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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Sendo cheio do Espírito| Série: O Espírito Santo na Igreja -Parte V

Atualizado: 10 de abr.

¹⁸ E não se embriaguem com vinho, pois isso leva à devassidão, mas deixem-se encher do Espírito,

¹⁹ falando entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando com o coração ao Senhor,

²⁰ dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.

²¹ Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo.


Efésios 5:18-21


No sermão passado nós vimos as evidências da plenitude do Espírito no texto de Efésios 5.18-21, texto que também nos comanda a ter uma vida cheia do Espírito. Falamos que a principal evidência do Espírito em nós é moral, e reside no fruto do Espírito, e não nos dons do Espírito. Os coríntios, que tinham sido batizados com o Espírito e haviam sido ricamente dotados dos seus dons, provaram ser cristãos "não espirituais", porque lhes faltava a qualidade moral do amor (1Co 3.1-4). O amor é o poderoso elo entre o fruto e os dons do Espírito.

 

Vimos também que a ordem de ser cheio do Espírito é contrastada com a outra ordem de não se embriagar. Paulo escreve que a embriaguez envolve uma perda de controle, e por isso deve ser evitada. Em Gálatas 5.23, porém, vemos que parte do fruto do Espírito é domínio próprio! Assim, as consequências da plenitude do Espírito, que o apóstolo passa a descrever, devem se manifestar em um relacionamento inteligente, controlado e saudável com Deus e com as outras pessoas.

 

Portanto, a plenitude do Espírito não é tanto uma experiência mística particular, quanto um relacionamento moral com Deus e as pessoas ao nosso redor. A primeira evidência de ser cheio do Espírito é falarmos uns aos outros. Por mais profunda e íntima que nossa comunhão com Deus possa parecer, não podemos dizer que estamos cheios do Espírito se, porventura, não conseguimos falar com algum irmão. O primeiro sinal da plenitude é a comunhão. A verdadeira comunhão se expressa no culto conjunto.

 

Paulo também nos orienta a dar "sempre graças por tudo". Muitos cristãos dão graças às vezes, por algumas coisas; crentes cheios do Espírito agradecem sempre, por todas as coisas. Não existe hora nem circunstância pelas quais eles não agradecem.

 

Por fim, o apóstolo continua mostrando que a submissão é a obrigação específica de uma esposa diante de seu marido, de filhos diante de seus pais e de empregados diante de seus empregadores, mas ele começa dizendo que ela é a obrigação geral de todos os cristãos uns diante dos outros (o que inclui maridos, pais e empregadores). A submissão humilde é uma parte tão importante do comportamento cristão que o verbo aparece 32 vezes no Novo Testamento. A marca registrada no cristão cheio do Espírito não é a autoafirmação, mas a submissão voluntária.

 

É verdade que, às vezes, quando um princípio teológico ou moral fundamental está em jogo, não podemos ceder. Paulo deu um exemplo destacado dessa necessidade de firmeza quando se opôs a Pedro, numa confrontação direta e pública, em Antioquia (Gl 2.11-14). Porém, precisamos sempre tomar cuidado para que nossa firmeza aparente, em um princípio, não seja uma exibição desagradável de orgulho. É sábio desconfiar de nossa indignação “justa”; geralmente há nela mais que alguns traços de vaidade injusta. O teste está nas últimas palavras da frase: "No temor de Cristo". Nossa obrigação primordial é submissão reverente e humilde ao Senhor Jesus. Devemos nos submeter aos outros somente até ao ponto exato em que nossa submissão a eles não implicar em deslealdade a Cristo.

 

Esses são os resultados da plenitude do Espírito. As duas principais áreas em que essa plenitude se manifesta, segundo Paulo, são culto e comunhão. Se estivermos cheios do Espírito, estaremos louvando a Cristo e agradecendo a nosso Pai, e estaremos falando e submetendo-nos uns aos outros. O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto com Deus e as pessoas. Devemos procurar a principal evidência da plenitude do Espírito Santo nessas qualidades e atividades espirituais. Essa é a ênfase do apóstolo quando trata desse assunto em suas cartas aos efésios e coríntios, bem como quando especifica o "fruto do Espírito" em sua carta aos gálatas.

 

O mandamento para sermos cheios

 

Voltamos agora ao mandamento do qual dependem os quatro resultados ou evidências de que estamos cheios do Espírito, que já analisamos. Esse mandamento é: "deixem-se encher do Espírito". Preste atenção a quatro aspectos desse verbo.

 

Em primeiro lugar, ele está no modo imperativo. "Deixem-se encher" não é uma sugestão que pode ser tentada, uma recomendação branda, uma advertência educada. É uma ordem que Cristo nos dá, com toda a autoridade de um dos apóstolos que escolheu. Não temos nem um pouco mais de liberdade para escapar dessa obrigação do que temos das obrigações éticas que formam o contexto, isto é, falar a verdade, trabalhar honestamente, ser gentil e perdoar uns aos outros, ou viver em pureza e amor. A plenitude do Espírito Santo não é opcional, mas obrigatória para o cristão.

 

Em segundo lugar, ele está na forma plural. O mesmo ocorre com o verbo anterior, "não se embriaguem com vinho". Os dois imperativos de Efésios 5.18, tanto a proibição como a ordem, são escritos para toda a comunidade cristã. Eles têm aplicação universal. Nenhum de nós deve embriagar-se; todos nós devemos ser cheios do Espírito. Enfaticamente, a plenitude do Espírito Santo não é um privilégio reservado para alguns, mas um convite a todos. Assim como a exigência de sobriedade e domínio próprio, a ordem de buscar a plenitude do Espírito é dirigida a todo o povo de Deus, sem exceção.

 

Em terceiro lugar, o verbo no grego está na voz passiva: "deixem-se encher". Uma condição importante para gozar da sua plenitude é entregar-se a ele sem reservas. Mesmo assim, não devemos pensar que somos apenas agentes passivos ao recebermos a plenitude do Espírito, assim como quando alguém fica bêbado. Uma pessoa embriaga-se bebendo; ficamos cheios do Espírito também quando dele bebemos, como já vimos no ensino do nosso Senhor em João 7.37-38: “— Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.”

 

Em quarto lugar, o verbo está no tempo presente. É bem sabido que, na língua grega, se o imperativo está no aoristo, ele se refere a uma ação única; se está no presente, a uma ação contínua. Assim, quando no casamento em Caná, Jesus disse: "Enchei de água as talhas" (Jo 2.7), o imperativo aoristo mostra que ele queria que o fizessem somente uma vez. O imperativo presente "deixem-se encher do Espírito", por sua vez, não indica alguma experiência dramática ou determinante, que resolve o problema para sempre, porém uma apropriação contínua.

 

Isso é reforçado na carta aos Efésios pelo contraste entre o "selo" e a "plenitude" do Espírito. Duas vezes o apóstolo escreve que seus leitores foram "selados" com o Espírito Santo (Ef 1.13, 4.30). Os aoristos são idênticos e aplicam-se a todo crente arrependido. Deus o aceitou e colocou nele o selo do Espírito, autenticando-o, marcando-o e garantindo-o como seu. Todos os crentes são "selados", mas nem todos permanecem "cheios", porque o selo foi colocado uma vez, no passado, enquanto a plenitude é (ou deveria ser) presente e contínua.

 

Talvez aqui uma ilustração ajude a mostrar que a plenitude de Espírito não deve ser uma experiência estática, mas progressiva. Comparemos duas pessoas. Uma é um bebê, recém-nascido e pesando 3 quilos, que começou a respirar há pouco. A outra é um homem feito, com 1,80m de altura e 75 quilos de peso. Ambos são aptos e saudáveis; ambos estão respirando normalmente; pode-se dizer que os dois têm os pulmões "cheios de ar". Então, qual é a diferença entre eles? A diferença está na capacidade dos seus pulmões. Ambos estão "cheios", porém uns estão mais cheios que os outros porque sua capacidade é muito maior.

 

O mesmo vale para vida e crescimento espirituais. Quem pode negar que um recém-nascido em Cristo está cheio do Espírito? O corpo de qualquer crente é o templo do Espírito Santo (1Co 6.19); podemos dizer que o Espírito, ao entrar em seu templo, não o preenche? Um cristão maduro e piedoso, perseverando há muitos anos, também está cheio do Espírito. A diferença entre os dois está no que pode ser chamado de seus pulmões espirituais, ou seja, a medida da sua compreensão do propósito que Deus tem para eles.

 

Isso se torna evidente na primeira oração do apóstolo pelos cristãos de Éfeso: “Peço ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, que conceda a vocês espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele. Peço que ele ilumine os olhos do coração de vocês, para que saibam qual é a esperança da vocação de vocês, qual é a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos” (Ef 1.17-19).

 

Essa passagem desenvolve os estágios do crescimento espiritual. Os que "creem" experimentam a plenitude do poder de Deus. Porém primeiro precisamos "conhecer" sua grandeza, e para isso, carecemos que o Espírito Santo ilumine os olhos dos nossos corações.

 

Portanto, a sequência é esta: iluminação, conhecimento, fé, experiência. Conhecemos com a iluminação, e pela fé passamos a desfrutar o que conhecemos. Nossa experiência de fé, portanto, está amplamente condicionada pelo nosso conhecimento de coração. Além disso, quanto mais sabemos, maior se torna nossa capacidade espiritual, bem como nossa responsabilidade de usufruir, pela fé, a nossa herança. Por isso, quando alguém acaba de nascer do Espírito, sua compreensão do plano de Deus para si geralmente é muito limitada, e sua experiência é proporcionalmente limitada. Todavia, à medida que o Espírito Santo ilumina os olhos do seu coração, diante dele abrem-se horizontes com os quais antes ele dificilmente sonhara. Ele começa a ver e compreender a esperança do chamamento de Deus, as riquezas da herança de Deus e a grandiosidade do poder de Deus. Ele é desafiado a abraçar pela fé a plenitude do propósito que Deus tem para ele.

 

A tragédia é que, muitas vezes, nossa fé não acompanha o ritmo do nosso conhecimento. Nossos olhos são abertos para verem cada vez mais os aspectos maravilhosos do propósito que Deus tem conosco em Cristo, porém nos abstemos de tomar posse dele pela fé. Esse é um dos meios de perdermos a plenitude do Espírito, não necessariamente por desobediência, mas por falta de fé. Nossos pulmões se desenvolvem, mas não os usamos. Precisamos estar sempre nos arrependendo da nossa descrença e clamar a Deus para que ele aumente a nossa fé, de maneira que, à medida que nosso conhecimento cresce, nossa fé possa crescer com ele e possamos estar sempre tomando posse de maiores porções da grandeza do propósito e do poder de Deus.

 

O cristão médio

 

Até aqui, tentamos distinguir entre o batismo do Espírito (que todos recebem na conversão) e a plenitude do Espírito (da qual devemos nos apropriar de maneira continua e crescente). Também constatamos que algo importante que o Senhor e seu apóstolo Paulo ensinaram é que é necessário continuar vindo e bebendo, bem como quais são os sinais da plenitude do Espírito e o mandamento para sermos cheios.

 

Entretanto, existem objeções a essa interpretação. Elas não são tanto bíblicas quanto empíricas, nem tanto teóricas, mas práticas. Deixe-me redigi-las em duas sentenças: 1) Se todos os cristãos foram batizados com o Espírito, a maioria não parece ter sido; 2) Alguns cristãos dizem ter passado por uma outra experiência do Espírito Santo, diferente, e eles não parecem estar mentindo!

 

Primeiro falaremos do que pode ser chamado de "cristão médio" nos dias de hoje. Somos interrogados: "Alguém pode querer afirmar com convicção que foi batizado com o Espírito? Veja sua conversão e sua vida subsequente. Sua conversão não teve nada de extraordinário, de forma alguma parecida com um 'batismo do Espírito', e sua atual vida cristã mostra pouca ou nenhuma evidência de ter sido batizado." O que poderemos responder?

 

Negar que a conversão do cristão médio é ou inclui um batismo do Espírito hoje depende de uma ideia preconcebida sobre como o batismo do Espírito precisa ser necessariamente. As pessoas sempre têm em suas mentes as imagens dramáticas do dia de Pentecoste. Estão sempre à procura de vento/som, fogo e línguas estranhas. Elas se esquecem de que os sinais sobrenaturais que acompanharam a vinda do Espírito Santo, no Pentecoste, não são mais típicos de cada batismo do Espírito que os sinais que acompanharam a conversão de Saulo na estrada de Damasco. Já vimos que não é possível transformar o dom de "idiomas" ou "línguas" em evidência indispensável do batismo do Espírito. A mesma coisa vale para vento/som e fogo.

 

Não há nenhuma referência a vento/som, fogo ou línguas no fim de Atos 2, em relação aos 3 mil que receberam o Espírito. O som, fogo e as línguas em Pentecoste, assim como a luz e a voz na estrada de Damasco, eram sinais, dramáticos sim, mas exteriores e secundários; não eram parte necessária da experiência interior essencial. Que prova bíblica existe para nos fazer crer que as pessoas não podem receber o "dom" ou "batismo" do Espírito de maneira silenciosa e discreta?

 

Vamos além. Não há prova bíblica para a opinião de que a regeneração é um processo sempre consciente, isto é, que a pessoa que nasce de novo está consciente do que está acontecendo dentro dela. O próprio Jesus deu a entender o oposto quando, em sua conversa com Nicodemos, fez uma comparação entre a atuação do Espírito no novo nascimento e o vento: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3.8).

 

Podemos ver, ouvir e sentir os efeitos do vento, mas há algo de secreto e misterioso sobre o comportamento do vento em si. Os efeitos de um novo nascimento também são evidentes (mudança de vida), mas há algo de secreto e misterioso na atuação regeneradora do Espírito Santo. Naturalmente a "conversão" (a volta de um pecador para Cristo, em arrependimento e fé) geralmente é consciente, mesmo sendo uma obra do Espírito; a pessoa compreende certas coisas com sua mente e age de acordo com sua vontade. Todavia, a regeneração é a implantação de uma nova vida em uma alma morta em transgressões e pecados. Não temos maior consciência dessa infusão de vida espiritual, que é chamada de novo nascimento ou nascimento espiritual, do que temos de nosso nascimento físico. Em ambos os casos a consciência de si mesmo, de estar vivo, chega mais tarde. Por isso, se o "batismo do Espírito" é, como temos dito, outra maneira de se referir ao nascimento do Espírito, não há razão para insistir em que ele deva necessariamente ser consciente, muito menos dramático.

 

A outra parte da objeção em relação ao cristão "médio" tem a ver, não com as circunstâncias da sua conversão, mas com baixa qualidade de sua vida cristã subsequente. Pode-se afirmar que uma pessoa assim foi batizada com o Espírito? Bem, de forma alguma é possível negar ou desculpar a vida abaixo da média de muitos cristãos hoje. Muitas vezes é verdade o que se diz dos cristãos, e isso é triste. Nossa desobediência e nossa descrença privaram muitos de nós da herança completa. Ainda temos o direito a ela, porque pertencemos a Cristo, mas não temos nos apropriado dela. Somos como os israelitas, quando lhes foi dada a terra prometida, porém antes de terem se apossado dela. Precisamos nos arrepender e voltar para Deus. Sem dúvida, já fomos batizados com o Espírito, todavia continuamos a viver em um nível inferior ao que nosso batismo espiritual nos possibilita, porque não continuamos cheios do Espírito.

 

A propósito, deve ser acrescentado que essa baixa qualidade de vida cristã pode ser encontrada em todos os grupos cristãos. Tanto aqueles que dizem ter tido experiências espirituais excepcionais, quanto os demais, podem fracassar em suas responsabilidades morais, em sua honestidade, pureza e altruísmo. Da mesma forma, conheci pessoas nos dois grupos que são admiravelmente semelhantes a Cristo. A derrota e a vida empobrecida de muitos cristãos não são evidências de que eles precisam ser batizados com o Espírito (mesmo os cristãos de Corinto, orgulhosos, sem amor, briguentos e intolerantes, tinham sido batizados com o Espírito), mas sim de que precisam recuperar a plenitude do Espírito, perdida por causa de pecado ou incredulidade, tornando-se, assim, o que os cristãos de Corinto eram, ou seja, "não espirituais" ou "carnais" (1Co 3.1-3).

 

Experiências especiais

 

Passo para o segundo tipo de cristãos mencionados acima, não mais o cristão médio que (dizem) parece não ter sido batizado com o Espírito, mas os cristãos especiais que (dizem) tiveram uma experiência "pentecostal" que chamam de "batismo com o Espírito". O que podemos dizer deles e de suas experiências?

 

Aproveito para mencionar três explicações das quais não deveríamos nos esquecer. Em primeiro lugar, uma pequena parte dessas experiências, sem dúvida, são demoníacas, uma imitação horrível efetuada por Satanás, das experiências espirituais genuínas. Jesus nos advertiu sobre esse tipo de coisas, e a onda alarmante de fascinação com as coisas ocultas nos dias de hoje deveria pôr-nos em estado de alerta. Ilusões satânicas falsas não deveriam enganar os filhos de Deus. O diabo odeia tanto Cristo quanto a santidade, e não iremos ver Cristo honrado ou a santidade promovida onde o diabo controla a situação.

 

Em segundo lugar, uma grande parte dessas experiências é psicológica. É óbvio que, em certo sentido, todas as nossas experiências são psicológicas. No entanto, algumas experiências que consideramos espirituais na verdade são psicológicas, porque se originam em nossa psique humana, e não no Espírito de Deus. Isso certamente vale para parte do chamado "falar em línguas". Não posso precisar quanto. Porém, formas de "glossolalia", fala involuntária além do controle da mente consciente, são bem conhecidas em círculos hindus, muçulmanos e mórmons, bem como em algumas condições clínicas, e esse fenômeno não parece ser diferente do que alguns cristãos praticam hoje. No entanto, isso não deveria nos preocupar demais. Atribuir algo à psique humana não é a mesma coisa que atribui-lo ao diabo. O que é "psicológico" pode ser moral e espiritualmente neutro. É muito mais importante perguntar se glorifica a Cristo e promove justiça.

 

Em terceiro lugar, algumas outras experiências do nosso tempo parecem realmente ser experiências de conversão. Quando ouvimos falar de cristãos nominais, liberais ou católicos que dizem ter sido "batizados com o Espírito", muitas vezes suspeitamos que eles estão, na verdade, descrevendo o que costumava ser chamado de "experiência evangélica", isto é, a sua conversão. Nesse caso, a sua descrição do que lhes aconteceu é mais bíblica do que muitos possam pensar!

 

Tendo mencionado essas três explicações, quero agora me concentrar em experiências que não parecem ser nem demoníacas nem puramente psicológicas, e que também, evidentemente, não são experiências de conversão, porque acontecem com cristãos convertidos há muito tempo. Pelo contrário, são autênticas experiências mais profundas de Deus. Sobre essas, sem dúvida a primeira coisa que precisa ser dita é que o Espírito Santo é Deus, o Senhor. Ele é o Espírito divino, o Espírito poderoso, o Espírito livre e soberano. Não devemos querer limitar sua atuação; na verdade, mesmo se quiséssemos fazê-lo, não conseguiríamos. Devo insistir que, de acordo com o Novo Testamento, a norma de Deus é um "batismo" inicial com o Espírito, seguido por uma apropriação contínua e crescente da sua plenitude, que inclui um crescimento contínuo em santidade e em direção à maturidade cristã.

 

Apesar disso, deve ser acrescentado que, dentro desse processo de crescimento, pode haver muitas experiências mais profundas, e que, às vezes, o Espírito atua de maneira ainda mais fora do comum. Ao escrever sobre essas experiências subsequentes, quero enfatizar primeiro seu caráter variado, depois sua importância secundária e, por último, o fato de que elas são sempre incompletas.

 

Primeiro, portanto, sua variedade. Sob esse título incluo que experiências iguais ou semelhantes podem ser repetidas. Já observamos que o ensino do Novo Testamento pode ser resumido como "um batismo, mas muitos enchimentos". Um novo preenchimento pode preceder uma nova responsabilidade, e ser concedido para nos equipar para um trabalho novo e exigente. Ou ele pode seguir um período de desobediência ou sequidão, quando o pecador arrependido de repente se vê elevado a um novo plano de percepção espiritual e de vivência.

 

Todos os cristãos podem esperar experiências novas de Deus. Deus não gosta de coisas antiquadas ou estagnadas. Ele pede que cantemos um cântico novo, porque ele quer que nosso conhecimento acerca dele seja novo; ele também promete que suas misericórdias "renovam-se cada manhã" (Sl 40.3, 98.1; Lm 3.23). Às vezes, o testemunho interior do Espírito Santo, assegurando-nos que somos realmente filhos de Deus, é confirmado de maneira poderosa e maravilhosa, libertando-nos completamente de escuridão e dúvidas. Às vezes, ele inunda nosso coração como uma onda tão imponente do seu amor que quase lhe pedimos que detenha sua mão para não sermos afogados por ela.

 

Às vezes, nosso coração "arde" quando Cristo nos abre as Escrituras, e o vemos nas Escrituras como ainda não o tínhamos visto antes (Lc 24.27-32). Às vezes, experimentamos uma aceleração do nosso pulso espiritual, um bater do coração, uma intensificação do nosso amor por Deus e pelas pessoas, uma sensação penetrante de paz e bem-estar. Às vezes, na reverência digna do culto público, ou na comunhão espontânea de uma reunião numa casa, ou durante a ceia do Senhor, ou durante a oração pessoal, de repente uma realidade invisível toma conta de nós. O tempo pára. Entramos em uma nova dimensão da eternidade. Ficamos em silêncio e conhecemos que Deus é Deus. Caímos aos seus pés e o adoramos.

 

Já quando tentamos descrever o que é indescritível vimos que todos os integrantes da Trindade estão envolvidos. A experiência do cristão é experimentar Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Na verdade não existe uma "experiência do Espírito Santo", da qual Pai e Filho estão excluídos. Seja como for, o Espírito Santo é um Espírito discreto. Ele não chama, intencionalmente, a atenção para si mesmo. Ele prefere nos levar a orar "Aba, Pai!", dando, assim, testemunho do relacionamento de filhos com Deus (Rm 8.15-16; Gl 4.6). E, acima de tudo, ele glorifica a Cristo. Ele dirige os fachos poderosos dos seus holofotes para o rosto de Jesus Cristo. Não existe momento em que ele esteja mais contente do que quando o crente se concentra em Jesus Cristo. Foi no contexto da vinda do Espírito que Jesus disse: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

 

Quem ama Jesus realmente, provando seu amor com obediência, não pode imaginar recompensa maior que essa manifestação prometida do seu amado pelo Espírito. Isso traz o que Pedro chama de "alegria indizível e cheia de glória" (1Pe 1.8).

 

Essas experiências podem ser chamadas de "comuns", porque se relacionam com a certeza, o amor, a alegria, e a paz que, de acordo com a Escritura, são comuns a todos os crentes, em alguma medida. Eu ficaria surpreso se algum cristão não tivesse nenhuma noção delas. Todavia, existem outras experiências, de caráter mais "incomum", por não serem parte da experiência normal do cristão que o Novo Testamento apresenta. Pode acontecer que o Espírito Santo conceda ao crente o que concedeu ao apóstolo Paulo, "visões e revelações do Senhor", de uma maneira tal que Paulo diz ter sido "arrebatado até o terceiro céu" e ouvido "palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir" (2Co 12.14).

 

Em outras ocasiões, especialmente em tempos de reavivamento, crentes dizem ter tido experiências e visitações de Deus bastante extraordinárias. Algumas vezes, um evangelista ou pregador cristão recebe acesso maravilhoso ou poder sobrenatural ao ministério especial para o qual Deus o chamou. Provavelmente já lemos dessas experiências nas biografias de grandes homens de Deus como John Wesley e George Whitefield, Jonathan Edwards e David Brainerd, D. L. Moody e outros. Com terminologia bíblica, diríamos que esses homens foram "ungidos" com o Espírito Santo. Devemos ter cuidado em usar essa palavra, porque, em certo sentido, todos os cristãos foram "ungidos" com o Espírito Santo, ou receberam a "unção" do Espírito (2Co 1.21; 1Jo 2.20, 27).

 

Mesmo assim, a Escritura também usa esses termos para situações especiais, como quando Jesus aplicou a si mesmo as palavras de Isaías 61.1, no início do seu ministério público, dizendo: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar..." (Lc 4.18). Talvez também devamos entender nesse sentido o que aconteceu a Saulo de Tarso quando Ananias o visitou. Ele deveria ficar "cheio do Espírito Santo" (At 9. 17), para ser "testemunha" de Cristo a todas as pessoas, acerca do que vira e ouvira (22.15; veja também 26.16-18). Essa foi sua nomeação e unção como apóstolo.

 

A essa altura precisamos notar a grande variedade de tais experiências. Não tenho a intenção de duvidar ou questionar sua validade. O que preocupa é o estereótipo fixo que algumas pessoas zelosas tentam impor a todos, insistindo em um chamado "batismo do Espírito", subsequente à conversão, que deve assumir uma certa forma e ser acompanhado por certos sinais. É isso que eu me sinto obrigado a rejeitar como incompatível com a Escritura. Entretanto, não substituamos um estereótipo por outro! Tudo o que podemos dizer é que a vida cristã começa com um novo nascimento, que pode acontecer de muitas maneiras diferentes, mas sempre inclui o "dom" ou "batismo" do Espírito, e é seguido de crescimento em maturidade, um processo que pode incluir uma grande variedade de experiências mais profundas.

 

Do caráter variado dessas experiências, passo para um comentário da sua importância secundária. Elas podem ser profundamente comoventes, até empolgantes. Mas não é possível que qualquer uma delas se compare em importância com a primeira obra de graça de Deus, quando ele teve misericórdia para conosco e nos reconciliou com ele. Alguns cristãos falam com exagero das suas experiências posteriores, como se antes estivessem aprisionados e agora livres: antes tudo era aguado, agora a água se transformou em vinho. A verdade é que eles devem estar confundindo sentimentos subjetivos com realidades objetivas. Quando nos unimos a Cristo pela fé, acontece algo tão tremendo que o NT não encontra palavras adequadas para descrevê-lo.

 

É um novo nascimento, sim, mas também é uma nova criação, uma ressurreição, luz no meio das trevas, vida que sai da morte. Éramos escravos, agora somos filhos. Estávamos perdidos, agora voltamos para casa. Estávamos condenados e destinados à ira de Deus, agora fomos justificados e adotados em sua família. Que experiência posterior é possível comparar com essa em grau de importância? Ao descrevermos experiências posteriores, devemos ter cuidado em não desvalorizar nossa regeneração ou desprezar a primeira, decisiva e criadora obra do amor de Deus.

 

A terceira observação sobre as experiências subsequentes é que elas são incompletas. Algumas pessoas falam das suas próprias experiências dando a impressão de que nada lhes tinha acontecido antes, e que nada mais poderia lhes acontecer depois! Elas dão a impressão de que chegaram aonde é possível chegar. Foi essa presunção dos coríntios que Paulo descreveu com sarcasmo tão mordaz: “Vocês já têm tudo o que precisam! Já são ricos! Vocês já se tornaram reis, e nós não! Que bom que fossem reis de verdade, para que pudéssemos reinar com vocês” (1Co 4.8, BLH).

 

Eles se comportavam como se estivessem desfrutando seu pequeno milênio particular! Acontece que o mesmo Novo Testamento, que fala em termos tão contundentes do que Deus fez por nós em Cristo, insiste em nos lembrar que apenas estamos começando a entrar na posse da nossa herança. Ainda iremos passar fome e sede durante esta vida, sabendo que somente na próxima não estaremos mais famintos nem sedentos. Por essa razão encontramos no Novo Testamento, lado a lado, expressões de afirmação e de anseio, de satisfação e de insatisfação. Por um lado "alegramo-nos", por outro "gememos" (p. ex., Rm 8.23; 2Co 5.2). É verdade que a alegria é parte do fruto do Espírito, mas também existe tristeza para o cristão.

 

Alguns cristãos falam e se apresentam como se estivessem pensando que devessem trazer no rosto um sorriso permanente! Em contraste, lemos sobre o santo do Antigo Testamento, que disse: "Torrentes de água nascem dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei" (Sl 119.136), ou do próprio Senhor Jesus, que chorou porque a cidade de Jerusalém não queria se arrepender (Lc 19.41), ou do apóstolo Paulo que, em certas ocasiões, pôde escrever somente "chorando" (p. ex., Fp 3.18). Às vezes, desejaria poder ver mais lágrimas de cristãos hoje; que existissem mais cristãos sensíveis, profundamente perturbados com a contínua pecaminosidade do mundo, da igreja e do próprio coração, e chorando por isso. Somente na consumação Deus irá enxugar todas as lágrimas dos nossos olhos (Ap 21.4).

 

Uma exortação

 

Para concluir, tomo a liberdade de pronunciar uma exortação prática e pessoal – primeiro aos que não dizem ter tido manifestações excepcionais do Espírito Santo; depois aos que dizem que as tiveram e, por último, a todos nós, quaisquer que tenham sido as nossas experiências.

 

Primeiro gostaria de me dirigir àqueles que, apesar de poderem ter tido muitas experiências profundas do tipo mais "comum", talvez não tenham vivido qualquer experiência mais incomum com o Espírito Santo. Para nós seria fácil, por causa de medo, orgulho ou inveja, questionar ou mesmo negar a validade de experiências que outros dizem ter. Porém, seria um erro agir assim, somente porque outros dizem ter tido essas experiências e nós não as tivemos. Sem dúvida devemos "julgar todas as coisas" e, especialmente, "provar os espíritos" (1Ts 5.21; 1Jo 4.1). Também podemos achar sábio abster-nos de julgar, em alguns casos.

 

Ao mesmo tempo, desde que na experiência não haja nada contrário à Escritura, e desde que os frutos da experiência pareçam ser benéficos para o crente e edificantes para a igreja, humildemente devemos estar dispostos a reconhecer a atuação incomum do Espírito Santo em outras pessoas e, pelo menos, dizer como Gamaliel: "Dai de mão a estes homens, deixai-os ir; porque se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus!" (At 5.38, 39).

 

Todos nós, nestes dias em que o Espírito Santo parece estar ativo, precisamos ser sensíveis ao que ele pode estar dizendo e fazendo entre nós. Temos de tomar muito cuidado para não blasfemarmos contra o Espírito Santo, atribuindo sua obra ao diabo, e também para não entristecer o Espírito, tentando enquadrá-lo em nossos próprios padrões tradicionais e seguros. Por outro lado, também não devemos apresentar um descontentamento pecaminoso com sua atuação mais normal e comum em nós. Experiências fora do comum não são necessárias para a maturidade cristã. Devemos nos alegrar no que conhecemos do Espírito Santo como mestre e testemunha, e no amor, na alegria, na paz e no poder que ele nos conferiu.

 

Em segundo lugar, quero dirigir uma palavra aos que receberam uma visitação incomum do Espírito. Sem dúvida, vocês estão agradecendo a Deus pela grandiosa graça que ele lhes concedeu. Entretanto, lembrem-se que o Espírito Santo é um Espírito soberano. Ele distribui os diferentes dons espirituais "como lhe apraz" (1Co 12.11) e, da mesma forma, exerce seu ministério incomum também de acordo com sua vontade. É compreensível que você queira dar testemunho do que Deus fez por você. Mas não procure estereotipar a experiência espiritual de todos ou, mesmo, imaginar que o Espírito Santo necessariamente pretende dar aos outros o que deu a você. São as graças espirituais que devem ser comuns a todos os cristãos, não os dons ou as experiências espirituais. Em outras palavras, deixe que sua experiência leve você a louvar e adorar; mas faça com que sua exortação aos outros seja baseada, não em suas experiências, mas na Escritura.

 

Para ser mais específico, não exija dos outros um "batismo do Espírito" como uma segunda experiência subsequente, totalmente distinta da conversão, porque isso não pode ser provado na Escritura. Em vez disso, por favor, insista em que todos tenhamos o que a Escritura espera de nós, realmente: que não entristeçamos ou apaguemos o Espírito Santo (Ef 4.30; 1Ts 5.19), mas que andemos no Espírito e sejamos preenchidos pelo Espírito (Gl 5.16; Ef 5.18).

 

Por último, quero fazer uma exortação a todos nós, seja qual for nossa condição espiritual. Busquemos constantemente ser cheios do Espírito, ser guiados pelo Espírito, andar no Espírito. Será que não podemos concordar nisso com alegria, de maneira que não haja divisões entre nós? Além disso podemos concordar que a principal condição para receber a plenitude é estar com fome. A Escritura diz que Deus enche a boca dos famintos com coisas boas e despede os ricos vazios. Ele diz: "Abram bem a boca, e eu a encherei" (Sl 81.10).

 

Isso não quer dizer que nesta vida haverá um momento em que estaremos tão cheios que não teremos mais fome. É claro que Deus, em Cristo, através do Espírito, satisfaz nossa fome e mata nossa sede; mas, afinal, está escrito que somente na outra vida "jamais terão fome, nunca mais terão sede" (Ap 7.16). Nesta vida nossa fome é satisfeita somente para se manifestar de novo. Jesus disse: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça" (Mt 5.6), deixando implícito que ter fome e sede de justiça é tanto um estado permanente do cristão quanto ser "pobre de espírito", "manso" ou "misericordioso".

 

Portanto, nem os que tiveram experiências incomuns, nem os que não as tiveram, devem crer que já "chegaram lá", e que Deus não pode enchê-los ainda mais de si mesmo. Todos nós precisamos ouvir e atender o convite gracioso de Jesus: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba". Precisamos aprender a continuar indo a Jesus e continuar bebendo.


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