Irmãos, rogo-vos que sejais como eu, porque também eu sou como vós; nenhum mal me fizestes. E vós sabeis que primeiro vos anunciei o evangelho estando em fraqueza da carne; E não rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne, antes me recebestes como um anjo de Deus, como Jesus Cristo mesmo. Qual é, logo, a vossa bem-aventurança? Porque vos dou testemunho de que, se possível fora, arrancaríeis os vossos olhos, e mos daríeis. Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade? Eles têm zelo por vós, não como convém; mas querem excluir-vos, para que vós tenhais zelo por eles. É bom ser zeloso, mas sempre do bem, e não somente quando estou presente convosco. Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós; Eu bem quisera agora estar presente convosco, e mudar a minha voz; porque estou perplexo a vosso respeito. Gálatas 4:12-20
Nessa passagem, vemos que Paulo não é sinônimo de argumentos somente, sem qualquer afeto. Aqui, ele demonstra uma enorme ternura, chamando os gálatas de “irmãos” (v. 12) e de “meus filhos” (v. 19). Paulo chega a comparar-se com a mãe deles, alegando que está “sofrendo as dores de parto, até que Cristo seja formado” nos seus leitores (v. 19). Até o capítulo 3, vimos o Paulo apóstolo, teólogo, defendendo a fé; agora vemos o Paulo ser humano, pastor, apaixonado pelas almas.
No versículo 12, Paulo deseja que os gálatas crentes o imitassem em sua fé em Jesus Cristo, sendo libertos da influência dos falsos mestres, para viverem a verdadeira liberdade cristã. Ora, quando o rei Agripa disse a Paulo “por pouco você me convence a me tornar cristão”, Paulo respondeu: “Peço a Deus que faça com que, por pouco ou por muito, não apenas o senhor, ó rei, mas todos os que hoje me ouvem venham a ser alguém como eu, mas sem essas correntes” (At 26.28-29). Em outras palavras, Paulo disse: “eu não quero que o senhor se torne prisioneiro como eu, mas que se torne cristão como eu”. Todo cristão deveria poder dizer isso muito espontaneamente, que está tão realizado e livre em Cristo, e alegre em sua salvação, que gostaria que todos os demais pudessem se tornar como ele.
Por outro lado, Paulo também se tornou como um dos gálatas, quando os visitou, na medida em que não manteve distância dos mesmos, mas colocou-se no seu lugar e identificou-se com eles. Embora fosse judeu, tornou-se um gentio entre eles. Ora, “para com os judeus, fiz-me como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da Lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da Lei, embora eu não esteja debaixo da Lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, a fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1Co 9.20-22).
Vejamos que princípio fundamental. Quando buscamos ganhar outras pessoas para Cristo, nossa intenção, em certo sentido, é fazê-las iguais a nós. Mas o meio para se chegar a esse fim é fazer-se igual a elas. Para que as pessoas se tornem iguais a nós em nossa fé e experiências cristãs, é preciso primeiro que nos tornemos iguais a elas expressando a compaixão cristã. Devemos poder dizer como Paulo: “eu me tornei como vocês; agora, sejam como eu”. Essa abordagem inicial de Paulo é importante não somente porque apresenta a atitude pastoral do apóstolo, mas também porque nos ensina algo sobre o relacionamento do pastor com o rebanho. Primeiro, Paulo contrasta a atitude dos gálatas para com ele no passado com a atitude dos mesmos atualmente (vv. 13-16). Depois, contrasta a sua atitude para com eles com a atitude adotada por eles para com os falsos mestres (vv. 17-20).
No versículo 12, Paulo não tem queixas quanto ao tratamento que recebeu no passado. Aliás, o comportamento dos gálatas fora exemplar. Não sabemos ao certo ao que Paulo se refere quando falou de sua “enfermidade física” (v. 13). Lucas nada registrou em Atos a esse respeito, ou seja, que uma enfermidade de Paulo tivesse sido a causa de sua vista às cidades da Galácia. Mas talvez Paulo possa ter adquirido algum tipo de infeção a caminho da região da Galácia, que fez com que ele tivesse que deter-se ali. Provavelmente, essa enfermidade possa ser a mesma que o “espinho na carne” de 2Co 12.7. Algumas pessoas acham que Paulo possa ter pego malária nos pântanos infestados de mosquitos do litoral da Panfília, na ocasião em que João Marcos perdeu a coragem e voltou para casa (At 13.13). Nesse caso, seria natural que Paulo tivesse se dirigido ao norte, subindo para o planalto montanhoso da Galácia. Talvez chegando lá, Paulo pudesse estar com algum tipo de febre. Seja qual for a doença, tinha sintomas desagradáveis e repugnantes, que parece que o desfiguraram de alguma forma. Além disso, se lermos o versículo 15 no seu contexto, parece que a enfermidade lhe afetou a visão. E talvez tenhamos outra evidência de que Paulo pudesse sofrer de algum tipo de problema nos olhos (Gl 6.11; At 23.1-5?).
Tudo isso, a fraqueza e o desfiguramento de Paulo, foi uma provação para os gálatas (v. 14). Talvez os gálatas tivessem sido tentados a desprezar e rejeitar Paulo, a tratá-lo com uma “indiferença desdenhosa” e até mesmo com “visível aversão” (Lightfoot). Mas não foi o que ocorreu, porque Paulo foi recebido como “o próprio Cristo Jesus” (v. 14). Essa é outra indicação clara de que Paulo tinha consciência de sua autoridade apostólica. Ele não desaprovou essa atitude de deferência dos gálatas como havia feito em Listra, quando a multidão tentou adorá-lo (At 14.8-18). Ora, os apóstolos de Cristo eram seus delegados pessoais, ou seja, “o enviado por uma pessoa é a própria pessoa”: “quem recebe vocês é a mim que recebe; e quem recebe a mim recebe aquele que me enviou” (Mt 10.40). Ao receberem Paulo, os gálatas receberam Cristo.
Mas a situação havia mudado (v. 15). Embora os gálatas haviam ficado muito felizes com Paulo naqueles dias, quando receberam por ele o evangelho de Cristo, agora ele parecia “inimigo” (v. 16). Simplesmente porque Paulo tinha dito algumas verdades diretas e dolorosas aos gálatas, repreendendo-os, advertindo-os, insistindo com eles por haverem abandonado o evangelho da graça e retornando à escravidão. Ora, a autoridade de um apóstolo não acaba quando ele começa a ensinar verdades que não são populares. Não podemos ser seletivos na leitura da doutrina apostólica do NT. Não podemos, quando gostamos do que um apóstolo ensina, tratá-lo como um anjo, e quando não gostamos da sua mensagem, odiá-lo e rejeitá-lo como um inimigo. Será que isso não ocorre hoje também?
No versículo 17, vemos que os falsos mestres estavam adulando os gálatas de forma hipócrita, não sincera. A fim de ganhá-los para o seu evangelho pervertido, os judaizantes estavam bajulando e dando enorme atenção aos gálatas. Então, Paulo alega que “é bom ser sempre zeloso pelo bem” (v. 18). A verdadeira motivação dos judaizantes era afastar os gálatas de Paulo (v. 17) e da liberdade que há em Cristo. Ora, quando a fé cristã é considerada como liberdade em Cristo, os cristãos não ficam em subserviência para com os seus mestres humanos. Mas quando a fé se transforma em servidão a regras e regulamentos, suas vítimas ficam inevitavelmente sujeitas, amarradas aos seus mestres, como na Idade Média.
No versículo 19, Paulo chama os gálatas de “meus filhos”. Ele quer que Cristo seja “formado” neles. E a metáfora usada é a das dores de parto. Paulo já havia “entrado em trabalho de parto” anteriormente por eles, quando receberam o evangelho. Mas, agora, o afastamento dos gálatas provocava outro parto. A diferença é grande. Os falsos mestres estavam querendo dominar os gálatas; Paulo desejava que Cristo fosse formado neles. Os judaizantes eram egoístas quanto ao seu próprio prestígio e posição; Paulo estava preparado para se sacrificar pelos gálatas, para sofrer até que Cristo fosse formado neles.
Conclusão:
As epístolas de Paulo têm orientação perfeita para o ministério cristão (John Brown). Claro que o pastor não é um apóstolo de Jesus Cristo, pois ele não tem a autoridade de um apóstolo e, portanto, não pode legislar como se fosse um. Mas ele é chamado a ensinar a fé apostólica (NT) ao rebanho. E se o ministro for fiel a essa comissão, a atitude do rebanho para com ele refletirá a sua atitude para com os apóstolos de Cristo e, consequentemente, para com o próprio Cristo.
Será que a aparência de Paulo influenciou a atitude dos gálatas para com ele? Será que o fato dele ter confrontado os gálatas gerou insatisfação? Ora, o que deveria ser avaliado é se o pastor é fiel ao evangelho de Cristo, ou não. Se ele for, a congregação deve receber as palavras dele como se ele estivesse agindo em nome de Cristo, por delegação das Escrituras. Tantas vezes outras questões bem menos relevantes são consideradas importantes pelos membros de uma igreja: gestos e voz do pastor, a duração do sermão etc.
Calvino escreveu: “Se os ministros quiserem agir de maneira acertada, que trabalhem a fim de formar Cristo, não eles próprios, nos corações”. O ministro cristão deveria parecer-se com Paulo, e não com os judaizantes, preocupando-se com o progresso espiritual do rebanho, e não se ocupando com o seu prestígio pessoal. O pastor não deveria explorar a sua congregação para vantagem própria, mas deveria servi-la, como que sentindo dores de parto.
O que deveria importar ao rebanho não é a “aparência” do pastor, mas se Cristo está falando através dele. E o que deveria importar ao pastor não é a boa vontade das pessoas, mas se Cristo está sendo formado nelas. A igreja precisa de gente que, ouvindo o pastor, ouça a mensagem de Cristo, e de pastores que, trabalhando entre as pessoas, busquem a imagem de Cristo. É preciso, acima de tudo, olhar para Cristo!
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