A Carta aos Gálatas foi provavelmente a primeira escrita por Paulo no NT, por volta de 48 d.C. Deve ter sido dirigida ao sul da Galácia, às cidades da Pisídia, entre elas Antioquia, Icônio, Listra e Derbe, que foram evangelizadas por Paulo em sua primeira viagem missionária (At 13-14).
Pelo prefácio da carta, dá pra perceber que logo cedo as igrejas cristãs já observavam algum tipo de aliança regional, porque Paulo se dirige “às igrejas da Galácia” (Gl 1.2, 22; 2Co 9.2). Nesse prefácio, Paulo dá destaque a dois temas fundamentais: seu apostolado e o evangelho de Cristo. Excepcionalmente, Paulo não elogia seus leitores no prefácio, como costuma fazer em outras cartas, talvez em razão das advertências que começará a fazer. Suas críticas se dirigem aos falsos mestres que criticavam o evangelho da graça de Deus alegando a necessidade de se praticar a circuncisão e de se guardar a lei de Moisés para se ter a garantia da salvação (At 15.1, 5). Eles também questionavam a autoridade apostólica de Paulo: “afinal, quem nomeou ele?”
No versículo 1, já surge a palavra “apóstolo”, que os judeus compreendiam muito bem, como caracterizando aquela pessoa que era um mensageiro especial. Ora, Jesus designou “Doze” para estarem com Ele (Lc 6.13; Mc 3.14), um grupo bem específico no NT. Por isso, não cabe hoje falar em sucessão apostólica, mas apenas em fidelidade à doutrina apostólica (At 2.42), já que “apóstolos” no sentido estrito do termo não existem mais. Inclusive, Paulo chama as pessoas que estão com ele enquanto escreve a carta de “irmãos que estão comigo” (v. 2), diferenciando-os, assim, de certa forma, em termos de papeis. Paulo costuma se apresentar como apóstolo no sentido técnico, estrito, da palavra, conforme se vê em seus outros prefácios (Rm 1.1; 1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1; 1Tm 1.1; 2Tm 1.1). Ele vai desenvolver esse assunto na carta, mas já se antecipa a escrever que seu apostolado não é “da parte de pessoas, nem por meio de homem algum, mas por Jesus Cristo” (v. 1). Ou seja, ele não é resultado de instituição humana, nem foi mediado por ela, mas seu apostolado vem totalmente do Jesus Cristo ressurreto (1Co 9.1; 15.8-9). A preocupação real de Paulo, na verdade, é com o evangelho de Cristo, que é o que de fato está em jogo, e assim, a própria salvação dos seus leitores. Paulo se entendia um ministro de Cristo e do evangelho, tendo recebido do Senhor autoridade para falar em seu nome (Mt 10.40; Jo 13.20). O catolicismo romano diz que a igreja escreveu a Bíblia; logo, a igreja está acima das Escrituras, o que faz com que ela possa adicionar à Bíblia outros textos ou interpretações. Mas os apóstolos foram apóstolos de Cristo, e não da igreja.
No versículo 3, Paulo saúda os irmãos com “graça e paz”, termos que resumem muito bem o evangelho de Cristo. Somos justificados pela fé em Cristo e temos paz com Deus, paz com o nosso homem interior e paz com os outros, consequentemente (Rm 5.1). A fonte dessa fé é a graça de Deus em Cristo, que é a manifestação livre do seu favor para com os seres humanos. Essa graça é descrita como vindo do Pai e do Filho.
No versículo 4, Paulo mostra como a morte de Cristo lidou com o nosso pecado, na medida em que ela foi um sacrifício pelo pecado, o único aceitável pelo Pai, que podia satisfazer a justiça de Deus (Gl 3.13). Lutero descreveu que esse sacrifício único é como “trovões do céu contra todo tipo de justiça (própria)”. O objetivo é nos libertar desse mundo perverso, não do mundo criado por Deus, mas do sistema corrompido e anticristão que vigora nesse plano, e que é dirigido por Satanás (Jo 12.31; 14.30; 16.11). O crente, assim, vive no dilema de Romanos 8, já tendo a vida eterna, mas ainda aguardando a redenção de seu corpo, enquanto geme neste mundo, consolado pelo Espírito. Assim, o evangelho não só perdoa, mas dá ao crente uma vida nova, segundo a vontade do Pai. Nesse sentido, o evangelho tem valor histórico e experiencial, porque é a memória do que Cristo fez na cruz, mas ao mesmo tempo é o poder de Deus para a salvação de quem crê.
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