Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar.
De repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados.
E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.
Estavam morando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu.
Assim, quando se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que foi tomada de perplexidade, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
Estavam atônitos e se admiravam, dizendo:
— Vejam! Não são galileus todos esses que aí estão falando?
Então como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?
Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judeia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes. Como os ouvimos falar sobre as grandezas de Deus em nossas próprias línguas?
Todos, atônitos e perplexos, perguntavam uns aos outros:
— O que será que isso quer dizer?
Outros, porém, zombando, diziam:
— Estão bêbados!
A pregação de Pedro
Então Pedro se levantou, junto com os onze, e, erguendo a voz, dirigiu-se à multidão nestes termos:
— Homens da Judeia e todos vocês que moram em Jerusalém, tomem conhecimento disto e prestem atenção no que vou dizer. Estes homens não estão bêbados, como vocês estão pensando, porque são apenas nove horas da manhã. Mas o que está acontecendo é o que foi dito por meio do profeta Joel:
"E acontecerá nos últimos dias, diz Deus, que derramarei o meu Espírito sobre toda a humanidade.
Os filhos e as filhas de vocês profetizarão, os seus jovens terão visões, e os seus velhos sonharão.
Até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei o meu Espírito naqueles dias, e profetizarão.
Mostrarei prodígio sem cima no céu e sinais embaixo na terra: sangue, fogo e nuvens de fumaça.
O sol se transformará em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande glorioso Dia do Senhor.
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo."
— Israelitas, escutem o que vou dizer: Jesus, o Nazareno, homem aprovado por Deus diante de vocês com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou entre vocês por meio dele, como vocês mesmos sabem, a este, conforme o plano determinado e a presciência de Deus, vocês mataram, crucificando-o por meio de homens maus. Porém Deus o ressuscitou, livrando-o da agonia da morte, porque não era possível que fosse retido por ela. Porque Davi fala a respeito dele, dizendo:
"Eu sempre via o Senhor diante de mim, porque ele está à minha direita, para que eu não seja abalado. Por isso, o meu coração se alegra e a minha língua exulta; além disto, também a minha própria carne repousará em esperança, porque não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção.
Fizeste-me conhecer os caminhos da vida, e me encherás de alegria na tua presença."
— Irmãos, permitam-me falar-lhes claramente a respeito do patriarca Davi: ele morreu e foi sepultado, e o seu túmulo permanece entre nós até hoje.
Sendo, pois, profeta e sabendo que Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono, prevendo isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado na morte, nem o seu corpo experimentou corrupção. Deus ressuscitou este Jesus, e disto todos nós somos testemunhas.
Exaltado, pois, à direita de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vocês estão vendo e ouvindo.
Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo afirma:
"Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Sente-se à minha direita, até que eu ponha os seus inimigos por estrado dos seus pés.’"
— Portanto, toda a casa de Israel esteja absolutamente certa de que a este Jesus, que vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo.
Quando ouviram isso, ficaram muito comovidos e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos:
— Que faremos, irmãos?
Pedro respondeu:
— Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vocês e para os seus filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é, para todos aqueles que o Senhor, nosso Deus, chamar.
Com muitas outras palavras deu testemunho e exortava-os, dizendo:
— Salvem-se desta geração perversa.
Então os que aceitaram a palavra de Pedro foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas.
Atos 2:1-41
O Dia de Pentecostes
Dos que ouviram a palavra naquele dia, quase 3 mil se arrependeram, creram e foram batizados com água. Não é dito explicitamente no v. 41 que eles receberam a remissão dos seus pecados e o dom do Espírito, mas temos fortes razões para crer que isso aconteceu. O apóstolo Pedro havia prometido que eles receberiam essas dádivas caso se arrependessem, cressem e fossem batizados. Sabemos que os quase 3 mil foram batizados depois que "aceitaram a palavra de Pedro". Isso leva à conclusão de que dois diferentes grupos de pessoas receberam o "batismo" ou "dom" do Espírito no dia de Pentecostes – os 120 do início do capítulo e os 3 mil do fim.
Parece que os 3 mil não experimentaram os mesmos fenômenos miraculosos (o vento impetuoso, as línguas de fogo, a comunicação em línguas estranhas). Pelo menos não lemos nada sobre isso no relato. Porém, devido à promessa de Deus através de Pedro, eles devem ter herdado a mesma garantia e recebido o mesmo dom (vv. 33 e 39).
Mesmo assim, havia uma diferença entre os dois grupos: os 120 já estavam regenerados, e receberam o batismo do Espírito somente depois de esperar em Deus durante dez dias. Os 3 mil, por sua vez, eram descrentes, e receberam o perdão dos seus pecados e o dom do Espírito ao mesmo tempo – imediatamente após terem se arrependido e crido, sem precisarem esperar nem um instante.
Essa distinção entre os dois grupos, os 120 e os 3 mil, é de grande relevância, porque a norma para nós hoje, sem dúvida, deve ser o segundo grupo, os 3 mil, e não o primeiro (como muitos pensam). A experiência dos 120 com o Espírito ocorreu em dois momentos diferentes, simplesmente em razão de circunstâncias históricas. Eles não poderiam ter recebido o dom pentecostal antes do Pentecostes. Todavia, essas circunstâncias históricas há muito deixaram de existir. Vivemos depois dos acontecimentos de Pentecostes, como os 3 mil. Portanto, como eles, recebemos o perdão dos pecados e o "dom" ou "batismo" do Espírito ao mesmo tempo.
Isso não quer dizer que tudo o que está relacionado com o segundo grupo no dia de Pentecostes é normativo para a experiência cristã hoje. Creio que todos concordarão que a conversão de 3 mil pessoas como resultado de um único sermão é um tanto excepcional; talvez não seja a expectativa média de um evangelista no mundo atual.
A verdade é que o dia de Pentecostes teve pelo menos dois significados, e muitos fazem confusão hoje em dia porque não entendem a distinção entre eles. Em primeiro lugar, esse evento foi o último da atividade salvadora de Jesus: o derramamento do Espírito prometido há tanto tempo, subsequente à sua morte, ressurreição e ascensão.
Nesse sentido, esse dia deu início à nova era messiânica, a era do Espírito. Ele é singular em si, assim como a morte do Salvador não pode ser repetida, nem sua ressurreição e ascensão, que o precedem. Suas bênçãos, no entanto, existem para todos os que pertencem a Cristo. Desde aquele dia, todos os cristãos, sem exceção, tornaram-se participantes dessa nova era e receberam os dons do perdão e do Espírito, que Cristo nos tornou acessíveis através de sua morte, ressurreição, ascensão e derramamento do Espírito. Nesse sentido os que se converteram no dia de Pentecostes, em resultado à pregação de Pedro, são exemplos para todos os crentes subsequentes.
Porém, o dia de Pentecostes tinha ainda um outro significado, mais inesperado. Ele foi o cumprimento não só da expectativa geral do Antigo Testamento da vinda do Espírito, mas também das promessas especiais de Jesus no Cenáculo, ditas primeiramente aos apóstolos, e cujo cumprimento haveria de capacitá-los para seu trabalho apostólico especial, de mestres inspirados e autorizados. Um dos resultados dessa capacitação aparece do NT.
O Pentecostes pode também ter um terceiro significado. É correto considerá-lo o primeiro "reavivamento", a primeira vez que o Espírito manifestou seu poder em medida tão abundante que um grupo tão grande, de 3 mil, foi, ao mesmo tempo, convencido dos seus pecados, renascido e admitido na comunidade cristã. Reavivamentos ou manifestações incomuns do poder do Espírito Santo como esse continuaram existindo na história da igreja cristã de tempos em tempos.
Normativa nesse texto foi a experiência prometida especificamente na conclusão de Pedro, dirigida a todos a quem Deus chama e que respondem com fé penitente, a saber, que eles receberiam o perdão e o Espírito Santo. Esses dois dons foram e ainda são dados e recebidos ao mesmo tempo. Não há intervalo entre eles, como houve no caso dos 120 discípulos iniciais (por causa da razão histórica excepcional).
Alguns poderão levantar imediatamente a objeção de que os 120 não foram os únicos, já que a experiência de alguns crentes samaritanos e de alguns discípulos de João Batista, registradas mais adiante em Atos (8.5-17 e 19.1-7), também ocorreu em duas etapas. Mais adiante veremos essas passagens. Antes disso, é preciso repetir que a doutrina do Espírito Santo não pode ser deduzida de passagens puramente descritivas em Atos. É impossível construir uma doutrina consistente a partir delas, porque elas não formam um padrão consistente. Não se pode nem deduzir uma doutrina do Espírito Santo a partir da descrição do dia de Pentecostes; é preciso fazer as devidas deduções a partir das interpretações do evento que Pedro faz em seu sermão.
Além disso, um dos princípios fundamentais da interpretação da Bíblia é começar com o geral, nunca com o particular. A pergunta crucial a fazer é: qual é o ensino geral dos autores do Novo Testamento sobre o recebimento do Espírito Santo? Depois estaremos em condições de analisar, à luz desse ensino geral, os dois desvios aparentes dessa norma e as passagens narrativas de Atos.
Então, o que os apóstolos ensinaram a respeito de quando e como uma pessoa recebe o Espírito? Podemos dar uma resposta clara a essa pergunta. Já vimos o que Pedro ensinou. Verificamos que Paulo ensinou consistentemente a mesma coisa. Ele insistiu em que nós "recebemos o Espírito" não como resultado de boas obras de obediência, que possamos ter feito, mas "pela pregação da fé" (Gl 3.2), ou seja, porque “ouvimos e cremos nas boas-notícias do evangelho” (BLH). Ele diz isso de maneira mais simples ainda: "... a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido" (Gl 3.14). O contexto deixa claro que essa “fé" não é um segundo ato de fé, depois da conversão, mas a fé salvadora, a fé que responde ao evangelho e recebe a Cristo.
Os crentes samaritanos
Depois de entendermos esse ensino geral e claro de Jesus e seus apóstolos, de que o dom ou batismo do Espírito Santo é uma bênção universal, um bem comum a todos os filhos de Deus, estamos prontos para ir às duas passagens de Atos onde encontramos pessoas que parece haver-se tornado crentes sem ter recebido o Espírito Santo. Se as estudarmos com cuidado, perceberemos que há nas duas situações algo incomum.
A primeira passagem é Atos 8.5-8, 14-17. O evangelista Filipe pregou o evangelho em Samaria, e muitos creram e foram batizados. Dificilmente pode haver dúvidas de que eles eram cristãos genuínos. A única exceção pode ser o mago Simão, de quem se diz que "abraçou a fé" (v. 13), mas cuja integridade mais tarde parece ter-se provado ilegítima (v. 20-23).
O primeiro sinal de que há algo de incomum nesse incidente é que, "ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João" (v. 14). Por quê? Não há evidências de que em outras ocasiões o trabalho evangelístico teve de ser inspecionado ou interditado por dois apóstolos. No fim do mesmo capítulo, por exemplo (v. 26-40), o mesmo Filipe pregou o evangelho a um funcionário público etíope e o batizou quando este creu. Todavia, não foi enviado nenhum apóstolo para investigar ou impor-lhe as mãos. Então, que explicação há para esse procedimento excepcional de uma delegação apostólica?
A resposta mais provável não é que essa foi a primeira vez que o evangelho tinha sido pregado fora de Jerusalém (v. 1,4), mas que esses convertidos eram samaritanos. Certamente está nisso a importância da história no relato de Atos sobre o desenrolar da missão cristã. Lucas está descrevendo como a ordem pré-pentecostal de Jesus está se cumprindo: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (1.8).
A decisão de Filipe de proclamar Cristo aos samaritanos (8.5) foi uma atitude muito corajosa. Durante séculos houve uma rivalidade ferrenha entre judeus e samaritanos, e ainda havia na época de Jesus. "Os judeus não se davam com os samaritanos" (Jo 4.9). Agora um judeu tinha pregado a samaritanos e, ainda por cima, samaritanos tinham aceitado a mensagem do judeu! O que iria acontecer? O momento era empolgante, e também perigoso. Será que Filipe estivera certo em dar esse passo? Será que os samaritanos realmente poderiam ter abraçado o evangelho?
E o que era ainda mais importante, será que os crentes judeus iriam aceitá-los? Ou será que a velha divisão entre judeus e samaritanos continuaria existindo na igreja, causando uma separação desastrosa entre cristãos judeus e cristãos samaritanos? Talvez seja possível supor que foi precisamente para evitar o surgimento de uma situação dessas que Deus reteve intencionalmente o dom do Espírito dos crentes samaritanos (ou, pelo menos, a evidência externa do dom), até que dois dos principais apóstolos viessem investigar, reconhecer e confirmar, com imposição de mãos, a veracidade da conversão dos samaritanos.
Sendo o incidente de Samaria tão circunstancial, é difícil entender por que a maioria dos cristãos renovados e alguns carismáticos podem considerá-lo como uma norma da experiência espiritual de hoje, ou seja, que o Espírito Santo é concedido depois da conversão. Da mesma forma, é difícil justificar o ponto de vista "católico" de que o Espírito é transmitido somente com a imposição de mãos apostólicas (que, para eles, são as mãos de bispos considerados integrantes da cadeia "de sucessão apostólica").
Será que não está claro no restante no Novo Testamento que tanto a ocasião como os meios do dom aos samaritanos foram atípicos? Nesse caso, nem a experiência em dois estágios nem a imposição de mãos é a norma para receber o Espírito nos dias de hoje.
Alguns carismáticos aceitam esse argumento sobre a norma, mas voltam com uma contraproposta. Considerando que a experiência dos samaritanos foi anormal, dizem eles, será que essa anormalidade não poderia ser repetida hoje? Creio que nossa resposta a essa pergunta será determinada por nossa compreensão das razões para a peculiaridade de Samaria. Se pudesse ser provado que o fato de eles não terem recebido logo o Espírito foi devido à sua má compreensão do evangelho, ou à sua resposta insatisfatória, então talvez alguém pudesse argumentar que uma resposta insatisfatória ao evangelho hoje poderia resultar em um início igualmente falho.
Porém, isso não parece ter ocorrido. Pelo menos não há nada no relato de Lucas que sugira que Filipe não ensinou de forma correta, ou que os samaritanos não creram de modo próprio, de maneira que os apóstolos tiveram de complementar o ensino de Filipe ou aperfeiçoar a compreensão dos samaritanos. Pelo contrário, o que levou os apóstolos até Samaria foi exatamente a notícia de que essas pessoas "tinham recebido a palavra de Deus" (v. 14). Não parece ter havido nada falho na palavra de Deus que eles ouviram nem na resposta que lhe deram.
Em vez disso, como foi dito, a razão pela qual o Espírito não lhes foi dado parece estar na situação histórica. E, já que essa situação histórica foi única, e não pode ser repetida (o cisma judaico-samaritano foi superado há muito pela missão cristã universal), não consigo ver como a maneira específica pela qual os samaritanos receberam o Espírito pode ser encarada hoje como um precedente normativo.
Os discípulos em Éfeso
O segundo incidente incomum está descrito em Atos 19.1-7. Paulo iniciara a terceira das suas famosas viagens missionárias e chegou em Éfeso. Ali ele encontrou uma dúzia de homens que, a julgar pela descrição que Lucas faz deles, nem pareciam ter sido cristãos. É verdade que eles são chamados de "discípulos" (v.1), mas isso não precisa significar mais do que discípulos professos, possivelmente de João Batista.
Paulo perguntou àqueles homens em Éfeso se tinham recebido o Espírito quando "creram" (v. 2). Isso mostra pelo menos que ele sabia que eles diziam ser crentes. Mas também dá a impressão de que, por alguma razão, Jesus estava questionando a suficiência da fé deles. Já vimos que Jesus é consistente em ensinar que o Espírito é concedido aos que creem. Como, então, ele poderia ter feito essa pergunta, a não ser que algo o fizesse suspeitar de que o novo nascimento deles não era real?
Os acontecimentos mostraram que sua suspeita tinha fundamento. Podemos fazer as seguintes constatações:
1) Em resposta à sua pergunta se eles tinham recebido o Espírito, não disseram um simples "sim" ou "não", nem mesmo um "não sei" admirado, mas "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (v. 2);
2) Então Paulo imediatamente perguntou-lhes sobre seu batismo (v. 3), porque o batismo na água é em nome da Trindade (Mt 28.19); ele dramatiza, representa o batismo no Espírito. Seu raciocínio era simples: como poderia ter-lhes sido ministrado o batismo cristão, se eles nunca tinham ouvido falar no Espírito Santo?
3) O batismo que eles tinham recebido era o de João Batista, provavelmente em resposta ao ensino incompleto de Apolo que havia visitado Éfeso recentemente (18.24-26). Então, o que Paulo fez? Ele não procedeu a algum ensino mais elevado ou completo; ele voltou completamente ao princípio, à essência do evangelho. Ele lhes explicou que aquele que viria, em quem João Batista dissera que cressem, na verdade era Jesus (v. 4); 4) Depois, Paulo os batizou "no nome do Senhor Jesus" (v. 5) e lhes impôs as mãos; como consequência, "veio sobre eles o Espírito Santo", acompanhado de sinais (línguas e profecia), como evidência visível e audível (v. 6).
Atualmente, alguns mestres usam essa história para basear seu ponto de vista de que o dom ou batismo do Espírito é uma segunda experiência, subsequente, depois da conversão. Entretanto, a história na verdade não pode ser usada nesse sentido. Naturalmente não estou negando que esses homens receberam o Espírito quando Paulo os batizou e lhes impôs as mãos. A pergunta é: será que eles eram cristãos antes disso? Vimos que, em certo sentido, eles diziam ser "discípulos". Mas quem afirmaria seriamente que pessoas que nunca ouviram falar do Espírito Santo, nem foram batizadas no nome de Jesus, nem mesmo aparentemente criam em Jesus, são discípulos cristãos verdadeiros? Se eles eram discípulos de alguém, então o eram de Apolo e João Batista.
Outros expositores chamam a atenção para a sequência de eventos: fé em Jesus, batismo em nome de Jesus, imposição de mãos por Paulo, vinda do Espírito Santo. Esses enfatizam que o Espírito veio sobre os efésios, não só depois de terem crido, mas também depois de terem sido batizados e recebido a imposição de mãos. Realmente foi assim; mas a ordem tem muita importância. O que realmente importa é que todos os quatro elementos estão unidos e não podem ser separados. Eles eram partes distintas de uma única iniciação em Cristo, feita com batismo e imposição de mãos (exteriormente), e com a fé e o dom do Espírito (interiormente).
A terminologia do batismo
O que vimos até aqui, e que não pode ser diminuído pelos casos excepcionais de Atos 8 e 19, é que o dom do Espírito Santo é uma experiência cristã universal, por ser uma experiência cristã inicial. Todos os cristãos recebem o Espírito no momento em que começam as suas vidas cristãs.
Essa verdade também é confirmada pelo uso da expressão "batismo do Espírito" no NT como equivalente a "dom do Espírito"; ou, antes, o verbo (já que a expressão sempre é verbal) "batizar" ou "ser batizado" com o Espírito Santo. O próprio conceito de "batismo" é de iniciação. O batismo na água é o ritual público da iniciação em Cristo. Ele representa visivelmente tanto o lavar dos pecados (At 22.16) quanto à concessão do Espírito. Veja Atos 2.38, onde os dois aspectos da salvação são relacionados com o batismo. O batismo é o símbolo de que o batismo do Espírito é a realidade.
Deve ter sido por isso que a reação imediata de Pedro, quando Cornélio foi batizado com o Espírito, foi dizer: "Porventura pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo?" (At 10.47, 11.16). Se eles tinham recebido a realidade, quem poderia recusar-lhes o sinal? Isso também explica a segunda pergunta aos "discípulos" em Éfeso. Quando esses lhe disseram que nunca tinham ouvido falar do Espírito Santo, Paulo imediatamente lhes perguntou em que tinham sido batizados. Os dois apóstolos ligaram claramente os dois batismos.
Além disso, não pode haver dúvida de que o batismo com o Espírito recebido por Cornélio foi sua iniciação em Cristo, sua conversão. Um anjo de Deus havia-lhe dito que mandasse chamar Simão Pedro, que lhe anunciaria uma mensagem através da qual ele e sua casa seriam "salvos" (At 11.14). Pedro pregou-lhe o evangelho, terminando com a promessa do perdão dos pecados pelo nome de Jesus (10.43). Depois que Cornélio e os de sua casa creram (15.7) e foram batizados, tanto com o Espírito como com água, é dito que eles "receberam a palavra de Deus" (11.1), enquanto (em duas passagens significativas) afirma-se que Deus lhes "concedeu o arrependimento para vida" (11.18) e "purificou-lhes pela fé os corações" (15.9).
Esse conceito da natureza inicial do dom do Espírito, como é indicado pelo termo "batismo" e ilustrado pela conversão de Cornélio, está completamente em sintonia com o ensino geral dos apóstolos, como já vimos. Estar "no Espírito" (o que, na maneira de Paulo se expressar, é a mesma coisa que estar "em Cristo"), viver no Espírito, ter o Espírito de Cristo, ser guiado pelo Espírito são todas descrições que se aplicam a qualquer cristão, por mais novo na fé que ele possa ser, verdadeiramente desde o primeiro momento da sua nova vida (Rm 8.9; Gl 5.25; Rm 8.14). Os escritores do Novo Testamento sempre pressupõem que Deus "deu" seu Espírito Santo aos seus leitores (p. ex. Rm 5.5;1 Ts 4.8; 1Jo 3.24; 4.13); não existe uma única passagem na qual eles os exortam a recebê-lo.
Portanto, as evidências do NT em geral, do sermão de Pedro em Atos 2 e do ensino de Paulo, indicam que o "batismo" do Espírito é idêntico ao "dom" do Espírito, que é uma das bênçãos específicas da nova aliança. Também é uma bênção universal para os membros da aliança, por ser uma bênção inicial. Ela é uma parte e um quinhão da nova época. O Senhor Jesus, mediador da nova aliança e fiador das suas bênçãos, concede o perdão dos pecados e o dom do Espírito a todos os que fazem essa aliança. O batismo de água, por sua vez, é o símbolo e o selo do batismo com o Espírito, assim como o é do perdão dos pecados. O batismo de água é o ritual cristão de iniciação porque o batismo com o Espírito é a experiência cristã de iniciação. Assim, pois, sejam quais forem as experiências posteriores à conversão, "batismo com o Espírito" não pode ser expressão correta para elas.
O objetivo de Deus é que todas as pessoas recebam as bênçãos da nova aliança, como o perdão dos pecados e o dom do Espírito, e depois passem pelo batismo de água, como símbolo e selo dessas bênçãos. Depois, elas devem continuar sendo cheias do Espírito, manifestando essa plenitude com santidade de vida e ousadia de testemunho. A carta aos Hebreus descreve todos os cristãos como "participantes do Espírito Santo", que "provaram [...] os poderes do mundo vindouro" (6.4-5). Toda a vida cristã, de acordo com o NT, é vida no Espírito que vem após o nascimento no Espírito.
Além disso, a ênfase indiscutível das cartas no NT não é impor aos leitores cristãos alguma bênção totalmente nova e diferente, mas sim lembrar-nos do que somos pela graça, conscientizar-nos disso e incentivar-nos a viver nessa fé. Esse é um fato muito importante, que não é entendido suficientemente. Parece que o horizonte de alguns cristãos está limitado a uma segunda experiência, subsequente, que chamam de "batismo no Espírito". Ao conversar com eles, se eles creem que você já o experimentou, esse é o seu ponto de referência no passado, e o principal elo entre vocês. Se, por outro lado, eles creem que você ainda não o experimentou, então é isso que eles lhe desejam, e é o único ponto de referência no futuro.
Então, quer estejam olhando para o passado, quer para o futuro, é o "batismo do Espírito", como segunda experiência, que preenche o seu horizonte. Todavia, o que eu tenho a dizer, realmente sem nenhum receio de ser contrariado, é que essa nunca foi a perspectiva dos escritores do NT. Esses, quando olham para o passado, estão relembrando o grande feito de Deus quando ele nos pôs em Cristo, nos justificou, redimiu, regenerou e recriou. É para isso que eles apelam constantemente. E quando olham para o futuro, estão apontando para o crescimento em maturidade dos seus leitores e, adiante disso, para a perfeição que espera o surgimento glorioso do Salvador.
Quando o apóstolo João trata, em sua primeira carta, da necessidade de santidade, com que ele a relaciona? Não com um "batismo do Espírito" especial, que seus leitores devem ter tido ou deveriam ter, mas com o fato de serem nascidos de Deus e de terem obrigação de permanecer em Cristo. "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; [...] não pode viver pecando, porque é nascido de Deus" (1Jo 3.9). E: "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado" (5.18).
Qual é a outra expectativa dos apóstolos? Eles esperam de nós uma conduta ética, muitas vezes bastante detalhada. Eles apelam para que vivamos na realidade concreta da vida diária, o que Deus já fez por nós em Cristo. Eles nos ordenam que cresçamos na fé, no amor, no conhecimento e na santidade. Eles nos advertem do julgamento e nos desafiam com a esperança da volta do Senhor. Enquanto isso, eles nos pedem que não entristeçamos o Espírito, mas que andemos no Espírito e que continuemos sendo cheios do Espírito. Porém nunca, nenhuma vez, eles nos exortam e instruem a "sermos batizados com o Espírito". Só pode haver uma única explicação para isso: eles estão escrevendo para cristãos, e os cristãos já foram batizados com o Espírito Santo.
Não se trata de um simples debate sobre palavras, mas sobre doutrina. A verdade fundamental destacada é que, unindo-nos a Cristo, Deus nos deu tudo. Pela indescritível graça de Deus, já fomos "abençoados com toda sorte de bênção espiritual [...] em Cristo" (Ef 1.3), e é nossa responsabilidade nos apropriarmos constante e progressivamente dessas bênçãos, que já são nossas em Cristo.
De maneira semelhante, já que em Cristo "habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9), nós "recebemos a vida completa, em união com ele" (2.10, BLH). Se Deus nos deu o Senhor Jesus Cristo em sua plenitude, e se Cristo já mora em nós através do seu Espírito, o que mais Deus poderia acrescentar? A própria sugestão de que ainda há um dom adicional a receber não deprecia a plenitude e a suficiência de Jesus? Crescer em Cristo, sim! Acréscimos além de Cristo, jamais!
Nascemos de Deus, somos seus filhos e herdeiros, morremos e ressuscitamos com Cristo; nossos corpos são o templo do Espírito Santo (1Co 6.19), e essa presença do Espírito em nós é a garantia, na verdade até uma antecipação da nossa herança eterna no céu. Portanto, os escritores do Novo Testamento não se cansam de nos lembrar dos nossos privilégios em Cristo, exortando-nos a levar uma vida que seja válida e apropriada. Somos incentivados a ser o que deveríamos ser (puros como ele é puro) por causa do que já somos em Cristo (filhos de Deus) e por causa do que seremos quando ele voltar (como ele).
Assista o Sermão completo no Youtube:
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