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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Preservando o Evangelho - Série Gálatas (Parte VI)


GÁLATAS: 2.15-21


Nesse trecho das Escrituras, aparece pela primeira vez em Gálatas uma palavra central no evangelho pregado por Paulo. Ninguém pode realmente entender o evangelho sem entender o que significa ser “justificado” (v. 16). O verbo aparece quatro vezes nos versículos 16 e 17, e o substantivo aparece uma vez no versículo 21. Aqui, Paulo desvenda a doutrina da justificação pela fé, que é a boa-nova de que Deus aceita homens e mulheres pecadores através de um ato de confiança em Jesus Cristo.


Sobre essa doutrina, Lutero escreveu: “Esta é a verdade do evangelho. É também o artigo principal de toda a doutrina cristã, em que consiste o conhecimento de toda a piedade. Portanto, é mais do que necessário que conheçamos bem este artigo, que o ensinemos aos outros e que o martelemos em suas mentes”. Mais adiante, ele escreve que essa doutrina é “que realmente transforma as pessoas em cristãos... Se o artigo da justificação for alguma vez perdido, então toda a verdadeira doutrina ficará perdida”.


De forma semelhante, o Bispo Cranmer escreveu no primeiro Livro das Homilias: “Esta fé é a que as Sagradas Escrituras ensinam: é a rocha sólida e o fundamento da religião cristã. Esta doutrina todos os antigos autores da igreja de Cristo aprovam. Esta doutrina levou adiante e estabeleceu a verdadeira glória de Cristo, e derrotou a glória inútil do homem. Todo aquele que a negar não pode ser considerado como um verdadeiro cristão”.


“Justificação” é um termo legal que foi tomado emprestado dos tribunais. É o oposto de “condenação”, sendo que “condenar” é declarar alguém culpado. “Justificar”, portanto, é declarar alguém “sem culpa”, “inocente” ou “justo”. Nas Escrituras, a justificação se refere ao ato imerecido do favor de Deus através do qual Ele coloca diante de si o pecador, não apenas perdoando-o ou isentando-o de culpa, mas também aceitando-o e tratando-o como justo.


Ora, duas coisas nós já sabemos com certeza há muito tempo, contemplando a própria história mais recente da humanidade: Deus é justo, mas o ser humano não é. Essa difícil situação que a consciência e a experiência humanas têm insistido tanto em apontar nos mostra que há algo errado entre nós e Deus. Há uma desarmonia evidente entre o Criador e suas criaturas, embora estas tenham sido feitas à imagem e semelhança dele. O ser humano pecou. E, por causa disso, estamos sob juízo, sob a justa sentença de Deus. Estamos alienados de sua comunhão e banidos de sua presença, pois “que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade?” (2Co 6.14).


Assim, a questão urgente a ser enfrentada é a mesma que Bildade, o suíta, apresentou séculos atrás: “como pode o mortal ser justo diante de Deus? E como pode ser puro aquele que nasce de mulher” (Jó 25.4). Ou, como Paulo colocou, “como pode um pecador condenado ser justificado?” A sua resposta a essas perguntas encontra-se nesse trecho das Escrituras. Primeiro, Paulo expõe a doutrina da justificação mediante a fé (vv. 15-16); depois, ele argumenta (vv. 17-21) examinando a objeção mais comum e demonstrando a total impossibilidade de qualquer outra alternativa.


Paulo inicia distinguindo os judaizantes, que defendiam uma justificação pelas obras da lei, e a doutrina apostólica, a da justificação pela fé somente. Por “lei” entenda-se a soma total dos mandamentos de Deus (613 ao todo para um judeu), e por “obras da lei”, os atos praticados em obediência a ela. Para os judaizantes, portanto, a única maneira de ser justificado é trabalhando duro (“obras da lei”), lutando, praticando o que a lei ordena e evitando o que ela proíbe.


Ora, Paulo descreve os judeus como aqueles que estão “procurando estabelecer a sua própria justiça” (Rm 10.3). Essa é a religião mais comum hoje; é o princípio fundamental de cada sistema religioso e moral no mundo. O princípio é popular porque é lisonjeiro. Ele diz ao ser humano que se ele apenas conseguir melhorar um pouco o seu comportamento e se esforçar conseguirá obter a própria salvação.


Essa promessa, no entanto, é mentirosa, própria do pai da mentira (Jo 8.44). Simplesmente porque nunca alguém foi justificado pelas obras da lei, porque jamais alguém conseguiu obedecer à lei perfeitamente. Até podemos guardar algumas exigências da lei externamente. Mas somente Jesus cumpriu toda a lei. Se examinarmos nossas motivações, descobriremos que já transgredimos todas as leis de Deus, pois Jesus disse que pensamentos homicidas e adúlteros, por exemplo, nos transformam aos olhos de Deus em homicidas e adúlteros, respectivamente. O ser humano, assim, não consegue ser justificado pelas obras da lei: “não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente” (Sl 143.2).


A alternativa que Paulo apresenta é a salvação pela fé em Cristo, que depende exclusivamente dos méritos dele, em razão de sua justiça perfeita e por ter tomado o nosso lugar sob a ira de Deus, que condenou nossos pecados em seu Filho (Rm 8.3). Nesse sentido, é preciso que nos arrependamos de todo senso de justiça própria, colocando toda a nossa confiança em Cristo. A expressão “nós temos crido em Cristo Jesus” (v. 16) não quer dizer uma convicção intelectual apenas, mas uma entrega, de modo que agora “estamos em Cristo” (Rm 8.1). Nota-se no versículo 16 uma repetição dessa única solução possível para o ser humano, com uma ênfase ascendente. Paulo escreve nos níveis geral, pessoal e universal:


Paulo já tinha defendido a sua autoridade apostólica e o evangelho que ele havia recebido diretamente de Cristo por revelação. Ele já tinha tido a coragem de afirmar que o evangelho não era uma “mensagem humana” (v. 11), razão porque Paulo faz as fortes afirmações teológicas do versículo 16 (“sabendo”). Ele também reforça que esse era o pensamento inclusive dos demais apóstolos (“nós”). Além disso, Paulo também experimentou esse evangelho pessoalmente (“temos crido...fôssemos justificados”). E, por fim, ele faz a citação das Escrituras (“pois pelas obras da lei ninguém será justificado”): Sl 143.2 (Rm 3.20). Portanto, não importa qual é a religião, o tipo de educação, o status social, a raça ou a cultura de cada um. O caminho de salvação é igual para todo ser humano.


Mesmo assim, a posição de Paulo foi questionada à época, e continua sendo questionada hoje, nem que seja em nossas condutas (em nossa prática). Por isso, Paulo volta a argumentar nos versículos 17 a 21. Segundo John Stott, provavelmente estavam alegando que a doutrina de Paulo acabaria enfraquecendo o senso de responsabilidade moral do ser humano. Além disso, pensavam, Paulo poderia estar encorajando a transgressão da lei (antinomianismo): “Se Deus justifica pessoas más, de que vale ser bom?”


Já Lutero escreveu o seguinte sobre o versículo 17: “Se aquele que é justificado por Cristo ainda deve ser justificado pela lei, então, Cristo nada mais é do que um legislador e ministro do pecado”. Nesse sentido, a resposta que Paulo dá é: “de modo nenhum!” (v. 17). Segundo Lutero ainda, Paulo queria dizer no versículo 18 que: “não preguei de tal maneira a fim de reedificar o que destruí... a mim mesmo constituiria transgressor e perverteria tudo à maneira dos pseudoapóstolos, isto é, converteria, de novo, a graça e Cristo em lei e em Moisés”.


Nos versículos 19 e 20, Paulo descreve a vida do crente em termos de morte e ressurreição, numa união com Cristo em ambas situações (“morri... a fim de viver”, “estou crucificado com Cristo... Cristo vive em mim”). A exigência da morte segundo a lei foi satisfeita na morte de Cristo (v. 19), para que agora seja possível “viver para Deus”. O versículo 20 reforça as verdades do 19. Nele, vemos tanto que “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” como “vivo pela fé no Filho de Deus”. As expressões “Cristo vive em mim” e “se entregou por mim” (v. 20) reforçam o caráter pessoal e experiencial da nova vida em Cristo. Se a salvação é pelas obras, então não é pela graça! Nesse caso, Cristo teria morrido em vão. Isso seria o mesmo que recusarmos a graça de Deus (v. 21).


Conclusões:


1. A principal doutrina da fé cristã é a justificação. Ora, a aceitação junto a Deus é a maior necessidade do ser humano, pois significa a sua reconciliação com o Criador, dando-lhe paz e vida eterna;


2. A justificação é pela graça e mediante a fé em Cristo, e não pelas obras da lei. “Eu devo dar ouvidos ao Evangelho, que me ensina não o que devo fazer (pois este é o trabalho da lei), mas o que Jesus Cristo, o Filho de Deus, fez por mim; a saber, que ele sofreu e morreu a fim de me livrar do pecado e da morte” (Lutero);


3. Não confiar em Cristo devido à confiança em si mesmo é um insulto à graça de Deus, porque é dizer que a mesma é desnecessária;


4. Confiar em Cristo, estar unido a Ele, é ter uma vida nova: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”.





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