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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Preservando o Evangelho - Série Gálatas (Parte X)


Digo, porém, o seguinte: durante o tempo em que o herdeiro é menor de idade, em nada difere de um escravo, mesmo sendo senhor de tudo. Mas está sob tutores e curadores até o tempo predeterminado pelo pai. Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos escravizados aos rudimentos do mundo. Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao nosso coração, e esse Espírito clama: “Aba, Pai!” Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por Deus. Mas, no passado, quando não conheciam a Deus, vocês eram escravos de deuses que, por natureza, não são deuses. Mas agora que vocês conhecem a Deus, ou melhor, agora que vocês são conhecidos por Deus, como é que estão voltando outra vez aos rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo querem servir como escravos? Vocês guardam dias, meses, tempos e anos. Receio que o meu trabalho por vocês tenha sido em vão. - Gálatas 4:1-11


Nessa passagem, Paulo trata da condição do ser humano sob a lei (vv. 1-3) e em Cristo (vv. 4-7), para fazer um apelo quanto à vida cristã (vv. 8-11). Em outras palavras: “Antes éramos escravos; agora somos filhos. Como, então, podemos retornar à antiga escravidão?”


Sob a lei, Paulo diz, os seres humanos são como um herdeiro durante a infância ou minoridade. Ou seja, o herdeiro tem a promessa de herança, mas ainda não teve a experiência da mesma, por ser criança. Nesse momento, então, embora já tenha direito à herança, ele acaba sendo “tratado como escravo” (v.1, NTLH). Paulo escreve que esse filho menor “está sob tutores e curadores” (v. 2), que agem como “superintendentes de sua pessoa e propriedades” (Lightfoot). Assim, esses tutores dão ordens, orientação e executam disciplina em relação a essa criança, que não tem liberdade e está sob restrições. Como herdeiro, esse menor é senhor; mas até crescer, não está em melhores condições do que um escravo, e vai permanecer assim “até o tempo predeterminado pelo pai” (v. 2).


“Assim, também nós” (v. 3), Paulo continua, estávamos debaixo da lei, antes da manifestação de Cristo, e éramos herdeiros da promessa feita a Abraão. Vivíamos uma espécie de escravidão, a da lei, que foi “nosso guardião” (3.24), até sermos resgatados (v. 5). No versículo 3, a lei parece estar igualada “aos rudimentos do mundo”, que são chamados de “fracos e pobres” no versículo 9, porque a lei não tem força para nos remir e porque os rudimentos do mundo não têm riqueza com que nos abençoar, respectivamente.


“Rudimentos do mundo” (stoicheia): “elementos”. A palavra pode ser usada no sentido de coisas “elementares” (ex. “o ABC”; Hb 5.12). Nesse sentido, Paulo estaria comparando o período do AT à educação rudimentar do povo de Deus, que foi complementada mais tarde com Cristo. Mas a NTLH oferece uma segunda interpretação: “poderes espirituais que dominam o mundo” (v. 3). No mundo antigo, eles eram associados aos elementos físicos (terra, fogo, ar e água) ou aos corpos celestes (sol, lua e estrelas), que controlavam os festivais periódicos comemorados na terra. Isso se encaixa com o versículo 8, onde Paulo escreve que éramos “escravos de deuses que, por natureza, não são deuses”, isto é, demônios ou maus espíritos.


Mas como a servidão da lei pode ser chamada de servidão a maus espíritos? Ora, como a lei foi dada por Deus através de Moisés e por anjos (3.19), o diabo tomou uma coisa boa (a lei) e a distorceu para os seus propósitos malignos, a fim de escravizar o ser humano. Assim como o “guardião” (3.24) da criança pode maltratá-la durante a sua minoridade, o diabo explorou a boa lei de Deus a fim de tiranizar pessoas de uma maneira que Deus jamais intentou. Deus queria que a lei revelasse o pecado e acabasse levando o ser humano a Cristo. Mas Satanás usou-a para revelar o pecado e levar o ser humano ao desespero. Deus pretendia que a lei fosse um degrau para a liberdade; Satanás usa-a como um beco sem saída, enganando os simplórios e levando-os a crer que não há escape de sua terrível escravidão.


A escravidão sob a lei durou cerca de 1.300 difíceis anos. Mas finalmente “chegou a plenitude do tempo” (v. 4; “o tempo está cumprido”, Mc 1.15), quando as “crianças menores” podem desfrutar da maioridade e herdar a promessa. Sobre esse tempo determinado, pode se considerar que Roma havia conquistado e subjugado o mundo conhecido, facilitando o ir e vir pelas estradas romanas. Ao mesmo tempo, a língua grega e a sua cultura deram uma certa coesão à sociedade de então. Além disso, os antigos deuses mitológicos da Grécia e Roma começaram a perder a influência sobre o povo comum, que estava sedento de uma religião que realmente satisfizesse os seus anseios. O povo judeu também tinha expectativas de uma verdadeira libertação, tanto do domínio romano como do peso e escravidão da lei.


Nos versículos 4 e 5, vemos que Deus enviou o seu Filho. Ele queria não somente “regatar”, mas também “adotar” os seres humanos, transformando escravos em filhos (algo previsto na legislação romana)! Essa redenção ocorreu pela morte de Cristo (1.4), que se fez “maldição em nosso lugar” (3.13). A ênfase aqui é no sentido de dizer que aquele a quem Deus enviou era perfeitamente qualificado para essa obra, ou seja, o Filho de Deus! Ele nasceu de uma mãe humana (seu nome não é mencionado), vindo a ser o único Deus-homem. Também “nasceu sob a lei”, isto é, de uma mãe judia, na nação judia, sujeito à lei judaica. Durante toda a sua vida, Jesus se submeteu a todas as exigências da lei de Deus, vindo a vencer todas as tentações, já que todos os demais antes e depois dele fracassaram. Assim, a divindade, a humanidade e a justiça de Cristo qualificaram-no de maneira especial para ser o redentor do mundo. Se Jesus não fosse ser humano, não poderia ter remido os seres humanos. Se não fosse justo, não poderia ter remido os injustos. E, se não fosse o Filho de Deus, não poderia ter remido as pessoas para Deus, tornando-as filhas de Deus.


No versículo 6, vemos que Deus enviou o seu Espírito. Os verbos gregos para “enviou” (vv. 4 e 6) são a mesma palavra e estão no mesmo tempo: exapesteilen. Houve um duplo envio por parte do Pai. Primeiro, Deus enviou o seu Filho ao mundo; depois, Ele enviou o seu Espírito aos corações; terceiro, nos corações, o Espírito clama “Pai” (ou, conforme Rm 8.15-16, quando clamamos “Pai”, é “o próprio Espírito [que] confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus). Aba é um termo aramaico para “Pai”, usado por Jesus numa íntima oração a Deus: “Pai, meu pai” (J. B. Phillips). Deus não queria só garantir nossa filiação (status), mas dar-nos a certeza dela através do seu Espírito (experiência). Se somos filhos de Deus, e o somos pela graça, temos o seu Espírito! Isso se verifica também através da intimidade carinhosa de nosso acesso a Deus em oração, quando nos descobrimos como filhos, e não como escravos. E se somos cristãos, filhos e herdeiros do Pai, somos “por [causa de] Deus” (v. 7).


Nos versículos 8 a 10, Paulo contrasta novamente o que éramos com o que nos tornamos. Agora o tema é o conhecimento de Deus. Nossa escravidão era aos espíritos do mal, devido à nossa ignorância de Deus. Nossa filiação consiste no conhecimento de Deus, sabendo quem Ele é, na intimidade de uma comunhão pessoal, após termos sido conhecidos por Deus, que foi quem tomou a iniciativa. “E a vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).


Paulo pergunta: como podem vocês retornar à escravidão após a experiência da filiação? (v. 9) A religião acabou degenerando em um formalismo exterior (v. 10). Já não é mais a livre e alegre comunhão de filhos com o Pai; tornou-se uma enfadonha rotina de regras e regulamentos. Paulo chega a dizer que receava que seu trabalho tinha sido em vão (v. 11). Era como se o “filho pródigo” na parábola do “Pai Amoroso” estivesse dizendo: “tu me fizeste teu filho; mas eu prefiro ser um escravo”. Uma coisa é dizer que não merecemos; outra, que não queremos ser filhos. Vejamos o resultado da influência dos judaizantes, falsos mestres!


Conclusão:


1. O que é a vida cristã? É a vida de filhos de Deus, não de escravos. É liberdade, não servidão. Claro que somos servos de Deus (Rm 6.22; 1Co 7.22-23; 2Co 4.5). Mas esse tipo de serviço é livre, pelo amor (Gl 5.13). O próprio John Wesley, recordando suas intensas práticas religiosas antes da conversão, escreveu: “eu tinha naquele tempo a fé de um servo, mas não a de um filho”.


2. Como viver a vida cristã? É preciso lembrar quem éramos e quem somos hoje em Cristo. Esse é um dos grandes propósitos da mediação nas Escrituras e da oração diárias. Não podemos voltar à escravidão antiga, já que fomos feitos livres em Cristo, e temos o Espírito Santo, como filhos de Deus. Não podemos voltar à antiga ignorância. É preciso lembrar disso e do que Deus fez por nós em Cristo. John Newton, em 1748, aos 23 anos (filho único, perdeu a mãe aos 7 anos e aos 11 foi trabalhar no mar), converteu-se durante uma terrível tempestade de barco, depois de uma vida degradante junto ao comércio de escravos africanos. Para sempre recordar seu passado, escreveu o seguinte trecho das Escrituras e o afixou acima de sua lareira, na parede do seu escritório: “Lembre-se de que você foi escravo na terra do Egito e de que o SENHOR, seu Deus, o resgatou” (Dt 15.15).



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