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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Preservando o Evangelho - Série Gálatas (Parte II)


Em todas as outras epístolas, após a saudação inicial, Paulo geralmente continua orando pelos leitores e/ou agradecendo a Deus. Em Gálatas, não há saudação, louvor, ações de graças, elogios ou orações. Ao contrário, Paulo vai direto ao assunto, demonstrando a sua urgência. Ele se preocupa com a inconstância dos gálatas e prossegue queixando-se dos falsos mestres, que querem perverter o evangelho de Cristo. Paulo enuncia um anátema sobre eles.


No versículo 6, Paulo expressa sua surpresa de que os gálatas estejam “passando tão depressa” do evangelho (verbo na voz ativa e no presente; NTLH: “estão abandonando tão depressa”). O significado da palavra grega é “transferir fidelidade”. É usada com referência a soldados do exército que se rebelam ou desertam, ou a pessoas que mudam de partido na política ou na filosofia (ex. Dionísio de Heracléia abandonou os estóicos e tornou-se um epicureu, vindo a ser chamado de “vira-casaca”). Assim, Paulo está acusando os gálatas de terem abandonado aquele que os chamara para a graça de Cristo, trocando-o por um outro evangelho. Bom, para Paulo, o verdadeiro evangelho era essencialmente “o evangelho da graça de Deus” (At 20.24). Ele escreve aos coríntios: “Ora, tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a palavra da reconciliação” (2Co 5.18-19). Tudo é graça.


Mas os gálatas convertidos estavam se voltando para um “evangelho de obras”. Os falsos mestres eram “judaizantes” (At 15.1). Em outras palavras, eles alegavam que era preciso deixar Moisés completar o que Cristo havia iniciado. Na verdade, era preciso acrescentar à obra de Cristo a obediência humana à lei. Mas Paulo não vai tolerar essa perversão do evangelho de Cristo. Inclusive, ele acusa os gálatas de estarem desertando uma pessoa (“daquele que os chamou na graça de Cristo”), e não somente o evangelho (2Ts 2.14). Só Deus pode chamar! Ou seja, teologia e experiência, fé cristã e vida cristã andam juntas. É impossível abandonar o evangelho sem abandonar a Deus! (“vocês caíram da graça de Deus”, Gl 5.4)


No versículo 7, fica evidente que há pessoas “perturbando” os gálatas, ou seja, “sacudindo” ou “agitando”, criando grande confusão, tanto intelectual quanto criando facções. Ora, o Concílio de Jerusalém, provavelmente organizado logo após Paulo ter escrito essa carta, usou a mesma expressão em suas cartas às igrejas: At 15.24. A “perturbação” é causada pela falsa doutrina, que queria “perverter” (“distorcer”) o evangelho. Há quem traduza a palavra por “inverter”, dando a entender que o evangelho ficaria completamente comprometido. Ou seja, a falsificação do evangelho resulta em perturbação para a igreja. Não é possível mexer com o evangelho e não mexer com a igreja, pois esta depende daquele. Nesse sentido, os maiores perturbadores da igreja não são os que se lhe opõem “de fora”, que a ridicularizam e perseguem, mas são os “de dentro”, que tentam alterar o evangelho. Assim, a única maneira de ser um bom membro da igreja é sendo um bom adepto do evangelho, conforme as Escrituras, segundo Cristo. A melhor forma de servir a igreja é crer no evangelho e pregá-lo.


No versículo 8, podemos deduzir que havia gálatas convertidos realmente abandonando o evangelho. Primeiro, Paulo manifesta muita surpresa! Como é comum isso ocorrer também em nossos dias! Adicionamos outros elementos ao evangelho. Acabamos deixando a nossa firmeza de confiança nele. É como se alguém “enfeitiçasse” os crentes em Cristo (Gl 3.1). Ora, o diabo perturba a igreja tanto através do erro como do pecado. Quando ele não consegue pegar o cristão num pecado moral, engana-o na doutrina. Em segundo lugar, Paulo fica indignado com os falsos mestres, sobre os quais ele enuncia uma maldição: vs. 8 e 9.


A palavra “anátema” é usada no AT grego para indicar banimento divino, a maldição de Deus sobre qualquer coisa ou pessoa que ele destinasse à destruição. Acã é um bom exemplo disso. Ele guardou despojos dos cananeus que haviam sido proscritos, destinados à destruição. Paulo expressa o desejo de que o juízo de Deus caia sobre os falsos mestres, de modo que os crentes gálatas, então, não deveriam mais receber seus ensinos (2Jo 10-11). Ora, esse anátema tem abrangência universal. Ele repousa sobre todo aquele que distorce a essência do evangelho de Cristo e propaga esse ensino (“se alguém”, v. 9). No versículo 8, Paulo chega a se incluir, bem como a anjos, nessa advertência. A maldição é enunciada 2 vezes na passagem, para justificar que não há exagero ou desequilíbrio emocional de Paulo.


No versículo 10, parece que os difamadores de Paulo o haviam acusado de oportunista e bajulador, que adaptava a sua mensagem ao auditório. Mas ele era servo de Cristo acima de qualquer outra coisa e, portanto, responsável diante de Deus. Permitir o acréscimo de obras para a salvação seria ir contra a glória de Deus (Ef 1.6: “para louvor da glória de sua graça”). Além disso, “se a justiça é mediante a lei, segue-se que Cristo morreu em vão” (Gl 2.21).


Além do mais, o bem-estar de cada gálata estava em jogo, e não qualquer doutrina “trivial”. E Paulo não estava falando de quem apenas tinha falsos pontos de vista sobre o evangelho, mas daqueles que ensinavam e desencaminhavam pessoas com seus falsos ensinos. Ora, Paulo tinha amor pela alma humana. Em Romanos, ele chega a escrever: “eu mesmo desejaria ser amaldiçoado, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas segundo a carne” (9.3). Paulo sabia que “o evangelho é o poder de Deus para a salvação do todo aquele que crê” (Rm 1.16). Por isso, ele não podia permitir a corrupção do evangelho. Paulo exagerou com seus anátemas? Ora, Jesus não disse que “se alguém fizer tropeçar um destes meus pequeninos que creem em mim, seria melhor para esse que uma grande pedra de moinho fosse pendurada ao seu pescoço e fosse jogado no mar” (Mc 9.42)? Devemos agir de forma passiva, em nome do amor e do respeito, diante da corrupção do evangelho da graça de Deus em Cristo?


Só existe um evangelho, mesmo com o passar dos anos. “Vós estais passando para um evangelho diferente (heteros) – não que exista um outro (allos, “um segundo”) evangelho” (vs. 6-7). O verdadeiro evangelho é o da graça, do favor livre e imerecido de Deus. Sempre que pensamos que nossos méritos, conhecimentos, experiência, moral, religião, filosofia podem contribuir de alguma forma para a nossa salvação estamos pervertendo o verdadeiro evangelho de Cristo.


Além disso, o evangelho de Cristo é aquele que nos foi transmitido pelos apóstolos, ou seja, ele está no NT. Ali temos o critério para a avalição de todos os demais sistemas e ensinos (Gl 1.8-9). Não devemos acolher a anjos ou pregadores que tragam uma mensagem diferente, a despeito de sua erudição, carisma ou autoridade. “Não é a pessoa física do mensageiro que dá valor à sua mensagem; antes, é a natureza da mensagem que dá valor ao mensageiro” (Alan Cole).



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