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Foto do escritorChristian Lo Iacono

Tudo posso naquele que me fortalece


O que também aprenderam, receberam e ouviram de mim, e o que viram em mim, isso ponham em prática; e o Deus da paz estará com vocês.

Fiquei muito alegre no Senhor porque, agora, uma vez mais, renasceu o cuidado que vocês têm por mim. Na verdade, vocês já tinham esse cuidado antes, só que lhes faltava oportunidade.

Digo isto, não porque esteja necessitado, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação.

Sei o que é passar necessidade e sei também o que é ter em abundância; aprendi o segredo de toda e qualquer circunstância, tanto de estar alimentado como de ter fome, tanto de ter em abundância como de passar necessidade.

Tudo posso naquele que me fortalece.



Paulo não termina sua exortação no mundo privativo dos pensamentos (v. 8). Todo cristão cria um círculo de influência ao seu redor. Paulo orienta os filipenses a praticarem a fé cristã como bons discípulos, inspirados pelo exemplo do apóstolo, porque aprenderam dele (Mt 28.19). Os filipenses também haviam recebido aquilo que deveriam viver, ou seja, por meio da transmissão da tradição (1Co 11.23; 15.3). O uso frequente dos termos “tradição” ou “ordenanças” (1Co 11.2; 15.1; Gl 1.9; Cl 2.6; 1Ts 4.1-2; 2Ts 2.15) por Paulo dá destaque à importância da instrução catequética (“instruir a viva voz”) na igreja primitiva, como parte do ministério educacional dos pastores. Ouvir a Paulo ensinar e exortar com respeito à vida cristã deve ter sido emocionante para os crentes filipenses. Com lágrimas, intenso amor e preocupação, o apóstolo encorajava a seus ouvintes (At 14.22; 20.9, 31), de modo que os filipenses não deveriam esquecer o que havia saído da boca do apóstolo. Muitas vezes, basta sairmos do templo, onde escutamos uma mensagem, para falarmos (ou pensarmos) qualquer outra coisa menos sobre como colocar em prática o ensino recebido, de modo que acabamos esquecendo o que foi pregado completamente. Esse hábito insensibiliza o coração.


Porém, não são só os ouvidos os mencionados aqui, mas também os olhos: “o que viram em mim, isso praticai” (v. 9). Às vezes, queremos que os irmãos saiam por aí evangelizando os familiares, os colegas de trabalho, os vizinhos etc. Para tanto, nos dispomos a fazer cursos de formação e capacitação na área da evangelização, mas nós mesmos não mexemos um dedo para evangelizar, a fim de dar o exemplo (3.17). Portanto, o discipulado, a tradição (preservada nos Evangelhos), o ensino e a demonstração devida devem unir-se a um pensamento filtrado (v. 8) para a formação de uma igreja em que Deus espalha a sua paz. Shalom comunica um conceito de bem-estar, harmonia e vitalidade. A promessa que Paulo estende aos irmãos é no sentido de que o Deus da paz estaria com eles (v. 7). Ora, Cristo prometeu estar com os seus discípulos até o fim (Mt 28.20). Nessa promessa descobrimos a autoridade da igreja para vencer todo desafio (Sl 27.1).


Nos versículos 10-13, Paulo exterioriza seu profundo contentamento com a oferta que os filipenses mandaram pelas mãos de Epafrodito (2.25-30). “Fiquei muito alegre no Senhor” (v. 10) revela que sua satisfação não se baseava na oferta em si, mas em Deus, que mais uma vez renovou a sua bondade pelas mãos dos filipenses. “Renasceu” (anathallo) refere-se literalmente a uma planta que brota com folhas e flores de novo. A preocupação dos filipenses por causa da prisão de Paulo levou-os a fazer uma doação, que, ao que parece, não havia sido concretizada anteriormente, por algum motivo.


Mas Paulo não quer que a igreja se sinta culpada por não ter conseguido enviar a oferta antes, e também quer evitar mal entendidos. “Digo isto, não porque esteja necessitado” (v. 11) revela que Paulo não permitiu que uma palavra como “falta” (husteresis) constasse do seu vocabulário. Ele confessa que “aprendeu” (emathon, “ser instruído como discípulo”) “a viver contente em toda e qualquer situação”. Ora, quem ensinou o apóstolo a viver assim? Não seria o próprio Senhor, que recusou fazer pães de pedras, ainda que estivesse em jejum por 40 dias? (Mt 4.3-4) Foi ele mesmo quem combateu a preocupação desnecessária dos discípulos com o pão (Mc 8.16-21) e quem reivindicava uma comida não material desconhecida dos discípulos (Jo 4.32-34). Paulo empregou um termo que revelava a virtude fundamental para os estoicos na vida moral, para comunicar o seu contentamento: autarkés (lit. “autosuficiente”), indicando independência de circunstâncias externas e materiais, e usado também para quem se autosustenta. Sêneca escreveu: “o homem feliz está contente com sua sorte presente, não importa qual seja ela, e está reconciliado com suas circunstâncias”. O homem autossuficiente estóico, de que Sócrates é tido como exemplo perfeito, enfrenta a vida e a morte com recursos encontrados dentro de si mesmo. Mas Paulo encontra o segredo da vida em sua união com Cristo (1.21: “para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro”). Assim, o uso que Paulo faz do termo revela uma força interior arraigada na fé num Deus todo-poderoso, que faz com que “todas as coisas cooperem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).


A vitória interna de Paulo sobre a ansiedade não foi obtida pela força de pensamento positivo, mas por meio do aprendizado que segue naturalmente à crucificação com Cristo (Gl 2.20). Por isso, Paulo escreve: “sei o que é passar necessidade” (v. 12). “Saber” vem pela experiência, observação e interpretação do mundo exterior no fundo do coração em que a fé cria convicção absoluta. “Aprendi o segredo de toda e qualquer circunstância” indica uma profunda experiência no desfrute de plena confiança e dependência em Deus para tudo, inclusive para a sua alimentação. Paulo fora radicalmente levado a esse status pelas experiências da vida aplicadas ao coração pelo Espírito Santo. “O SENHOR confia o seu segredo aos que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança” (Sl 25.14). “Passar necessidade” não se refere a uma experiência psicológica que revela vergonha, mas indica uma diminuição dos recursos materiais mesmo. Mesmo assim, Paulo estava contente.


É possível que Paulo tenha achado mais necessário ser instruído sobre como reagir frente à abundância do que frente à miséria. Duas vezes ele escreve a palavra “abundância”, que significa “transbordamento”, receber mais do que o necessário. Para a maioria de nós, não parece ser um desafio ter mais do que é necessário. Torna-se claro que Paulo percebeu tanto em fartura como em escassez uma prova, ou mesmo uma tentação. O aumento de bens materiais, o salário crescendo, ou uma herança recebida desafiam o cristão a procurar saber o que Deus pretende com “bênçãos” assim. Temos certeza de que toda abundância vem para testar nosso amor a Deus e ao nosso irmão. A “bênção” não vem para nos fartar, mas para “acudir ao necessitado” (Ef 4.28). Deus nos dá para investir em amigos que virão um dia a nos dar as boas-vindas “nos tabernáculos eternos” (Lc 16.9; 6.38). Paulo testemunha acerca do que fez com o que transbordava: “vocês mesmos sabem (efésios) que estas minhas mãos serviram para o que era necessário a mim e aos que estavam comigo. Em tudo tenho mostrado a vocês que, trabalhando assim, é preciso socorrer os necessitados e lembrar das palavras do próprio Senhor Jesus: ‘Mais bem-aventurado é dar do que receber’” (At 20.34-35). Paulo também escreveu aos coríntios que a abundância deles deveria suprir a falta dos crentes judeus pobres de Jerusalém” (2Co 9.14). E em Provérbios 30.7-9 está escrito o seguinte: “Duas coisas te peço, ó Deus; não recuse o meu pedido, antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário, para não acontecer que, estando eu farto, te negue e dia: ‘Quem é o SENHOR?’ Ou que, empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus”.


Paulo encerra sua majestosa declaração com as palavras: “Tudo posso naquele que me fortalece” (v. 13). Aqui vemos o segredo do contentamento incessante, da paz e dos pensamentos controlados pelo bem. Tentando traduzir: “Todas as coisas/circunstâncias eu tenho força/posso suportar naquele que está me capacitando/fortalecendo (endunamounti, que vem da raiz dunamis, “poder” – 3.10). Paulo não sugere que o segredo de suportar a dura vida como preso, a tortura da fome ou a ansiedade de prever o martírio (1.20) esteja na sua própria disciplina ou autocontrole. A explicação se encontra unicamente na constante dinâmica da comunhão fortalecedora de Jesus pela atuação do Espírito Santo. O contentamento do missionário perseguido é uma dádiva gratuita, graças à realidade do poder milagroso de Deus.


Essa passagem começou apelando para o pensamento controlado por Deus. Ora, o crente em Cristo ouve, medita até que entenda a Palavra, e então age, pondo em prática o que aprendeu, indicando que a sua casa foi construída sobre a rocha (Mt 7.24). Assim, Paulo fez um convite para que se praticassem os ensinamentos transmitidos pelas suas palavras e pela sua própria vida, assegurando-lhes a presença de Deus, que manifesta a paz. Por fim, Paulo finaliza o trecho revelando a transbordante alegria sentida por ele ao constatar novamente que Deus supria todas as suas necessidades, materiais e pessoais. Quantos de nós poderíamos testemunhar tão bela comunhão com Aquele que nos amou e entregou a si mesmo por nós? Em outro momento difícil da vida de Paulo, em que ele pediu ajuda a Deus em oração por 3 vezes, a resposta divina foi: “‘A minha graça é o que basta para você, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza’. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Por isso, sinto prazer nas fraquezas, nos insultos, nas privações, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.9-10).

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