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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Sermão sobre o Natal

O relato do nascimento de Jesus no Evangelho de Mateus começa não com os fatos na natividade em si, já bem conhecida de todos: a estrela, os pastores e a manjedoura. Ele parte da névoa de tempos ainda mais antigos, fornecendo uma longa e aparentemente enfadonha genealogia. É fácil perder a paciência com esses versículos e deixar os olhos correrem sobre as palavras até chegarem à ação de fato. No entanto, o Natal não tem relação apenas com um nascimento, mas com uma vinda. Deus planejara a chegada do seu Filho antes mesmo de criar a terra (Ap 13.8) e, como todo bom escritor, prenunciou a pessoa grandiosa que Jesus seria no decorrer da história. De modo que aprendemos aqui muito mais do que você talvez imaginasse a princípio. O que essas genealogias nos falam sobre o significado do Natal e do cristianismo? Faremos duas descobertas a partir do que Mateus não diz e duas a partir do que ele diz. Mateus não inicia seu relato do nascimento de Jesus com um “Era uma vez...”. Assim começam os contos, lendas, mitos e a Guerra nas estrelas. “Era uma vez” sinaliza que provavelmente a história não aconteceu ou que não sabemos se aconteceu, mas é uma bela narrativa e que nos ensina muito. Mas não é esse o tipo de relato que Mateus nos faz. Diz ele: “Livro da genealogia de Jesus Cristo...”. Isso significa que ele está fundamentando quem Jesus Cristo é e o que ele faz na história. Não se trata de uma metáfora. Ele é real. Tudo isso aconteceu, de fato. Eis a razão pela qual isso é tão importante. “Conselho” é uma recomendação do que você deve fazer. “Novas” são um relato do que foi feito. O conselho o incentiva a fazer algo acontecer. As novas o incentivam a reconhecer algo que já aconteceu e a reagir a isso. O conselho diz que cabe a você agir. As novas dizem que outra pessoa já agiu. Suponhamos que um exército invasor avance sobre uma cidade. Ela precisa de conselheiros militares; necessita de conselho. Alguém tem de explicar que os bastiões e as trincheiras devem ficar ali, os atiradores de elite mais adiante e os tanques lá embaixo. Todavia, se um grande rei interceptou e derrotou o exército invasor, do que a cidade precisa? Não de conselheiros militares; ela precisa de mensageiros, e o termo grego para mensageiros é angelos, anjos. Mensageiros não dizem: “Aqui está o que vocês precisam fazer”. Em vez disso, anunciam: “Trago-lhes notícias de grande alegria”. Em outras palavras: “Parem de fugir! Parem de construir fortificações. Parem de tentar se salvar. O Rei já os salvou”. Algo foi feito, e isso muda tudo. Assim, os textos bíblicos de Natal são relatos do que de fato aconteceu na história. Não são as Fábulas de Esopo, exemplos inspiradores de como viver bem. Muitos acreditam que o evangelho é apenas mais uma narrativa moralizante. Não poderiam estar mais enganados. Não existe nenhuma “moral da história” na natividade. Os pastores, os pais de Jesus, os magos – não são apresentados acima de tudo como exemplos para nós. Essas narrativas do evangelho estão dizendo não o que você deveria fazer, mas o que Deus fez. O nascimento do Filho de Deus no mundo é um evangelho, as boas-novas, uma proclamação. Você não se salva. Deus veio salvá-lo. Eu diria que outras religiões e muitas igrejas, ao falarem sobre salvação, entendem-na e proclamam-na como um conselho. Salvação é algo pelo que você tem de batalhar e lutar, que você tem de alcançar. Só acontece se você orar, obedecer ou transformar sua consciência. Mas o evangelho cristão é diferente. Os fundadores das grandes religiões afirmam, de um jeito ou outro: “Estou aqui para lhes mostrar o caminho para a realidade espiritual. Façam tudo o que digo”. Isso é conselho. Jesus Cristo, o fundador do cristianismo, vem e diz: “Sou a realidade espiritual em pessoa. Você jamais conseguiria me alcançar, por isso tive de descer até aqui”. Isso é novidade. Claro, o Natal é só o começo da história de como Deus veio nos salvar. Jesus terá de ir para a cruz. Contudo, sua vida e salvação inteiras encontram-se aqui em forma embrionária, preanunciando o que acontecerá. Ele veio para tomar nosso lugar, para pagar o preço por nosso pecado, para receber o que merecemos. Onde, à luz do nosso pecado contra Deus e nosso próximo, merecemos estar? No frio e na escuridão. Jesus nasceu na estrebaria fria e escura, mas isso era apenas um prenúncio. No fim de sua vida, ele clamou: “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). Na cruz, ele foi lançado na escuridão espiritual, a fim de que pudéssemos ser trazidos para o calor e a luz da presença de Deus. Portanto, primordialmente, o cristianismo não tem relação com o auto-aperfeiçoamento. Não é apenas a frequência a um lugar para se conseguir um pouco de inspiração e orientação para a vida. Claro que o evangelho cristão tem enormes implicações em como se vive. Mas ele é, antes de mais nada, a mensagem de que você precisa ser salvo e de que não é salvo de modo algum pelo que você pode fazer, mas, sim, pelo que ele fez. Você começa com Cristo não ao adotar uma ética ou virar uma página, nem mesmo ao se juntar a uma comunidade. Não, você começa crendo no relato do que aconteceu na história. Deus se tornou um ser humano de verdade? Jesus realmente viveu, sofreu e morreu por você? Ele de fato ressuscitou triunfante do túmulo? Se for esse caso, então tudo mais que a Bíblia diz sobre como viver faz sentido. No entanto, se o relato bíblico parte de um “Era uma vez”, se é um conselho inspirador e não a declaração dos maiores acontecimentos da história, então é tudo bobagem. O Natal nos mostra que cristianismo não é bom conselho. É boas-novas! A história de Natal não é ficção, mas, ainda assim, ela muda de uma maneira maravilhosa como interpretamos a ficção. Pouco antes do lançamento do primeiro O senhor dos anéis, dirigido por Peter Jackson, uma série de artigos críticos literários e de outras elites culturais lamentaram o apelo popular de fantasias, mitos e lendas, muitos dos quais, no modo de entender deles, promoviam pontos de vista retrógrados. Espera-se de pessoas modernas que sejam mais realistas. Deveríamos compreender que nada é preto e branco, mas cinza, que os finais felizes são cruéis, porque a vida não é assim. Na revista The New Yorker, Anthony Lane escreveu acerca do romance de Tolkien: “É um livro cheio de bravatas, e, no entanto, entregar-se a ele – sucumbir a ele [gostar de verdade dele], como muitos de nós fizemos em uma primeira leitura – revela [...] uma relutância em enfrentar as nuances mais sutis da vida que beira a covardia (The Hobbit habit). No entanto, Hollywood continua reciclando contos de fadas sob várias formas porque as pessoas têm fome deles. Os grandes contos de fadas e lendas – A Bela e a Fera, A Bela Adormecida, O Rei Artur – não aconteceram de verdade, claro. Não são fatos reais. Contudo, parecem suprir um conjunto de anseios do coração humano que a ficção realista nunca é capaz de alcançar ou satisfazer. Isso acontece porque no fundo do coração humano existem esses desejos – de experimentar o sobrenatural, de fugir da morte, de conhecer um amor que jamais podemos perder, de não envelhecer, e sim viver o suficiente para concretizar nossos sonhos criativos, de voar, de nos comunicar com os seres não humanos, de triunfar sobre o mal. Se as histórias fantásticas forem bem contadas, nós as consideraremos incrivelmente emocionantes e satisfatórias. Por quê? Pelo fato de, mesmo sabendo que na realidade essas histórias não aconteceram, nosso coração anseia por essas habilidades e conquistas, e porque uma história bem contada satisfaz momentaneamente nossos desejos, aliviando um pouco esse incrível anseio. A Bela e a Fera nos fala da existência de um amor capaz de nos resgatar da brutalidade que criamos para nós mesmos. A Bela Adormecida nos conta que nos encontramos em uma espécie de feitiço do sono e que existe um príncipe imponente capaz de vir quebrá-lo. Ouvimos essas histórias, e elas mexem conosco, pois no fundo do coração nós cremos, ou queremos crer, que esses fenômenos são verdadeiros. A morte não deveria ser o fim. Nós não deveríamos perder nossos entes queridos. O mal não deveria triunfar. O coração sente que, embora as histórias em si não sejam verdadeiras, as realidades por detrás delas são de alguma forma verdadeiras ou deveriam ser. Mas a mente diz não, e os críticos dizem não. Insistem em que, quando você se entrega a contos de fadas e acredita de fato em absolutos morais, no sobrenatural e na ideia de que viveremos para sempre, nada disso tem relação com a realidade. É uma covardia entregar-se a esse tipo de ideia. Chegamos então à narrativa do Natal. À primeira vista, ela se parece muito com outras lendas. Aqui está um relato sobre alguém de um mundo diferente que ingressa no nosso, alguém que tem poderes miraculosos, consegue acalmar uma tempestade, curar e ressuscitar pessoas. Até que seus inimigos o entregam, ele é condenado à morte e parece que toda esperança se acabou, mas por fim ele ressuscita dos mortos e salva todo o mundo. Lemos isso e pensamos: “Mais um grande conto de fadas!”. De fato, parece que a história do Natal é mais um relato apontando para essas realidades subjacentes. No entanto, o Evangelho de Mateus nega essa ideia ao fundamentar Jesus na história, não em um “Era uma vez”. Diz que isso não tem nada de conto de fadas. Jesus Cristo não é mais uma história adorável apontando para essas realidades subjacentes – ele é a realidade subjacente para a qual todas as histórias apontam. Jesus Cristo veio do mundo eterno e sobrenatural que sentimos existir, que nosso coração sabe que existe, embora a cabeça diga que não. No Natal, ele abriu uma passagem entre ideal e real, eterno e temporário e ingressou em nosso mundo. Isso significa, se Mateus estiver certo, que existe uma bruxa má neste mundo, e que estamos debaixo de um feitiço, e que existe um príncipe imponente que quebrou o feitiço, e que existe um amor do qual jamais seremos separados. E voaremos de verdade um dia, derrotaremos a morte, e neste mundo, hoje nas presas e garras, um dia até as árvores dançarão e cantarão (Sl 65.13; 96.11-13). Em outras palavras, embora os contos de fadas não sejam fatos reais, a verdade de Jesus significa que todas as histórias que amamos não são de modo nenhum um escapismo. De certa forma, elas (ou as realidades sobrenaturais para as quais apontam) se tornarão realidade nele. Para o cristão, é difícil saber o que dizer à criança que lê um livro e diz: “Eu queria que existisse um príncipe que nos salvasse do dragão. Eu queria que o Super-Homem fosse de verdade. Eu queria que pudéssemos voar. Eu queria que pudéssemos viver para sempre”. Você não pode simplesmente falar sem pensar: “Existe! Faremos tudo isso!”. No filme Hook – a volta do capitão Gancho, Maggie Smith faz o papel de uma Wendy já idosa, da história de Peter Pan. Há uma cena em que ela conversa com Robin Williams, um Peter Pan adulto sofrendo de amnésia. Ele se diverte com as histórias que Wendy conta a seus filhos, mas em determinado momento ela o encara e diz: “Peter, essas histórias são reais”. Se o Natal de fato aconteceu, isso significa que a raça humana inteira sofre de amnésia, mas as histórias que mais amamos não são na verdade apenas um entretenimento escapista. O evangelho, por ser uma história real, significa que todas as melhores histórias demonstrarão, em última análise, ser verdadeiras. Vimos o que Mateus não está dizendo ao começar seu Evangelho com uma genealogia. Mas então o que ele diz? Precisamos lembrar da cultura em que ele vivia e escrevia. Vivemos em uma cultura individualista em que as pessoas se recomendam umas às outras com uma lista de diplomas, experiências de trabalho e realizações. Não se agia assim em uma sociedade mais comunitária, orientada para a família. Mateus 1 pode parecer uma genealogia, e é, mas também é um currículo. Naquele tempo, era sua família, sua estirpe e seu clã – que constituíam seu currículo. Assim, a genealogia era um modo diferente de dizer ao mundo: “Esse sou eu”. É interessante saber que naquela época as pessoas adulteravam o próprio currículo assim como acontece hoje. Temos a tendência de deixar de fora partes do nosso histórico que talvez não nos deixassem tão bem, e as pessoas faziam o mesmo na antiguidade. Sabemos que Herodes, o grande, expurgou diversos nomes de sua genealogia pública por não querer que ninguém soubesse a ligação existente entre eles. O propósito de um currículo genealógico era impressionar quem o visse com a alta qualidade e a respeitabilidade das raízes que ele descrevia. Mateus, no entanto, faz o oposto com Jesus. Essa genealogia é assustadoramente diferente de outras da antiguidade. Para início de conversa, ela relaciona cinco mulheres, todas mães de Jesus. Isso não parecerá estranho ao leitor moderno, mas nas sociedades patriarcais da época a mulher quase nunca era nomeada nessas listas, muito mesmo cinco delas. Seria possível chamá-las de “proscritas pelo gênero” nessas culturas. Contudo, figuram na genealogia de Jesus. Além disso, a maior parte das mulheres do currículo de Jesus eram gentias (Tamar, Raabe, Rute). Eram cananeias e moabitas. Para os judeus antigos, essas nações eram impuras; não tinham permissão para entrar no tabernáculo ou no templo para adorar. Poderíamos chamá-las de “proscritas de raça”, todavia fazem parte da genealogia de Jesus. Além disso, ao nomear essas mulheres em particular, Mateus recorda deliberadamente a seus leitores alguns dos incidentes mais sórdidos, repugnantes e imorais da Bíblia. Por exemplo, ele diz que Judá foi o pai de Perez e Zera, cuja mãe foi Tamar (v. 3). Relembre o que aconteceu. Tamar enganou o sogro, Judá, de modo a induzi-lo a se deitar com ela. Foi um ato de incesto, contrário em toda a Bíblia à lei de Deus. Embora Jesus descendesse de Perez e não de Zera, Mateus inclui os dois, além de Judá e Tamar, para se certificar de nos trazer à memória toda a história. Foi dessa família conturbada que o Messias veio. Nem vou recordar aqui quem foi Raabe, cananeia e prostituta, ou o que fez Davi com Bate-Seba e Urias, adulterando e assassinando. Mas o que tudo isso significa? Primeiro, que as pessoas excluídas por questões culturais, excluídas pela sociedade respeitável e excluídas até pela Lei de Deus podem ser introduzidas na família de Jesus. Não importa a sua estirpe, não importa o que você fez, não importa se você matou alguém. Se você se arrepender e crer nele, a graça de Jesus Cristo é suficiente para cobrir seu pecado e uni-lo a Cristo. Na antiguidade, havia o conceito de “impureza cerimonial”. Se quisesse permanecer santo, ou respeitável, ou bom, você precisava evitar o contato com o profano. Considerava-se que ser profano era “contagioso”, por assim dizer, de modo que você tinha de se manter separado. Mas Jesus subverte isso. Sua santidade e bondade não podem ser contaminadas pelo contato conosco. Em vez disso, sua santidade nos contamina por nosso contato com ele. Achegue-se a ele, independentemente de quem você é e do que fez, não importando o quanto esteja moralmente maculado, e ele pode deixá-lo puro como a neve (Is 1.18). Não há ninguém, então, nem mesmo o ser humano mais maravilhoso, que não necessite da graça de Jesus Cristo. E não há ninguém, nem o pior ser humano, que possa deixar de receber a graça de Jesus Cristo se houver arrependimento e fé. Além disso, a promessa de um Messias levou gerações para se cumprir. Jesus era “filho de Abraão”. Deus disse para Abraão que todos os povos da terra seriam abençoados por intermédio dos seus descendentes (Gn 12.3). Na verdade, antes disso, em Gn 3.15, o próprio Deus profetizou que surgiria alguém que “ferirá a cabeça” [de Satanás], derrotando o mal. Mas séculos, milênios se passaram antes que o anjo aparecesse a Maria, lhe falasse do filho que ela teria, e ela então cantasse: “... [lembrou-se] de sua misericórdia para com Abraão [...] como prometera aos nossos pais” (Lc 1.54-55). Você não pode julgar Deus de acordo com o calendário humano. Ele pode parecer lento, mas nunca se esquece de suas promessas. Pode parecer trabalhar muito devagar ou até ter se esquecido de suas promessas, mas, quando elas se tornam realidade, sempre extrapolam as fronteiras da sua imaginação. Jesus é o início do sétimo conjunto de sete gerações. No sétimo dia, Deus descansou de sua obra. Na Lei Mosaica, a cada sete anos o agricultor deveria deixar a terra sem cultivo para lhe dar uma oportunidade de recuperar seus nutrientes, de modo que o sétimo ano representava descanso. Por fim, Levítico 25 nos diz que o último ano do sétimo período de sete anos, o quadragésimo nono ano, devia ser de jubileu. Nesse ano, todos os escravos tinham de ser libertados e todas as dívidas, perdoadas; toda a terra e todo o povo tinham de descansar da exaustão e de seus fardos. O sétimo sete, o sábado dos sábados, representava um antegozo do descanso final que todos conheceremos quando Deus renovar a terra (Rm 8.18-23; Hb 4.1-11). Precisamos descansar dos problemas e perversidades deste mundo. Sentimos como se tivéssemos de controlar a história, de fazer tudo dar certo, mas isso é não apenas exaustivo como também impossível. O Natal nos ensina que, apesar das aparências contrárias, nosso bom Deus está no controle da história. E um dia ele endireitará tudo. Parte do nosso descanso interior vem quando o Espírito nos lembra da salvação final e do descanso supremo. Temos, então, uma esperança poderosa no futuro que não se resume a mero otimismo. É uma certeza de que, no final, tudo dará certo. Isso nos dá paz e força ao lidarmos com as provações e tragédias do presente. Um dia, no entanto, a glória de Deus cobrirá o mundo como as águas cobrem o fundo do mar. E então Jesus, o Rei do jubileu, nos dará descanso final e perfeito de amor e alegria. Natal não é “Era uma vez uma história que aconteceu para nos mostrar como devemos levar uma vida melhor”. Nada disso! Ele irrompeu no mundo para nos salvar. Cristo, o Salvador, nasceu!

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