticamente culpadas por essa situação.
Também é importante manter a verdade de que Deus odeia o sofrimento junto com o ensino de que Ele tem poder sobre o sofrimento (ex. ressurreição de Lázaro). O mal está enraizado de tal forma no coração humano que, se Cristo viesse com poder para destruí-lo onde quer que o encontrasse, teria de nos destruir também. Em vez de vir ao mundo como um general à frente de um exército, ele veio com fraqueza e caminhou em direção à cruz, para pagar por nossos pecados.
Em textos como João 9 e 11, Jesus ensina que, embora Deus tenha imposto sofrimento e mal sobre nós como justo castigo, e que Ele vai endireitar as coisas no Dia do Julgamento, enquanto isso não ocorre o sofrimento é, muitas vezes, injusto e sempre odiado por Deus. Como Ronald Ritgers sintetiza, Cristo confirma o [...] modelo de justiça [de que sofrimento é devido ao pecado]. Quando repreende os ouvintes que especulavam sobre as dezoito pessoas que morreram no desabamento da torre de Siloé, como se elas fossem “mais culpadas do que todos os outros moradores de Jerusalém” (Lc 13.4 - 5), ou quando corrige os discípulos que tentam relacionar a cegueira de um homem a um pecado específico (Jo 9.1-12), Cristo não desmente o modelo [...] ao contrário, ele se opõe à sua aplicação simplista e auto engrandecedora” (Reformation of suffering).
Sofrimento, justiça e sabedoria
Portanto, ter sabedoria é estar ciente dessa realidade complexa (von Rad). Parte da realidade é que o sofrimento é algo que Deus impõe de forma justa ao mundo. É razoável que amemos a Deus acima de todas as coisas, porque devemos tudo a Ele. Mas nós não agimos assim: vivemos para nós mesmos, pecamos. Assim, não merecemos um mundo bom, criado para o nosso bem. A outra realidade é que a ordem da criação está corroída. O sofrimento e a dor estão distribuídos de forma tão desproporcional que, com frequência, o inocente sofre mais, e o perverso, menos. É preciso ter cuidado com a crítica a pais cujos filhos se afastaram da fé, ou a crítica a grupos raciais atolados em pobreza e crime, e pressupor que, se não estamos passando pelo mesmo sofrimento, somos moralmente superiores aos olhos de Deus. Quando o sofrimento nos sobrevier de modo inexplicável, como no caso de Jó, poderemos de fato chorar e clamar em nossa confusão. Teremos justificativa para nos sentirmos profundamente angustiados, e nossa convicção de que estamos sofrendo injustamente será legítima. Portanto, se nos esquecermos da primeira verdade – o sofrimento é justo – , cairemos numa autocomiseração (compaixão por si mesmo) arrogante e rancorosa, que despreza com veemência a bondade e até mesmo a existência de Deus. Se nos esquecermos da segunda – o sofrimento individualmente muitas vezes é injusto –, corremos o risco de cair na armadilha da culpa excessiva e na crença de que Deus certamente nos abandonou. Muito já despencaram para um desses abismos. Ou seja, ou a pessoa fica com ódio de si, ou com ódio de Deus. Por isso, é preciso ter sabedoria!
A soberania de Deus
A outra parte da verdade a trazer equilíbrio nesse assunto é de que Deus é soberano e também sofredor. Deus não é apenas onipotente, mas soberano sobre cada acontecimento da história; e Ele não é somente bom e amoroso, mas veio ao mundo e sujeitou- se a males, sofrimentos e dores que nenhum de nós jamais experimentou. Rittgers escreve que, a não ser que conheçamos essas duas verdades, o sofrimento não terá nenhum sentido nem solução definitiva: “O Deus da Bíblia [...] sofre - terrivelmente na cruz - com a humanidade, e mesmo assim, de alguma forma, é soberano sobre o sofrimento. Ambas as crenças foram (e são) essenciais à afirmação cristã tradicional de que, em última análise, o sofrimento tem um sentido e o Deus triúno tem poder para nos livrar dele”. O que queremos dizer ao afirmar que Deus é soberano sobre a história e, portanto, sobre o sofrimento? A doutrina bíblica da soberania de Deus às vezes é chamada de compatibilismo (a ideia de que o livre-arbítrio da humanidade é compatível com a determinação absoluta de Deus na história). A Bíblia ensina que Deus está totalmente no controle do que acontece na história (Pv 2 1.1; Mt 10.29; Rm 9.20). Mas Ele exerce esse controle de forma que os seres humanos são responsáveis pelas atitudes que escolhem livremente e pelos resultados que elas acarretam (Mt 25; Rm 2.1- 16; Ap 20.11- 13). Portanto, a liberdade humana e a direção de Deus nos acontecimentos históricos são totalmente compatíveis. Se uma pessoa rouba um banco, esse mal moral é de sua inteira responsabilidade, embora também, de alguma forma, faça parte do plano de Deus.
O plano de Deus se realiza por meio das nossas escolhas, e não apesar delas.
Nossas escolhas têm consequências, e Deus jamais nos força a fazer nada; sempre fazemos o que mais desejamos. Ele realiza perfeitamente sua vontade por meio de nossas ações voluntárias. Em Isaías 10, Deus chama a Assíria de “instrumento do meu furor” (v. 5). Ele diz que está usando a Assíria para castigar Israel por seus pecados e, mesmo assim, responsabiliza-a pelo que está fazendo. “Eu a envio (Assíria) contra uma nação ímpia (Israel)”, diz o Senhor Deus.“Ela, porém, assim não pensa, o seu coração não entende assim; pelo contrário, em seu coração só pensa em destruir” (v.7). Portanto, Deus castigará o instrumento de seu castigo.
Por um lado, o mal é levado a sério como realidade. Por outro, existe a certeza de que, no final, ele jamais triunfa. Deus é aquele “que faz todas as coisas segundo o conselho de sua vontade" (Ef 1.11). “Para fazer um sorteio são lançados os dados, mas toda decisão procede do SENHOR ” (Pv 16.33). Até o lançar de uma moeda é parte de seu plano. Nada acontece por acidente. “ Fizeste o teu povo experimentar reveses e nos deste a beber um vinho que atordoa" (Sl 60.3).
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