top of page
Foto do escritorChristian Lo Iacono

Sermão do Monte - Parte II

— Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.

— Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.

— Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.



Na semana passada, vimos que a pobreza de espírito é o reconhecimento de nossa falência espiritual. É a confissão consciente da própria indignidade diante de Deus. Portanto, é a mais profunda forma de arrependimento. Trata-se de uma confissão de que somos pecadores e rebeldes e totalmente destituídos de virtudes morais que nos recomendem diante de Deus. A pobreza de espírito não pode ser induzida artificialmente pelo autodesprezo. Menos ainda ela tem em comum com a ostentação de humildade. Tampouco os de espírito arrogante, que cobiçam as qualidades da pobreza de espírito, conseguem imitá-la com êxito.


Assim, já no início do Sermão do Monte, descobrimos que não temos os recursos espirituais para pôr em prática nenhum dos seus preceitos. Não podemos atingir os padrões de Deus por nós mesmos. Temos de nos apresentar diante de Deus e reconhecer nossa falência espiritual, esvaziando-nos de nosso senso de justiça própria, autoestima moral e vanglória pessoal. Uma vez esvaziados disso tudo, estamos prontos para que Deus nos encha, por meio de Jesus Cristo e de seu Espírito. Grande parte do restante do Sermão tem o propósito de retirar de nós esses autoenganos e promover a pobreza genuína de espírito. A sinceridade e a profundidade desse arrependimento são requisitos primordiais para desfrutarmos da vida no reino de Deus.


Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (v. 4). Essa fala de Jesus decorre da anterior. O choro pode ser entendido como o complemento emocional da pobreza de espírito. Mas o mundo em que vivemos gosta de rir. Os agentes do prazer vendem alegrias e risadas, tudo em troca de lucro. O summum bonum da vida torna-se a diversão, e o objetivo imediato é chegar ao próximo pico de euforia. Os coaches que o digam! O mundo não gosta de pessoas chorosas; elas são desmancha-prazeres.


Contudo, o Filho de Deus insiste: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. Isso não significa que o cristão deva ser sempre triste, como se estivesse em luto constante. O cristão não deve corresponder ao estereótipo gravado na mente daquela garotinha que disse: “Aquele cavalo deve ser cristão; olha só que cara triste ele tem!” Tampouco o versículo é uma desculpa para aquela tristeza que vem da autopiedade subserviente.


O que é esse choro, então? Para o indivíduo, esse choro é o pesar que ele sente por seu próprio pecado. É a tristeza de alguém que começa a reconhecer a gravidade do seu pecado quando mais toma conhecimento da pureza de Deus. Isso ocorreu com Isaías quando lhe foi concedida uma visão de Divindade, em que até os próprios anjos do céu cobriram o rosto e clamavam em solene adoração: “Santo, santo, santo”. A reação de Isaías foi de total devastação (Is 6.5). Esse é o pranto de um homem que tenta alcançar pureza por seus próprios esforços e descobre que não consegue atingi-la; por isso, lamenta: “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24).


Contudo, pode haver também um choro estimulado por considerações mais gerais. Às vezes o pecado deste mundo, a falta de integridade, a injustiça, a crueldade, a mesquinhez, o egoísmo, a indiferença, tudo isso se acumula na consciência de uma pessoa sensível e a faz chorar. A maioria de nós prefere simplesmente condenar. Estamos preparados para andar com Jesus através de Mateus 23 e repetir seus pronunciamentos de juízo; mas paramos antes de chegar ao fim do capítulo e não nos juntamos a ele quando chora pela cidade! Grandes luminares da história da igreja aprenderam a chorar – homens do calibre de Calvino, Whitefield, Wesley e Wilberforce.


O cristão deve ser um realista autêntico. Isso é de fundamental importância. Ele percebe que a morte é um fato e precisa ser encarada! Deus existe e será conhecido de todos, como Salvador ou Juiz. O pecado é um fato, e é de uma feiura e escuridão inexprimíveis diante da pureza de Deus. Mas dizer isso em nossos dias é politicamente incorreto; é desconfortável! A eternidade é um fato, e todo ser humano vivo caminha a passos largos para ela. A revelação de Deus é um fato, e as alternativas que ela apresenta acontecerão: vida ou morte, perdão ou condenação, céu ou inferno. São realidades que não vão desaparecer. O ser humano que tem consciência delas e avalia a si mesmo e ao seu mundo tendo-as como padrão não pode fazer outra coisa senão chorar. Ele chora pelos pecados e blasfêmias de sua nação. Chora pela erosão do conceito de verdade. Chora pela avareza, pelo ceticismo, pela falta de integridade e bondade: “O temor do Senhor consiste em odiar o mal. Eu odeio a soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca que fala coisas perversas” (Pv 8.13). Esse que chora, chora por haver tão poucos que choram!


Mas ele será consolado! E que consolo! Não há consolo ou alegria que se compare com o que Deus dá aos que choram. Eles trocam o pano de saco do lamento por vestes de louvor, as cinzas do luto pelo óleo da alegria. No nível individual, aquele que chora lamenta o seu próprio pecado porque vê como é grande a sua transgressão diante de Deus; mas aprende a confiar em Jesus como aquele que pagou o preço do resgate pelo pecado (Mc 10.45). Ele exulta de alegria ao descobrir por experiência própria que Jesus veio salvar seu povo de seus pecados (Mt 1.21). E, enquanto chora por outras pessoas, ele descobre maravilhado que Deus está respondendo a suas orações – muitas vezes até agindo por intermédio dele para desatar os nós do pecado e proporcionar a outros a experiência do novo nascimento, da nova justiça. Todavia, até esse grande consolo será superado: um dia, em novo céu e nova terra, o reino de Deus será consumado, e o próprio Deus enxugará toda lágrima dos olhos dos que antes choravam. Não haverá mais morte, nem lamento, nem choro, nem dor, porque a antiga ordem das coisas terá passado: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima. E já não existirá mais morte, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4).


Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (v. 5). Qual é a diferença entre mansidão e pobreza de espírito? A diferença, creio, é esta: pobreza de espírito diz respeito à opinião que uma pessoa tem a respeito de si, sobretudo em relação a Deus, enquanto mansidão diz respeito a seu relacionamento com Deus e com os outros. Mansidão não é, como muitos imaginam, fraqueza. Não se deve confundir ser manso com se deixar levar pelos outros, não ter personalidade. Uma pessoa mansa não é necessariamente indecisa ou medrosa. Ela não é tão insegura a ponto de se deixar abater por ofensas. Mansidão também não deve ser confundida com mera amabilidade. Algumas pessoas são naturalmente agradáveis e de trato fácil, mas isso também se aplica a alguns cachorros. Mansidão é muito mais que isso.


Mansidão é o desejo consciente de colocar os interesses do outro na frente dos nossos. Pense na consideração de Abraão por Ló (Gn 12.8-12): isso é mansidão. De acordo com Números 12.3, Moisés foi o homem mais manso que já existiu, e sua mansidão é demonstrada de forma excepcional nesse capítulo por sua recusa em se defender, por seu firme compromisso com o Senhor quando sua pessoa e seus privilégios estavam ameaçados. Mas Jesus é o único que pode dizer com total propriedade: “Venham a mim, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem o meu jugo sobre vocês e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração; e vocês acharão descanso para sua alma” (Mt 11.28-29). Martyn-Lloyd-Jones: “O homem verdadeiramente manso é aquele que se admira de que Deus e os homens possam ter uma opinião tão boa a seu respeito e tratá-lo tão bem quanto tratam [...] Finalmente, eu diria assim: temos de deixar tudo – nós mesmos, nossos direitos, nossa causa, todo o nosso futuro – nas mãos de Deus, principalmente se achamos que estamos sofrendo injustamente” (Estudos no Sermão do Monte).


As Escrituras enfatizam e dão muita importância à mansidão (2Co 10.1; Gl 5.22-23; Cl 3.12; 1Pe 3.15-16; Tg 1.19-21), e isso só torna ainda mais espantoso que a mansidão não seja uma característica comum entre nós, que afirmamos ser cristãos. Tanto no nível pessoal, em que geralmente estamos mais preocupados em nos justificar do que em edificar nosso irmão, quanto no nível coletivo, em que nos saímos melhor na organização de manifestações públicas, instituições e grupos de pressão do que em propagar o reino de Deus, já faz muito tempo que a mansidão não é a marca da maioria dos cristãos. Um exemplo é quando o cristão lida com recursos e serviços na igreja.


À medida que a mansidão é praticada entre nós – na mesma proporção podemos ter certeza –, um mundo ostensivamente materialista se oporá a ela. O materialista diz: “Agarre o que puder; o forte chega primeiro, o resto é cada um por si”. Isso se aplica tanto a indivíduos que estejam à direita quanto aos que estejam à esquerda do espectro político. Individualmente, o ser humano costuma presumir, sem raciocinar, que está no centro do universo. Por isso, cada um de nós se relaciona mal com os outros quase oito bilhões de seres humanos que têm essa mesma ilusão. Contudo, o homem manso enxerga a si mesmo e aos outros debaixo do domínio de Deus. Como é pobre em espírito, ele não tem opinião mais elevada de si mesmo do que deveria. Por isso, é capaz de se relacionar bem com os outros. Provérbios 18.1: “O solitário busca o seu próprio interesse e insurge-se contra a verdadeira sabedoria”; NTLH: “Quem não gosta de estar na companhia dos outros só está interessado em si mesmo e rejeita todos os bons conselhos”.


E os mansos herdarão a terra! Essa afirmação, citada de Salmos 37.11, contraria drasticamente o materialismo filosófico tão predominante em nossa época. Mas essa bênção de herança é verdadeira em pelo menos dois aspectos. Primeiro, só alguém genuinamente manso se sente satisfeito; seu ego não é inflado a ponto de achar que tem de ter sempre mais. Além disso, ele já se vê “possuindo tudo” em Cristo (2Co 6.10: “entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”; 1Co 3.21-23: “ninguém se glorie nos homens; porque tudo é de vocês: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é de vocês, e vocês são de Cristo, e Cristo é de Deus”). Tendo em vista essa perspectiva eterna, cada um de nós pode se permitir ser manso! Além do mais, um dia entraremos na plenitude da herança de Cristo, quando veremos a bem-aventurança cumprida de fato. Cinquenta bilhões de trilhões de anos eternidade adentro (se é que podemos falar de eternidade da perspectiva do tempo), o povo de Deus estará ainda se regozijando por essa bem-aventurança ser absolutamente verdadeira. Em um novo céu e uma nova terra, essas pessoas serão gratas porque pela graça aprenderam a ser mansas durante seus primeiros setenta anos (pensando no Salmo 90.10).


Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” e “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” são promessas incríveis para cada um de nós, e que desafiam a nossa fé num mundo predominantemente materialista e egoísta. Que a misericórdia e a bondade de Deus, juntamente com a ação do Espírito Santo, possam abrir os nossos olhos para acolhermos em nossos corações cada um desses belos convites de Jesus Cristo para os seus discípulos. Amém!

9 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page