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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Preservando o Evangelho - Série Gálatas (Parte IX)


"Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, no futuro, haveria de ser revelada.

De maneira que a lei se tornou nosso guardião para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados pela fé.

Mas, agora que veio a fé, já não permanecemos subordinados ao guardião.

Pois todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus;

porque todos vocês que foram batizados em Cristo de Cristo se revestiram.

Assim sendo, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vocês são um em Cristo Jesus.

E, se vocês são de Cristo, são também descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa." - Gálatas 3:23-29


Na última abordagem à Carta aos Gálatas, vimos como Paulo recapitulou 2 mil anos de história, desde Abraão, passando por Moisés, até Cristo, relacionando-os ao plano de salvação de Deus. Agora, o apóstolo vai mostrar que toda pessoa ou está presa pela lei porque ainda está aguardando o cumprimento da promessa, ou já foi libertada da lei porque herdou a promessa. Ou seja, toda pessoa ou está vivendo no Antigo Testamento, ou no Novo Testamento; ou deriva sua religião de Moisés, ou de Cristo.


O propósito divino para a nossa peregrinação espiritual é que passemos pela lei até atingirmos a experiência da promessa, embora não seja possível ir a Cristo sem nos encontrarmos primeiro com Moisés. Outros, porém, vão a Moisés e não conseguem deixar a escravidão da lei. Assim, os versículos 23 e 24 descrevem o que éramos sob a lei, e os versículos 25 a 29, o que somos em Cristo.


Paulo compara a lei tanto a uma prisão quanto a um guardião (tutor). A palavra grega traduzida por “estávamos sob a tutela da lei” (phroureo) significa “proteger com guardas militares” (Grimm-Thayer). Quando aplicada a uma cidade, era usada tanto no sentido de manter o inimigo fora como no sentido de guardar os habitantes dentro dela, para não fugirem ou desertarem. Foi usada no NT para a tentativa de manter Paulo em Damasco: “o governador... montou guarda... para me prender” (2Co 11.32). E Lucas descreve como os judeus “dia e noite guardavam também os portões da cidade, para o matar” (At 9.24). Assim, confinado à cidade, o único jeito de escapar foi através de um cesto descido por uma janela da muralha.


O mesmo verbo é usado metaforicamente acerca da paz e do poder de Deus (Fp 4.7; 1Pe 1.5). Isso significa aqui, em relação à lei, “manter em custódia” (Arndt-Gingrich). O verbo “encerrar” (sungcleio) é parecido e significa “impedir” ou “engaiolar” (Liddell e Scott). Seu único uso literal no NT aparece na narrativa de Lucas acerca da pesca milagrosa, quando “apanharam grande quantidade de peixes” (Lc 5.6). Ou seja, os dois verbos enfatizam que os mandamentos de Deus nos mantinham em prisão, para que não pudéssemos escapar: “éramos prisioneiros da lei” (NTLH).


A segunda metáfora para a lei que Paulo usa é a do “guardião” (tutor). Paidagogos significa literalmente “um tutor, isto é, um guia e guardião de crianças” (Grimm-Thayer). Ele era geralmente um escravo cuja obrigação era “conduzir a criança ou jovem à escola e de volta dela, e supervisionar a sua conduta de um modo geral” (Arndt-Gingrich). O paidagogos não era o professor da criança, e, sim, aquele que a disciplinava. Era geralmente severo a ponto de ser cruel, e apresentado comumente nos desenhos antigos com uma vara ou bengala na mão. J. B. Phillips pensa que o equivalente moderno seria uma espécie de “governanta severa”. Paulo usa a palavra em 1Co 4.15: “Porque, ainda que vocês tivessem milhares de instrutores (“preceptores”, ARA; “mestres”, NTLH) em Cristo, não teriam muitos pais”. Em outras palavras: “há muita gente para discipliná-los, mas eu sou o único que os amo”. Mais adiante, Paulo escreve: “O que vocês preferem? Que eu vá até aí com um chicote (como um paidagogos) ou com amor e espírito de mansidão (como um pai)?” (v. 21).


Qual o significado das duas analogias? Ora, como “a Escritura encerrou tudo sob o pecado” (Gl 3.22), logo todos estamos sob “a tutela da lei” (v. 23), condenados. Nada que façamos pode nos tirar de sua cruel tirania. Como um carcereiro, a lei nos jogou na prisão. E como um paidagogos, a lei nos repreende e castiga pelas nossas más ações.


Graças a Deus, porém, que nunca pretendeu que essa opressão fosse permanente. Ele nos deu a lei na sua graça a fim de tornar a promessa mais desejável. Ou seja, essa opressão tinha um limite temporal: “antes que viesse a fé” (v. 23). Além disso, “a lei se tornou nosso guardião para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados pela fé” (v. 24). São duas formas de dizer a mesma coisa, porque “fé” e “Cristo” andam juntos. A obra opressora da lei foi temporária e tinha a intenção especial não de ferir, mas de abençoar. Seu propósito era nos prender até que Cristo nos libertasse, ou colocar-nos sob tutores até que Cristo nos fizesse filhos de Deus.


No versículo 25, encontramos um “mas”, que significa que o que somos hoje é diferente do que éramos. Não somos mais prisioneiros da lei; agora estamos em Cristo (v. 26), unidos a Ele pela fé, tendo sido aceitos por Deus, apesar de nossos pecados. Todos os versículos até o 29 citam Cristo. Isto é ser cristão: estar em Cristo (vv. 26, 28), ser batizado e ser revestido de Cristo (v. 27), e pertencer a Cristo (v. 29). Paulo vai falar de 3 resultados de nossa união com Cristo:


1. Em Cristo somos filhos de Deus. Deus não é mais nosso juiz, que através da lei nos condenou e aprisionou. Não é mais nosso guardião, que através da lei nos restringe e castiga. Já não o tememos pensando no castigo que merecemos; nós o amamos com a devoção profunda de filhos. Não somos prisioneiros à espera da execução final de nossa sentença, nem filhos menores sob a disciplina de um tutor, mas filhos de Deus e herdeiros de seu glorioso reino, desfrutando o status e os privilégios de filhos adultos (este é o único sentido em que o NT permite usar o termo moderno que diz que a humanidade já chegou à idade adulta).


Essa filiação de Deus é “em Cristo”; não é de nós mesmos. A doutrina de Deus como um pai universal não foi ensinada por Cristo nem pelos apóstolos. Deus é o Criador e o Rei universal; mas Ele é Pai somente de Jesus Cristo e daqueles que se chegam a Ele por meio de Cristo pela fé (v. 26). Nosso batismo exemplifica visivelmente essa união com Cristo (v. 27), que se dá internamente pela fé (a “fé” é mencionada 5 vezes no parágrafo; o batismo, apenas uma). “De Cristo se revestiram”: possível referência à toga virilis, que um menino vestia quando entrava na maioridade como sinal de que era adulto.


2. Em Cristo somos todos um. Em Cristo, não apenas pertencemos a Deus como filhos, mas também uns aos outros como irmãos, não importando aquelas coisas que normalmente nos diferenciam, como etnia, posição, sexo. Quanto à raça, somos todos iguais (judeus ou gregos) em nossa necessidade de salvação, em nossa incapacidade de merecê-la e no fato de que Deus a oferece gratuitamente em Cristo. Tendo recebido essa salvação, essa igualdade se transforma em comunhão. Também não há distinção de posição social em Cristo: o esnobismo é coisa proibida, e a diferença de classes torna-se inútil. Por fim, não há distinção de sexo em Cristo (afirmação forte junto aos romanos e judeus da época! Será que é justo afirmar que Paulo foi um antifeminista?) Tudo isso não quer dizer que nossas diferenças foram apagadas, mas que elas não importam; logo, elas não podem criar barreiras à comunhão: “todos vocês são um em Cristo” (v. 28).


3. Em Cristo somos semente de Abraão. Em Cristo, assumimos nosso lugar na nobre sucessão histórica da fé, conforme Hebreus 11. Não nos sentimos perdidos e desgarrados, sem nenhum sentido de vida na história da humanidade. Ao contrário, encontramos o nosso lugar no desenrolar do plano divino de salvação. Somos a descendência espiritual de nosso pai Abraão, que viveu há cerca de 4 mil anos, pois em Cristo nos tornamos herdeiros da promessa que Deus lhe fez.


Hoje é comum dizer-se que a vida não tem sentido. Muitos pensam que não há motivos suficientes para se viver. É como se não pertencêssemos a nada de fato. Assim, muitas pessoas se definem nesse mundo como sendo “forasteiras”, ou como se estivessem “desajustadas”, sem segurança, sem lar; ou seja, estão “perdidas”. Para todas elas, no entanto, há a promessa de que em Cristo nós nos reencontramos. Os descompromissados assumem compromissos e encontram seu lugar na eternidade (com Deus), na sociedade (com os outros) e na história (sucessão do povo de Deus). É um compromisso tridimensional que assumimos quando estamos em Cristo: na altura, na largura e no comprimento. Ou seja, embora a conversão seja sobrenatural e sua origem, é natural em seus efeitos. Ela não rompe com a natureza, mas a complementa, pois me coloca no lugar ao qual pertenço. Ele me relaciona com Deus, com o ser humano e com a história. Ela me capacita a responder quem sou eu: “Em Cristo eu sou um filho de Deus. Em Cristo, estou unido a todo o povo remido de Deus, no passado, no presente e no futuro. Em Cristo, eu descubro a minha identidade. Em Cristo eu sei onde ponho os meus pés. Em Cristo eu volto para casa.


É triste ficar na prisão ou no berçário quando podíamos ser adultos e livres. A religião pode ser uma servidão, uma prisão. Mas em Cristo somos libertos. Mesmo assim, não podemos ir a Cristo sem passar por Moisés (lei). Porém, Moisés não é o nosso destino final, mas Cristo.


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