top of page
Foto do escritorChristian Lo Iacono

Sabedoria de Deus: OCULTA E REVELADA - Série Coríntios (Parte III)

No entanto, transmitimos sabedoria entre os que são maduros. Não, porém, a sabedoria deste mundo, nem a dos poderosos desta época, que são reduzidos a nada.

Pelo contrário, transmitimos a sabedoria de Deus em mistério, a sabedoria que estava oculta e que Deus predeterminou desde a eternidade para a nossa glória.

Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu essa sabedoria. Porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória.



Até aqui vimos Paulo argumentar contra a sabedoria humana como um meio de se chegar a Deus, “sabedoria” essa que desprezava o próprio apóstolo. Ora, Paulo já tinha escrito que Deus agiu com uma sabedoria própria (1.21) e, fazendo assim, Ele fez com que Cristo se tornasse “sabedoria” para nós (1.30). Ou seja, Paulo acaba transformando a palavra “sabedoria” de um sentido filosófico e retórico para um sentido salvífico e histórico (1.24, 30). Agora, retomando o argumento dos versículos 4 e 5, Paulo reafirma que o evangelho demonstra, de fato, a sabedoria de Deus! Porém, essa verdade não pode ser percebida por aqueles que buscam a sabedoria pela sabedoria, mas somente por aqueles que tem o Espírito!


Os coríntios, fascinados pela sabedoria e imaginando-se “espirituais”, não estão nada encantados com a mensagem de Paulo, que eles consideram apenas “leite”. Com ironia, então, Paulo contrapõe essas várias noções erradas e vanglórias infundadas. O evangelho do Messias crucificado é sabedoria, mas não aquela que alguns coríntios estão procurando. A verdadeira sabedoria é para os espirituais, para aqueles a quem Deus revelou o que foi realizado em Cristo. Assim, porque esses têm o Espírito e, portanto, a mente de Cristo, eles deveriam ver a cruz pelo que ela é de fato, a sabedoria de Deus, sendo capazes, assim, de fazer juízos verdadeiros. O resultado final – e a ironia – é que esses são espirituais, mas ainda assim “não espirituais”.


O argumento de Paulo é dividido em 3 partes. Dos versículos 6 ao 10, ele expõe a natureza da sabedoria de Deus, predestinada por Ele e ocultada da presente era. Depois (vv. 10-13), Paulo explica como os crentes vieram a conhecer esse mistério e porque outros foram deixados sem saber. E por fim (vv. 14-16), o apóstolo conclui reafirmando tudo isso ao fazer referência a pessoas “naturais” e “espirituais”, ou seja, a pessoas com ou sem o Espírito.


As pessoas desta era, que buscam a “sabedoria” e, por isso, consideram a cruz uma “loucura”, não têm o Espírito; não podem, portanto, entender a verdadeira sabedoria (v. 14) nem fazer juízos válidos (v. 15), uma atividade que, a rigor, só está disponível para os que têm o Espírito. O parágrafo conclui com uma citação de Isaías 40.13, que dá base bíblica para a incapacidade de as pessoas compreenderem, uma situação que agora se inverteu para aqueles que têm o Espírito e, portanto, a “mente de Cristo”.


Esse parágrafo já sofreu muito na igreja, tanto nas mãos de estudiosos como na pregação e leitura da Bíblia pelos crentes. Os motivos estão relacionados, em parte, com a linguagem (“sabedoria”, “mistério”, “oculta”, “poderosos deste mundo”, “profundezas de Deus”, “pessoa natural/espiritual”, “mente de Cristo”) e em parte com os vários contrastes feitos nesse parágrafo e no argumento que começa em seguida (1Co 3.1-4). Assim, o parágrafo tem sido alternadamente visto como um exemplo de Paulo, em última instância, fazendo o jogo dos coríntios – ou seja, de defender de fato que aqueles que são verdadeiramente “espirituais” têm uma sabedoria “mais profunda” e que, dessa forma, ele estabelece duas classes dentro da igreja – uma “espiritual” e madura; a outra, “natural” (ou mundana) e imatura (ou bebês).


Mas essa visão contraria não apenas o argumento como um todo, mas também a teologia de Paulo como um todo. Paulo não está reconstruindo o que acabou de demolir (Deus teria uma verdade profunda a revelar a alguns crentes “espirituais”?), mas está remodelando a compreensão que eles têm do Espírito e da “espiritualidade”, dizendo que tudo se baseia no novo mundo “invertido” de Deus, onde a sabedoria de Deus se manifesta no sacrifício de um Messias crucificado como remédio divino para a condição decaída do ser humano.


Embora seja verdade que boa parte da linguagem desse parágrafo não seja comum em Paulo, a explicação para isso é que o apóstolo usa a linguagem dos coríntios, mas atribuindo-lhe conteúdo próprio e, dessa maneira, refutando-os. Para Paulo, assim como para os coríntios, o Espírito é a chave de tudo. Para ele, o Espírito é uma realidade escatológica, assinalando uma mudança de era. Isso é importante pra percebermos os vários contrastes na passagem. Por um lado, aqueles que ainda são desta era, aqueles que não receberam o Espírito, não compreendem a sabedoria de Deus no Cristo crucificado; mas a sabedoria deles está debaixo do juízo divino e já está de partida. Por outro lado, os que têm o Espírito têm a mente de Cristo e, desse modo, compreendem a atividade de Deus revelada a eles pelo Espírito.


É por isso que Paulo censura seus amigos de Corinto. Eles têm o Espírito, mas a presente conduta e atitude deles diante da sabedoria os denunciam. Paulo os inclui entre os “espirituais” (vv. 7-13); mais tarde, porém, dirige-se a eles como “carnais” e “apenas humanos”, porque as brigas deles mostram que estão agindo da mesma forma que aqueles que não têm o Espírito (3.1-4). O contraste real é, portanto, entre o crente e o descrente, entre os que têm e os que não têm o Espírito. O tempo todo, a preocupação de Paulo é fazer os coríntios entenderem quem eles são – em relação à cruz – e pararem de agir como pessoas que não são do Espírito.


v. 6.

“No entanto” é usado por Paulo aqui para recuperar o contexto e afirmar que ele pregava a “sabedoria”, mas a de Deus: o Cristo crucificado (v. 8). Paulo não quer ser mal interpretado. A sabedoria que fascinava os coríntios não era nada. O apóstolo então vai explicar a natureza da sabedoria de Deus e a fonte dela, que é o próprio Espírito, que eles imaginam conhecer tão bem.


O uso da palavra “maduros” (teleiois) aqui pode dar a entender para muitos que Paulo esteja falando de “verdades mais profundas”, que só estão à disposição de alguns crentes. Mas, na verdade, o uso dessa palavra grega indica um contraste que Paulo faz entre pessoas crescidas e bebês (3.1); ou seja, “maturidade” em si não aparece nessa ilustração. Ora, será que Paulo poderia estar ocultando algumas verdades para si em razão da imaturidade dos coríntios (3.1)? Bom, o texto não favorece essa interpretação. A passagem de 1Co 3.1, em que “crianças” é o oposto de “espirituais”, indica que os “maduros” no versículo 6 são os que receberam o Espírito (v. 12) e, portanto, prenuncia a pessoa “espiritual” mencionada no versículo 15. O argumento do parágrafo inteiro – em especial a linguagem em “para a nossa glória” (v. 7), “para aqueles que o amam” (v. 9), “revelou a nós” (v. 10) e “nós não temos recebido” (v. 12) – sugere que Paulo está se dirigindo à igreja toda e atraindo-a para aquilo que ele está dizendo. O mais provável é que a terminologia até seja dos coríntios (filosofia ou judaísmo helenísticos). Parte da sua rejeição de Paulo deve-se ao fato de que consideram que ele os está tratando como simples bebês, alimentando-os apenas com leite, enquanto eles se veem como pessoas que chegaram à maturidade (4.8). Um uso parecido e posterior na carta (14.20) sugere que a ilustração quer tratar basicamente de “bebês” e “pessoas crescidas”. Por isso, o uso parece irônico pelo menos em parte. Os que estão “em Cristo” (1.30) são os “maduros”, e, dessa maneira, os coríntios são incluídos. Mas o comportamento deles indica que são, na verdade, meros bebês. A preocupação de Paulo é persuadi-los a adotar o pensamento que está em consonância com ser “maduro” em Cristo.


A sabedoria de que Paulo está falando é chamada de “deste mundo” (1.20). Mas ele acrescenta “nem a dos poderosos desta época, que são reduzidos a nada” (v. 6). O “reduzidos a nada” é um verbo escatológico já usado (1.28) e vai indicar que não somente esta era, mas os próprios poderosos estão em processo de ser abolidos. Quem são eles? O versículo 8 parece indicar que são aqueles que deixam de reconhecer a sabedoria de Deus. Na segunda metade do século 20 houve uma tendência de interpretar “poderosos” como poderes demoníacos, que, no mínimo, estariam por detrás dos governantes terrenos. Tendo em vista o versículo 8, a palavra “poderosos” inclui pelo menos os responsáveis pela crucificação. Também deve significar os “líderes” desta era no sentido mais amplo, incluindo os vários sábios mencionados antes (1.20, 26). Aqueles a quem os coríntios dedicavam especial deferência não conheciam de fato a verdadeira sabedoria; aliás, eles mesmos estão “sendo reduzidos a nada”.


v. 7-8.

Agora Paulo explica a natureza da sabedoria divina, que tornou impossível aos sábios desta era sua compreensão. Ele também torna a falar do fracasso dos poderosos, responsáveis pela crucificação de Cristo. “Pelo contrário, transmitimos a sabedoria de Deus”, que:


1) é descrita como algo existente “em mistério”. A sabedoria de Deus não é algum ensino inacessível e dito em segredo. Conforme Paulo aborda o tema em Colossenses (1.26, 27; 2.2; 4.3) e Efésios (1.9; 3.3, 4, 9; 6.19), no singular o termo “mistério” costuma se referir a algo que anteriormente estava em Deus oculto de todos os olhos humanos, mas que agora foi revelado na história por meio de Cristo e tornado compreensível ao seu povo por meio do Espírito. É a crucificação do “Senhor da glória” (v. 8), o supremo paradoxo;


2) a sabedoria de Deus “estava oculta”: indica que essa sabedoria esteve oculta (pretérito perfeito) em Deus desde a eternidade até esse momento, quando estava pronta para ser revelada. O versículo 8 sugere ainda mais que o mistério de Deus continua oculto dos poderosos, os representantes dos sábios desta era;


3) a sabedoria de Deus foi destinada por Deus para a nossa glória desde a eternidade. Essa frase começa a esclarecer tanto o conteúdo da “sabedoria” quanto a identidade dos “maduros” (v. 6). “Predeterminou” quer dizer “decidiu previamente”. Assim como na saudação da carta (1.1), o chamado de Deus é a expressão da vontade prévia de Deus, que nesse caso é acentuada ainda mais pela expressão “desde a eternidade”. O que Deus determinou desde a eternidade foi executado na era presente, que está chegando ao fim, enquanto a era gloriosa e final alvorece e aguarda consumação – “para a nossa glória”. O que foi predestinado é a sabedoria de Deus; o contexto mais amplo indica que Paulo tem em vista a atividade graciosa de Deus em Cristo, na qual, por meio da crucificação, ele determinou salvação eterna para seu povo – incluindo especialmente os crentes de Corinto. Assim como Deus escolheu os loucos e fracos para a salvação e, dessa forma, envergonhou os sábios e poderosos, que estão sendo reduzidos a nada (1.26-30), assim agora Paulo repete que Deus predeterminou seu povo para a glória (não para a vergonha) e agiu assim em contraste com os governantes desta era, que estão “sendo reduzidos a nada”. “Para a nossa glória” é linguagem escatológica, referindo-se ao objetivo final da salvação, a saber, que o povo de Deus deverá participar da glória do próprio Deus. Por isso, nesse contexto, o Crucificado também é chamado de “o Senhor da glória”.


4) a sabedoria de Deus é algo que nenhum dos “poderosos” desta era compreendeu. A razão é que ela estava oculta em Deus e só podia ser entendida mediante uma revelação que viesse por meio do Espírito (v. 10). O contraste entre nós (v. 7) e eles (v. 8) é evidente. Paulo confirma a participação dos poderosos no acontecimento histórico, o que demonstra tanto a ignorância deles sobre os caminhos de Deus quanto os envolve na execução do plano divino. O que eles não compreenderam foi a natureza da verdadeira sabedoria, a de Deus (1.18-2.5), que se opõe à compreensão humana. E por serem ignorantes, fizeram aquilo que a sabedoria humana exigia: crucificaram aquele que, para eles, era mais um impostor messiânico. Por isso, a ironia divina: aqueles mesmos que estava tentando se livrar de Jesus, crucificando-o, estavam na realidade executando a vontade prévia de Deus – “predeterminou desde a eternidade para a nossa glória”. Em vez de crucificar um impostor messiânico, matam o próprio “Senhor da glória”, justamente aquele que, na condição de Senhor de todas as eras, é, portanto, o Senhor da glória final, que está destinada tanto a Ele quanto ao seu povo. É claro que a ironia paulina é que, na busca da sophia, os coríntios estão buscando aquilo que pertence a esta era, a qual está acabando e cujos governantes foram implicados na ironia divina.




621 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page