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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Série Espírito Santo - Parte II

Então Moisés disse: — Se a tua presença não for comigo, não nos faças sair deste lugar.

Pois como se poderá saber que alcançamos favor diante de ti, eu e o teu povo? Será que não é o fato de andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os povos da terra?



“Presença” é uma palavra maravilhosa pois aponta para uma das maiores e mais preciosas dádivas. Nada pode ocupar o lugar de uma “presença”: telefonemas, presentes, fotos, lembranças, nada. Pergunte a quem tenha perdido o cônjuge de longos anos do que mais sente falta; a resposta será da “presença” do que se foi. Quando estamos doentes, não precisamos tanto de palavras de conforto quanto da presença daqueles que amamos e nos amam. O que faz a vida que compartilhamos – jogos, caminhadas, concertos, excursões e muitas outras coisas – tão agradável? É a presença.


Deus nos fez à sua imagem, porque Ele mesmo é um ser pessoal, que se relaciona. O grande problema com a queda, com o primeiro pecado, é que perdemos não somente nossa visão de Deus (isto é, seu verdadeiro caráter foi distorcido), mas também nossa relação com Ele, e, assim, deixamos de sentir sua presença permanente. Para Paulo, a vinda de Cristo e do Espírito Santo mudou tudo isso para sempre. No coração do pensamento de Paulo está sua compreensão da descida do Espírito como a vinda do “Espírito Santo prometido” (Ef 1.13; Gl 3.14).


Embora essa promessa incluísse especialmente a renovação da palavra profética (Joel 2.28-30), para Paulo ela também significava a chegada da nova aliança, prenunciada pela “circuncisão do coração” em Dt 30.6, e claramente profetizada em Jeremias 31.31-34: “...farei uma nova aliança [...] e a escreverei no seu coração”. Essa profecia foi logo em seguida retomada por Ezequiel, que a ligou diretamente ao Espírito que Deus estava pondo dentro deles (36.26-27; 37.14). Acima de todas as outras coisas, como cumprimento da nova aliança, o Espírito assinalou a volta da presença de Deus, que se havia perdido.


Aqui, pois, está uma das esferas de maior importância em que o Espírito representa tanto a continuidade quanto a descontinuidade entre a antiga aliança e a nova. A continuidade se encontra na renovação da promessa da presença de Deus com seu povo; a descontinuidade está na forma radicalmente nova como Deus o revisita – habitando em cada indivíduo e também coletivamente por meio de seu Espírito.


O tema da presença de Deus é fundamental tanto no AT quanto no NT e serve de moldura para a Bíblia. Ele surge primeiramente em Gênesis 2-3 com o Criador dos céus e da terra presente no jardim com aqueles que havia criado à sua imagem; e a presença divina se encontra finalizando o texto sagrado com as maravilhosas imagens do novo céu e da nova terra e com a renovação do Éden em Ap 21.1-22.5, em que João afirma expressamente: “Não vi nenhum santuário na cidade, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro” (21.22). Seja como for, o povo de Israel se via como o povo da Presença, no meio do qual o Deus eterno havia escolhido habitar sobre a terra.

A forma mais proeminente da presença de Deus no AT encontra-se no tabernáculo e no templo. O tema dessa presença, que culmina com a glória de Deus descendo sobre o tabernáculo, é a chave estrutural para o livro de Êxodo. No episódio da sarça ardente (Êx 3), o Deus vivo primeiro se mostra presente a Moisés no Sinai. Depois ele o instrui a levar o povo até lá para adorá-lo. Quando Israel chega ao monte santo no capítulo 19, ele chega ao lugar da “morada” de Deus, lugar que o povo estava proibido até de tocar sob pena de morrer. Somente Moisés recebe permissão para estar na presença de Deus.


No entanto, Deus decide mudar-se do monte e habitar no meio de seu povo num tabernáculo. Assim, depois de receber o livro da aliança (Êx 20-24), Moisés ouve as instruções para a construção do tabernáculo (25-31). Contudo, entre as instruções e a construção (35-39), ocorre o desastroso episódio do bezerro de ouro no deserto (32), seguido pelo anúncio de Deus a Moisés: “...minha presença não irá contigo”; em seu lugar seria enviado um anjo (33). Moisés reconhece a inconveniência dessa solução e intercede: “Se a tua presença não for comigo, não nos faças sair deste lugar. Pois como se poderá saber que alcançamos favor diante de ti, eu e o teu povo? Será que não é o fato de andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os povos da terra?” (33.15-16).

A isso se seguem a revelação posterior do caráter de Deus (“compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade”, Êx 34.4-7) e a construção do tabernáculo, tudo coroado com a descida da glória de Deus, que “enchia o templo” (40.35). Com isso eles estão prontos para a jornada ao lugar que “escolherá o Senhor vosso Deus, para ali fazer habitar o seu nome” (Dt 12.11), conduzidos pela presença de Deus simbolizada pela coluna de nuvem e pela coluna de fogo (como interpretamos esses símbolos hoje?).


A promessa de Deuteronômio foi finalmente cumprida na construção do templo de Salomão, onde a mesma glória mencionada em Êxodo 40 desceu e “encheu seu templo” (1Rs 8.11). Assim, Jerusalém e o templo são comumente considerados “o lugar que Yahwe escolheu para habitação de seu nome”; e o templo tornou-se o ponto central da existência de Israel na terra prometida.


Portanto, talvez até mesmo mais do que a lei ou de outros sinais de identidade, como a circuncisão, as leis sobre alimentos e a observância do Shabat, a presença de Deus com Israel distinguia-o como seu povo. Eles compreenderam bem que Deus, que criou os céus e a terra, não poderia ser contido numa estrutura terrena (Is 66.1-2); todavia, porque Deus escolheu ter ali sua presença, o tabernáculo e o templo tornaram-se os principais símbolos da presença de Deus entre seu povo.


Assim, embora o templo também servisse como lugar para sacrifícios, o povo de Deus do AT costumava vê-lo basicamente como lugar de oração e de consciência da presença de Deus com eles. Essa realidade é percebida muitas vezes nos Salmos, o hinário de Israel. Tomemos como exemplo o grande hino de entronização no Salmo 68, que retrata a presença de Deus sobre Sião como esperança de seu povo e inveja de seus vizinhos: “Monte altíssimo é o monte de Basã; serra de elevações é o monte de Basã. Por que olham com inveja, ó montes elevados, para o monte que Deus escolheu para sua habitação? O Senhor habitará nele para sempre. Os carros de Deus são vinte mil, sim, milhares de milhares. No meio deles, está o Senhor; o Sinai tornou-se em santuário. Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro; recebeste homens por dádivas, até mesmo rebeldes, para que o Senhor Deus habite no meio deles” (68.15-18). O mesmo tema é escolhido diversas vezes por indivíduos israelitas em todo o Saltério, à medida que eles refletem sobre a glória de estar na presença de Deus: “Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (84.1-2; 63.2).


Mas o fracasso de Israel fez com que o povo fosse destituído da presença de Deus. É isso o que torna a queda de Jerusalém e o exílio tão desoladores para os israelitas. O templo em Jerusalém, onde Deus havia decidido habitar, foi destruído; e não apenas o povo foi levado cativo, mas os cativos e os que permaneceram não eram mais conhecidos pela presença do Deus vivo em seu meio. A intensidade de tudo isso encontra sua máxima expressão simbólica em Ezequiel 10, onde, tal como havia ocorrido com a arca da aliança em 1Sm 4.22, a “glória do Senhor” se ausenta do templo em Jerusalém.


Entretanto, nem tudo estava perdido. O fundamento da esperança profética era a promessa da volta da presença de Deus. Por meio de Ezequiel, Deus promete: “O meu tabernáculo estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (37.27); e Malaquias profetiza: “... de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem buscais” (3.1). Essa esperança continua no judaísmo intertestamentário entre os autores apocalípticos como, por exemplo, no Testamento de Dã 5.13: “E Jerusalém não mais sofrerá desolação, [...] porque o Senhor estará no meio dela”.


Em consonância com a história antiga de Israel, o tema da presença renovada está diretamente ligado à esperança de um templo restaurado e encontra sua expressão metafórica mais profunda na grande visão de Ezequiel (40-48), mas seu momento mais memorável está no oráculo de Isaías 2.2-3 (repetido em Miqueias 4.1-2), em que a inclusão dos gentios é também um tema fundamental (Zc 14.16-19): “Nos últimos dias, o monte do templo do Senhor será estabelecido no alto dos montes e se elevará sobre as colinas, e para ele afluirão todas as nações. Muitos povos virão e dirão: ‘Venham, subamos ao monte do Senhor e ao templo do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos nas suas veredas’” (Is 2.2-3).


O segundo templo, porém, não atende a todas essas expectativas. Assim, ele suscita sentimentos variados no meio do povo. À luz do templo de Salomão e do templo de Ezequiel prometido para o futuro, Ageu se queixa: “Quem de vocês, que tenha sobrevivido, contemplou este templo na sua primeira glória? E como vocês o veem agora? Por acaso não é como nada aos olhos de vocês?” (Ag 2.3). Em muitos círculos, portanto, a esperança de um grande templo reconstruído ainda restava entre o povo de Deus (1Enoque 53.6 e 90.29).


Para Paulo, a questão crucial a respeito desse tema reside no fato de que, em Isaías 63.9-14, a presença divina na narrativa do Êxodo é equiparada especificamente ao “Espírito Santo do Senhor”. Ao recordar o passado de Israel, o profeta diz: “Em toda a angústia deles, também ele se angustiava; e o Anjo da sua presença os salvou. Por seu amor e por sua compaixão, ele mesmo os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade. Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo. Por isso, ele se tornou inimigo deles e ele mesmo lutou contra eles. Então o povo se lembrou dos dias antigos, lembrou de Moisés, e disse: ‘Onde está aquele que tirou o seu povo do mar, junto com o pastor do seu rebanho? Onde está o que pôs nele o seu Espírito Santo, aquele que fez com que o seu braço glorioso estivesse à mão direita de Moisés? Onde está aquele que dividiu as águas diante deles, adquirindo para si um nome eterno? Aquele que os guiou pelos abismos, como a um cavalo pelo deserto, de modo que nunca tropeçaram? Como o gado que desce aos vales para repousar, o Espírito do Senhor lhes deu descanso.’ Assim, guiaste o teu povo, para adquirires um nome glorioso” (Is 63.9-14). Paulo está perfeitamente a par dessa relação, conforme se percebe em Efésios 4.30, onde ele faz uma alusão proposital à linguagem do versículo 10 de Isaías: “E não entristeçam o Espírito Santo de Deus, no qual vocês foram selados para o dia da redenção”.


Quando nos voltamos para Paulo a partir desses antecedentes (principalmente) do AT, fica claro que ele compreende a vinda do Espírito como cumprimento de três expectativas que se relacionam: 1) a associação do Espírito com a nova aliança; 2) o uso da palavra “habitar”; e 3) a associação do Espírito com a imagem do templo. Pelo cumprimento dos temas da nova aliança e do templo renovado, o Espírito se torna o meio pelo qual o próprio Deus está agora presente no planeta terra. A imagem do templo tem importância especial neste caso, uma vez que o templo era sempre visto como o lugar de habitação de Deus, o lugar da sua glória. É digno de nota o fato de que Ele habita tanto na comunidade reunida, como se pode naturalmente esperar em face do contexto dessa acepção do termo no AT, quanto principalmente no coração daquele que crê.


Em harmonia com o restante da igreja primitiva, Paulo reconhece que a morte de Cristo institui a nova aliança de Deus com seu povo (1Co 11.25). Ele também vê no Espírito a forma pela qual a aliança se concretiza neles e no meio deles. Como resultado da experiência do Espírito vivida por si mesmo e por terceiros, Paulo entende esse papel principalmente da perspectiva de Ezequiel 36.26-27 e 37.14. Ele reúne os temas das duas passagens de tal maneira que, com a vinda do Espírito na vida do crente e da comunidade, Deus cumpre três dimensões da promessa:


1. Deus daria a seu povo um “novo coração” – o “coração de carne” de Jeremias substituindo o de pedra (Jr 31.31-33) – e, para que isso fosse possível, ele lhe daria um “espírito novo” (Ez 36.26). Em Paulo, esse tema está refletido em 2Co 3.1-6, em que os coríntios são vistos como beneficiários da nova aliança, que está escrita “pelo Espírito do Deus vivo... em tábuas de carne, isto é, nos corações” (v. 3). O próprio Paulo é o ministro dessa nova aliança, que não mais será firmada com “letra”, mas com o Espírito que dá vida (vv. 5-6). Esse mesmo entendimento está por trás das palavras semelhantes de Rm 7.5-6 bem como a “circuncisão do coração pelo Espírito”, em Rm 2.29, que remete a Dt 30.6 no que tange ao cumprimento;


2. Esse “espírito novo” não é outro senão o Espírito de Deus, que capacita seu povo a seguir seus decretos (Ez 36.27). Como se evidencia em Rm 8.3-4 e Gl 5.16-25, nesse tema o cumprimento do Espírito é a resposta à pergunta sobre o que acontece à justiça se abolirmos a observância da Torá;


3. O Espírito de Deus significa a presença do próprio Deus no sentido de que pondo “em vós o meu Espírito, [...] vivereis” (Ez 37.14). De novo Paulo retoma esse tema em 2Co 3.5-6. Como o Espírito do Deus vivo, o Espírito supre para o povo de Deus a realidade essencial acerca de Deus. “O Espírito”, diz Paulo no contexto da nova aliança, “concede vida”.


Assim também, a linguagem de 1Ts 4.8 (“Portanto, quem rejeita estas coisas não rejeita uma pessoa, mas rejeita Deus, que também dá o seu Espírito Santo a vocês”) é expressamente a de Ez 36-37. Toda rejeição da santidade por parte dos tessalonicenses é o mesmo que rejeitar ao Deus “que vos dá o Espírito Santo”. Se rejeitarem o chamado de Paulo a uma vida de santidade, estarão rejeitando a presença do próprio Deus santo, por meio de seu Espírito Santo. Podemos concluir que, para Paulo, Cristo efetivou, por meio de sua morte e ressurreição, a nova aliança para o povo de Deus; mas o Espírito é a chave para a nova aliança como realidade cumprida na vida do povo de Deus.

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