top of page
Foto do escritorChristian Lo Iacono

Série Espírito Santo - Parte V

Portanto, lembrem-se de que no passado vocês eram gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se intitulam circuncisão, que é feita na carne por mãos humanas. Naquele tempo vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz. De dois povos ele fez um só e, na sua carne, derrubou a parede de separação que estava no meio, a inimizade. Cristo aboliu a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse em si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por meio da cruz, destruindo a inimizade por meio dela. E, quando veio, Cristo evangelizou paz a vocês que estavam longe e paz também aos que estavam perto; porque, por meio dele, ambos temos acesso ao Pai em um só Espírito. Assim, vocês não são mais estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular. Nele, todo o edifício, bem-ajustado, cresce para ser um santuário dedicado ao Senhor. Nele também vocês estão sendo edificados, junto com os outros, para serem morada de Deus no Espírito. Efésios 2:11-22 Um dos membros da tríade anticristã em nosso mundo de hoje, além do relativismo e do secularismo, é o individualismo. O Iluminismo levou o mundo ocidental da modernidade a uma percepção individualista da vida que nunca foi tão predominante quanto atualmente. O indivíduo é fator decisivo de todas as coisas; submeter os direitos individuais ao bem comum tornou-se a nova “heresia” a ser rejeitada a todo custo (conservadorismo). O indivíduo é deus; o egoísmo narcisista é a grande finalidade da vida. O mesmo individualismo, por outro lado, também não pode ser percebido na militância a favor dos chamados “direitos das minorias”, ou “superdireitos”, como alguns os definem. Ao reconhecer a ênfase bíblica na importância do indivíduo, o cristianismo também tem se inclinado a absorver a versão cultural dessa ênfase. Isso tanto é verdade que qualquer insinuação de se retomar a ênfase bíblica sobre o povo de Deus como comunidade de crentes costuma ser vista como uma ameaça à nossa “importância como indivíduos”. O conceito que Paulo tem da salvação em Cristo inclui tanto continuidade quanto descontinuidade em relação à herança judaica. A continuidade reside no fato de Deus ainda estar “salvando um povo para seu nome” (Nm 6.27; Dt 28.10; 2Sm 7.23; 2Cr 7.14; Is 43.7; Jr 14.9; Dn 9.19), um povo que concretize a aliança feita com Abraão (Gn 12.2-3). A descontinuidade reside no fato de que o povo de Deus não é mais uma realidade baseada numa “nação”, mas no ingresso individual pela fé em Cristo Jesus e pelo dom do Espírito sinalizado pelo batismo. Mas é preciso equilíbrio aqui, pois a tradição pietista (mov. de busca pela espiritualidade) em todos os seus flancos costuma ler a Bíblia como se ela tivesse sido escrita principalmente para os crentes como indivíduos. Paulo dificilmente pode se abster de dirigir seu foco e preocupação ao povo como um todo. Embora a decisão do cristão seja individual, a salvação nunca ou raramente é vista como uma relação isolada com Deus. Embora o aspecto da individualidade certamente faça parte do relacionamento, “ser salvo” significa principalmente unir-se ao povo de Deus. Cipriano, pai da igreja que viveu no terceiro século, estava certo: não há salvação fora da igreja, porque Deus está salvando um povo para o seu nome, não um grupo desordenado composto por indivíduos sem vínculos entre si. A forma de tratamento mais comum usada por Paulo para dirigir-se aos destinatários de suas cartas é “santos”. Isso não quer dizer que eles sejam cristãos excepcionais, mas se refere a todo o povo de Deus em alguma cidade ou região. Com essa designação, Paulo está conscientemente aplicando ao povo de Deus um termo derivado de sua herança judaica. O termo “santos” refere-se ao “povo santo” de Deus – escolhido, redimido e então reunido diante de Deus no Sinai para cumprir seus propósitos no mundo (Êx 19.5-6). Na visão escatológica de Daniel 7.18, o termo é aplicado aos “santos do Altíssimo”, que “receberão o reino e o possuirão para sempre”. Paulo considera que essa visão foi cumprida por meio de Cristo e do Espírito. Toda a linguagem que Paulo usa para referir-se ao novo povo de Deus no NT deriva, portanto, do AT. Ele escreve que nós somos o povo (laos) de Deus (2Co 6.16-18; Tt 2.14: “Ele se deu a si mesmo por nós, a fim de nos remir de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, dedicado à prática de boas obras”). Laos, embora não muito usada pelos escritores gregos, foi a tradução do hebraico ‘am (povo) adotada na Septuaginta, a Bíblia dos cristãos. A escolha de laos se deveu ao fato de a palavra mais comum, ethnos (povo), ser usada pelos gregos para se referir a si mesmos como um povo. Assim, para os judeus, ethnos veio a ter o sentido de “gentio”. Portanto, nós somos o povo de Deus, porque somos os “eleitos” de Deus (eklektos; 1Ts 1.4; 2Ts 2.13; Cl 3.12; Ef 1.4,11). Como no AT, eklektos (eleitos) se refere não à eleição do indivíduo, mas a um povo escolhido por Deus para seus propósitos. Quando alguém era incorporado, e assim passava a pertencer ao povo de Deus, nesse sentido ele era também eleito. Os que vivem segundo a regra que diz “nem circuncisão nem incircuncisão”, e somente eles, são o “Israel de Deus” (Gl 6.15-16). A designação mais comum no NT é “igreja” (ekklesia), que Paulo toma emprestado da Septuaginta, em que a palavra normalmente traduz o hebraico qahal, que se refere mais à “congregação de Israel”. Seu uso abundante da linguagem do “povo”, própria do AT, deixa claro que Paulo via a igreja não apenas numa relação de continuidade com o povo de Deus da antiga aliança, mas como verdadeira sucessão daquele povo. Um dos aspectos mais essenciais dessa continuidade é a natureza coletiva do povo de Deus. Não foram indivíduos israelitas que Deus escolheu para com eles firmar uma aliança, mas um povo que levaria o seu nome e existiria para os propósitos de Deus. Embora indivíduos israelitas pudessem abandonar sua condição em Israel, isso nunca afetou o desígnio ou o propósito de Deus para o povo, até mesmo quando a maioria fracassou e restou apenas um “remanescente”. Esse remanescente continuava a ser Israel – amado, escolhido e redimido por Deus. Essa é também a perspectiva coerente de Paulo. Embora composta por indivíduos, a igreja como um todo é o objeto da atividade salvífica de Deus em Cristo. Deus está escolhendo e salvando um povo para o seu nome. Talvez nada ilustre essa ideia melhor do que duas passagens em 1Co (5.1-13 e 6.1-11), em que Paulo fala de pecados flagrantes de indivíduos. Em ambos os casos Paulo dirige seu discurso mais pesado não para indivíduos pecadores, mas para a igreja por deixar de lidar com essas questões. Em 5.1-13, nem sequer uma palavra é dirigida diretamente ao homem imoral – ele simplesmente deve ser expulso da igreja – e sua parceira não é nem mencionada. A carga total é dirigida à igreja por sua arrogância e por não haver tomado providências. Assim também ocorre em 1Co 6.1-11: nesse caso, Paulo finalmente dirige-se ao queixoso (v. 7, 8a) e ao acusado (v. 8b-11), mas somente depois de criticar a igreja por permitir que tal coisa ocorresse no meio da comunidade de Deus e também por ela não agir. Nesses casos, quem está na berlinda é a própria igreja e seu papel como alternativa redimida e redentora de Deus para Corinto. O interesse por um povo que Deus salva para sua glória é ainda demonstrado pela frequência de uma das palavras mais comuns, porém muitas vezes desconsiderada, nas exortações éticas de Paulo: allelon (“um ao outro/uns aos outros”). Todas as coisas são feitas allelon. Eles são membros uns dos outros (Rm 12.5; Ef 4.25: “deixando a mentira, que cada um fale a verdade com o seu próximo, porque somos membros do mesmo corpo”), que devem edificar uns aos outros (1Ts 5.11, 15; Rm 14.19), em favor uns dos outros (1Co 12.25); amar uns aos outros (1Ts 3.12; 4.9; 2Ts 1.3; Rm 13.8); procurar o bem uns dos outros (1Ts 5.15), suportando uns aos outros em amor (Ef 4.2); levar as cargas uns dos outros (Gl 6.2); ser bondoso e compassivo um com o outro, perdoando um ao outro (Ef 4.32; Cl 3.13); se submeter um ao outro (Ef 5.21); considerar um ao outro melhor do que nós mesmos (Fp 2.3; Rm 12.10); se dedicar um ao outro em amor, vivendo em harmonia uns com os outros (Rm 12.16). Deus não está apenas salvando indivíduos e preparando-os para o céu; Ele está formando um povo em meio ao qual possa viver e que, em sua vida comunitária, reproduza a vida e o caráter de Deus. Essa visão da salvação é mantida em todas as cartas de Paulo. Ela é demonstrada mais claramente em suas referências ao Espírito, que desempenha papel-chave não somente na formação do povo de Deus, mas também em sua vida comunitária e na adoração. A comunidade do povo de Deus deve sua vida como corpo à rica experiência que cada um de seus membros tem com o Espírito. A pergunta a que Paulo responde em 1Co 12.3 (“ninguém pode dizer: “Senhor Jesus!”, senão pelo Espírito Santo”) não é como as pessoas passam a crer somente, mas como um grupo tão diversificado, composto de judeus e gentios, escravos e livres, formam o corpo de Cristo. Paulo responde: todos, igualmente, estavam imersos na mesma realidade, chamada Espírito, e a todos igualmente foi dado beber da mesma realidade chamada Espírito, para formarem um só corpo em Cristo. Assim também, em 2Co 3.1-3, Paulo se refere à comunidade de crentes como sua “carta de recomendação”, e o que os fez assim é o fato de tal carta ter sido “escrita pelo Espírito”. Criadas e formadas pelo Espírito, as comunidades primitivas tornaram-se assim uma comunhão do Espírito. O conceito de koinonia (comunhão) é bastante amplo em Paulo. Começa como comunhão com Deus por meio de Cristo (1Co 1.9), que por sua vez coloca os crentes em comunhão uns com os outros. Na bênção trinitária de 2Co 13.13 (“A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vocês”), Paulo emprega o termo koinonia para descrever o ministério do Espírito. Embora o vocábulo se refira principalmente a uma “participação no próprio Espírito”, essa participação é comum a todos eles e, assim, inclui a “comunhão” criada e sustentada pelo Espírito. Em Fp 2.1-4, a base do apelo de Paulo à unidade e harmonia, em parte, é a participação em comum (de Paulo e dos leitores juntos) no Espírito (2.1; 1.27: “estais firmes em um só Espírito”). Do mesmo modo, o amor comum gerado pelo Espírito serve como base para que ele apele aos crentes romanos que o sustentem com suas orações (Rm 15.30; Cl 1.8). Para Paulo, o fato de judeus e gentios estarem igualmente incluídos na família de Deus é o aspecto mais notável dessa nova comunhão. Na morte de Cristo, Deus triunfou sobre os preconceitos de ambos os lados (Ef 2.14-18). Paulo se sente maravilhado diante disso, e esse sentimento resplandece por toda a epístola aos efésios. Assim, 1.13-14 não trata primeiramente da conversão de indivíduos; antes, Paulo alegra-se porque os gentios (“também vocês”) foram incluídos em Cristo juntamente com os judeus como herança de Deus. Isso foi certificado pela impressionante realidade de que eles receberam o Espírito Santo prometido como selo e pagamento inicial daquela herança (v. 14). Essa unidade moldada pelo Espírito é também o ponto principal de Ef 2.18. Assim como a morte de Cristo fez de “um só corpo” uma possibilidade ao eliminar o que separava judeus e gentios, também agora por meio de Cristo ambos “têm acesso ao Pai em um só Espírito”. Judeus e gentios foram constituídos pelo Espírito em um só corpo (4.4) e, à medida que, juntos, vivem no mesmo Espírito, como um só povo têm igual acesso à presença de Deus.

16 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page